Gaza: palestinos retornam para escombros (AFP)
Agência de notícias
Publicado em 28 de janeiro de 2025 às 06h47.
Responsáveis por retirar os vivos e os mortos dos escombros no epicentro da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, os funcionários da Defesa Civil na Faixa de Gaza pagam um preço alto pelo serviço prestado. O órgão comunicou na última segunda-feira que ao menos 99 socorristas foram mortos e 319 ficaram feridos durante o conflito.
Quando a Defesa Civil enterra seus próprios funcionários, os coletes dos mortos são colocados sobre seus corpos, sempre que possível, afirma um dos sobreviventes que ainda atua no local:
— Colocamos o colete lá porque nosso colega sacrificou sua alma nele — disse Nooh al-Shaghnobi, de 24 anos, em uma entrevista por telefone à BBC, e acrescentou: — Esperamos que isso mostre a Deus que esse homem fez o bem com sua vida, que ele salvou outras pessoas.
Al-Shaghnobi acumulou inúmeros seguidores durante a guerra ao compartilhar suas experiências nas redes sociais. Por mais que ele pixelize algumas imagens, outras mostram os horrores que ele e outros jovens trabalhadores de resgate enfrentaram.
— Você deveria ficar entorpecido com o passar do tempo. Mas fiquei pior. Sinto mais dor, não menos. Acho mais difícil lidar com a situação. Vi 50 de meus colegas morrerem na minha frente. Quem fora de Gaza pode imaginar isso? — relata o socorrista.
Ao lado de outros servidores, ele denuncia a falta de apoio psicológico para as equipes de resgate. Para eles, isso se dá apesar de serem vistos como heróis pela população local, e ao mesmo tempo em que os reféns libertados recebem todo o suporte de Israel.
— Todos nós precisamos disso, mas ninguém fala sobre isso — disse Mohammed Lafi, 25 anos, que também trabalha resgatando os povos palestinos.
Al-Majdalawi, de 24 anos, funcionário da Defesa Civil que mora com os pais em Gaza, disse que, quando voltava para o lar entre os turnos, fazia pequenos trabalhos e tarefas constantemente, “por passar a ter medo de minhas próprias lembranças”.
Após meses de negociações infrutíferas, o cessar-fogo entrou em vigor em 19 de janeiro, paralisando a troca de hostilidades após mais de 15 meses de guerra desencadeada pelo ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023. Desde então, as equipes de resgate da Defesa Civil preparam o terreno para próxima fase de seu trabalho.
Eles estimam que haja mais de 10 mil pessoas enterradas sob os escombros em Gaza. O número se baseia em informações coletadas durante a guerra sobre quem estava em cada prédio destruído e quem a agência sabe que já foi resgatado. No entanto, em áreas completamente ocupadas pelas forças israelenses, eles não têm informações detalhadas e contam apenas com o auxílio dos moradores.
Para o porta-voz da Defesa Civil, Mahmoud Basal, a expectativa inicial de recuperar os mortos sob os escombros em 100 dias é tida como um alvo difícil, porque eles praticamente não têm escavadeiras e outros equipamentos pesados. Em uma semana, teriam resgatado apenas 162 corpos.
O órgão acusou Israel de visar e destruir deliberadamente seus veículos e equipamentos em ataques, algo que os israelenses negam. Os resgatistas disseram à BBC que trabalhavam atualmente com ferramentas manuais simples, como martelos, e que tinham poucos veículos em funcionamento.
— Temos tão pouco equipamento que precisamos de outra Defesa Civil para resgatar a Defesa Civil — afirmou Al-Majdalawi.
O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) alertou que a recuperação dos corpos pode levar anos. Entre os fatores apontados para o atraso estão: falta de equipamentos, pessoal e ao que estima ser 37 milhões de toneladas de escombros repletos de bombas não detonadas e materiais perigosos, como amianto.
Além disso, o tempo que os corpos passaram soterrados também é um entrave no processo de identificação. Em muitos casos, a única opção para as pessoas identificarem seus entes queridos é procurar por sapatos, roupas ou outros objetos pessoais.
A Defesa Civil ainda calcula que cerca de 3 mil pessoas podem ter sido incineradas nos bombardeios, o que impediu que algumas famílias encerrassem suas buscas.
— Essas pessoas precisam ser encontradas e homenageadas. Esse trabalho está nos esperando. Tudo o que precisamos é do equipamento, e nós o faremos — promete Al-Shaghnobi.