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Da Redação
Publicado em 26 de janeiro de 2011 às 12h29.
Enquanto representantes dos países mais ricos do mundo debatem preocupadamente a extensão da crise imobiliária nos EUA e dos prejuízos assimilados pelo setor financeiro, a América Latina entrou na pauta do Fórum Econômico Mundial, na noite desta quinta-feira (24/01), sob a imagem de uma região em recuperação econômica e forte expansão do mercado consumidor.
A maré positiva em que surfam as maiores economias locais, com níveis de crescimento bem acima dos registrados por eles próprios, no começo da década, e mais elevados que os atuais dos desenvolvidos, ganhou espaço numa das sessões do Fórum.
Chamada "A Re-emergência da Classe Média na América Latina", a mesa reuniu o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, o ministro das Finanças do Chile, Andrés Velasco, e outros cinco debatedores para discutir como a relativa prosperidade dos últimos anos começa a se refletir na estrutura sócio-econômica dessas nações.
Como consenso, os participantes da mesa apontavam, antes mesmo do início da discussão, a impossibilidade de tomar os impactos de qualquer mudança como uniformes, num aglomerado de Estados com contextos tão diversos. Tampouco o processo que leva à mobilidade na pirâmide social é o mesmo.
"Se é possível fazer uma correlação com o fato de o conjunto desses países só estar aumentando sua classe média graças à ação estatal, por exemplo, por outro lado é mais fácil notar isso na Venezuela do que no Brasil. Na Argentina, a conferir. Lá, houve uma parcela da classe média que se empobreceu e agora está retornando ao seu padrão de vida, é um outro processo", afirma um dos brasileiros que participarão do debate, o presidente do Instituto Ethos, Ricardo Young.
A transformação na estrutura de poder aquisitivo, porém, assim como os próprios fatores que permitem essas mudanças, já se refletem em efeitos positivos, inclusive coletivamente, na opinião de José Carlos Grubisich, presidente da petroquímica Braskem.
"A América Latina, como um todo, está ganhando visibilidade. Os presidentes das maiores empresas mundiais têm visitado os países latino-americanos e praticamente nenhuma empresa anunciou redução de investimento, mesmo diante da crise nos EUA. São sinais positivos para a região", afirma.
Pouco antes de viajar à cidade suíça de Davos, onde se realiza o Fórum Econômico Mundial, Young explicou na entrevista abaixo como a elevação do poder de compra de uma parcela dos cidadãos latino-americanos muda o cenário econômico da região e, especificamente, do Brasil.
EXAME.com - De que maneira a re-emergência da classe média na América Latina será discutida, no Fórum?
Young - A discussão é fundamentalmente política. Se olharmos para Argentina, Brasil e Venezuela, sem entrar nos méritos de Equador e Bolívia, onde os mandatos dos presidentes ainda são recentes, vamos ver que a emergência da classe média e a diminuição da faixa mais pobre da população se dá, em cada um, por mecanismos diferentes. Enquanto na Venezuela há uma combinação de neo-caudilhismo com os ganhos trazidos pelo petróleo, e nesse contexto o Estado passa a ter um a papel muito importante na indução do desenvolvimento, na Argentina, houve um ambiente de recuperação, diante da retração forte de economia, nos anos anteriores. Já no Brasil, tivemos um presidente eleito dentro das regras do jogo, mas também vemos uma ação do Estado na base da pirâmide. Por mais que o Bolsa Família tenha sido ajudado por um ciclo econômico positivo, gerou riqueza de fato, porque criou um mercado interno que trouxe ganhos para todos os segmentos. Então, se é possível fazer uma correlação com o fato de o conjunto desses países só estar aumentando sua classe média graças à ação estatal, por exemplo, por outro lado é mais fácil notar isso na Venezuela do que no Brasil. Na Argentina, a conferir. Lá, houve uma parcela da classe média que se empobreceu e agora está retornando ao seu padrão de vida, é um outro processo.
EXAME.com - No caso específico do Brasil, que sinais permitem dizer que há uma nova classe média no país?
Young - Existem muitos sinais. Os dados do IBGE mostram, por exemplo, uma ascensão das famílias de classe D e E para a classe C. A re-emergência da classe média, aqui e na América Latina como um todo, não tem acontecido pelo enriquecimento de quem já estava nessa faixa, mas pela chegada de mais pessoas. Outro sinal é a retomada da economia popular e um bom exemplo é a retomada dos mercados de bairro, que contribuiu inclusive para a crise de grandes redes, como o Pão de Açúcar.
EXAME.com - Como essas mudanças se refletem nos hábitos de consumo?
Young - Enquanto a classe média tradicional segue estagnada, há uma ascensão das classes populares, que buscam canais de venda diferentes. O recorde de venda de carros no país, registrado em 2007, se deu com base nos modelos populares. O número de faculdades particulares também disparou, um sinal de que mais brasileiros querem chegar ao Ensino Superior. Com a emergência de uma faixa da população à classe média baixa, não teremos mais uma homogeneidade tão grande na classe média, nos 60 milhões de pessoas que consumiam até esta fase. Ao invés disso, vamos ter uma heterogeneidade nos 120 milhões que agora consomem. Isso tem implicações não só no tamanho do mercado interno, mas na própria grade de produtos e serviços que o mercado disponibiliza.
EXAME.com - As empresas brasileiras já começaram a se adaptar a essa nova classe média?
Young - As empresas já perceberam que isso acontece, mas não na extensão do fenômeno. A indústria têxtil, por exemplo, só agora começa a acordar para a possibilidade de concorrer com os produtos chineses. Também já se pode ver alguns movimentos nos bancos, que passaram a oferecer linhas de crédito para produtos que antes não eram financiados. Esse fenômeno deve perdurar por um bom tempo, provavelmente alguns anos, e isso deve mudar a face dos nossos mercados.
EXAME.com - A ascensão da classe média na América Latina se dá de maneira diversa da que ocorre na China e na Índia?
Young - No caso chinês, há um fortíssimo papel do Estado. O desenvolvimento econômico tem sido um imperativo do Estado, ele é fortemente caudatário de uma política de câmbio artificial e de localização de investimentos em áreas de interesse estratégico do Estado. Posto isso, a China tem uma vantagem que é a educação do povo, eles têm uma população que vem apostando nisso. Na Índia, por sua vez, eles estão longe de ser um exemplo de inserção nesse sentido. Eles têm um exercito de pessoas bem formadas, mas isso se dá mais pela população enorme do que pela elevação do nível educacional médio. No Brasil e na América Latina como um todo, essa também deve ser a próxima barreira de inserção estratégica.
EXAME.com - Esse movimento rumo à classe média indica que o Brasil tem conseguido reduzir suas diferenças sociais?
Young - Do ponto de vista da percepção da elite, eu não sei o quanto isso faz diferença. À medida que isso acontece, também fica possível perceber traços culturais mais fortes, uma produção cultural diferente para a classe C, outra para a B- outra para a B. A ascensão da classe média na zona norte do Rio, por exemplo, não diminuiu o preconceito dos moradores da zona sul em relação a esses bairros. Então, essa é uma boa questão para os sociólogos responderem.