Colômbia: protestos começaram contra reforma tributária, mas hoje incluem renda básica e críticas à repressão policial (Daniel Munoz/AFP/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 2 de junho de 2021 às 06h00.
A Colômbia completa mais de um mês de protestos nas ruas e sem previsão de acabar: os organizadores dos principais atos no país convocaram novas manifestações para esta quarta-feira, 2, após não conseguirem um acordo com o governo no fim de semana.
Os protestos começaram tendo como alvo a reforma tributária na Colômbia, que propunha ampliar os impostos da população de modo a financiar os gastos do governo em meio à crise econômica da covid-19. A reforma apoiada pelo presidente de direita, Iván Duque, aumentava a base de cobrança do Imposto de Renda, além de tributos sobre serviços.
As mudanças afetariam sobretudo a classe média e levaram à uma insatisfação generalizada, acentuada também pela pandemia e pela crise.
Diante dos protestos desde abril, a discussão da reforma no Congresso foi engavetada e o ministro da Fazenda colombiano renunciou.
Desde então, os protestos ganharam novos temas, como a demanda por uma renda básica em meio à pandemia - similar ao auxílio emergencial brasileiro -, insatisfação com a falta de empregos para os mais jovens e, mais recentemente, desmilitarização da polícia, que vem sendo criticada por violência excessiva contra os manifestantes.
Ao menos 63 pessoas já morreram nos protestos. Um dos símbolos recentes do clima tenso foi Fredy Bermúdez, que disparou contra manifestantes no último fim de semana, foi linchado na sequência e terminou morrendo em um hospital na cidade de Cali, um dos principais palcos dos protestos.
Mais tarde, autoridades colombianas confirmaram que ele era funcionário do Ministério Público, embora estivesse de folga. Mais de 13 pessoas morreram somente no protesto de sábado, 29.
A ex-presidente chilena e alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, pediu uma investigação independe acerca da violência nos atos.
“É essencial que todas as pessoas que supostamente causaram ferimentos ou morte, incluindo funcionários do Estado, sejam submetidas a investigações [...] e que os responsáveis sejam responsabilizados perante a lei”, disse.
O ato desta quarta-feira, como os demais protestos recentes, é organizado pelo Comitê da Paralisação Nacional (o Comité Nacional del Paro, em espanhol), que se formou após o início dos protestos reunindo representantes de diversos setores e movimentos sociais.
No último domingo, 30, após o protesto de sábado, o comitê e o governo novamente se reuniram em busca de um acordo, mas os grevistas decidiram por marcar novo protesto para esta quarta-feira de modo a pressionar os políticos. Uma das demandas dos organizadores é a renúncia do ministro da Defesa.
Também no domingo, um outro grupo de manifestantes foi às ruas para defender as forças policiais e pedir que os bloqueios de estrada organizados pelos grevistas sejam interrompidos por estarem prejudicando a economia e as cidades afetadas.
Enquanto isso, a economia segue em frangalhos. O produto interno bruno colombiano caiu 6,8% em 2020 e a taxa de desemprego beira os 15%, sendo ainda maior para os mais jovens.
A vacinação, como em boa parte dos países mais pobres, ainda engatinha: pouco mais de 12% da população recebeu ao menos a primeira dose de uma vacina. O país tem usado as vacinas de Pfizer, AstraZeneca e Sinovac.
Já a média móvel de mortes subiu seis vezes desde março, para mais de 500 mortos diários nos últimos dias, sobretudo gerados pela variante P1, encontrada em Manaus e hoje frequente em outros países da América do Sul.
O caos social levou a Conmebol, confederação que gere o futebol sul-americano, a desistir de sediar a Copa América na Colômbia. O governo chegou a pedir adiamento do torneio, negado pela Conmebol. No último fim de semana, foi a vez de a Argentina desistir por conta própria do torneio, desta vez devido à pandemia, e o Brasil foi anunciado como nova sede na segunda-feira, 31.
Em 2019, a Colômbia já havia sido palco de protestos contra o governo Duque, eleito em 2018, em atos conhecidos como "primavera colombiana". Os protestos logo no começo do mandato enfraqueceram o governo, mas Duque conseguiu manejar a crise prometendo diálogo.
Passado pouco menos de um ano, aposta de Duque na reforma neste ano, somada à crise da covid-19, terminou sendo um erro: oito em cada dez colombianos dizem que não apoiarão um candidato que aprove aumento de impostos.
As próximas eleições parlamentares e presidenciais acontecem no ano que vem, e já há temor entre apoiadores de Duque - do mesmo grupo político do ex-presidente Álvaro Uribe -, de que a impopularidade do governo crie consequências negativas para os aliados nas urnas.
Na oposição, brigam pelo protagonismo a prefeita da capital Bogotá, Claudia López, do partido de centro progressista Aliança Verde, que tenta uma "frente ampla" para 2022, e o Gustavo Petro, ex-prefeito de Bogotá e da coalizão Pacto Histórico, que reúne vários partidos de esquerda. Enquanto isso, com desejos diversos nas ruas e demandas engarrafadas desde 2019, a tendência é que os protestos colombianos continuem caso Duque não faça ainda mais concessões.
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