China: quase 300 milhões de pessoas se mudaram às cidades no calor da industrialização, e os emigrantes perderam direito a subsídios para saúde (Stringer / Reuters)
Da Redação
Publicado em 17 de março de 2016 às 16h16.
Pequim - Xu Pengfeng trabalhava como eletricista quando sofreu uma queda em uma obra em Pequim e teve que comparecer a um hospital, onde recebeu o tratamento necessário por uma numerosa soma de dinheiro, esperando que seu seguro o reembolsasse, pelo menos parcialmente, o que não aconteceu.
Um ano depois, Xu não recebeu nada dos 20 mil iuanes (cerca de 2.670 euros) que pagou, dez vezes mais do que o salário mensal que recebia em uma empresa que quebrou, segundo contou à Agência Efe seu irmão, já que a queda lhe causou uma surdez parcial.
Diariamente na China ocorrem casos similares ao de Xu, que não recebeu o dinheiro porque o seguro só cobria tratamentos em Hebei, província limítrofe com Pequim à qual pertence seu "hukou" -um documento de residência que liga cada cidadão a seu lugar de origem, em atual processo de flexibilização.
Pelo fato que Deng Xiaoping auspiciou a liberalização econômica em 1980, a saúde deixou de depender de cooperativas que cobriam de forma básica todos os cidadãos e os hospitais públicos passaram a tramitar seu próprio financiamento, encarecendo os serviços médicos.
Em paralelo, quase 300 milhões de pessoas se mudaram às cidades no calor da industrialização, e os emigrantes como Xu, cujo "hukou" seguiu fixado onde nasceu, perderam direito a subsídios para saúde e outros serviços nas cidades de amparo, tendo que pagar por precários seguros.
Quase 40 anos depois, o governo chinês incluiu a reforma da saúde entre os objetivos do plano quinquenal aprovado ontem, consciente de que sua intenção de robustecer o consumo interno é inviável enquanto ir ao médico é para maioria sinônimo de perda de recursos e, em algumas ocasiões, até de empobrecimento.
"Certamente que virou um problema financeiro", contou à Agência Efe o irmão de Xu.
Zhang Wei, professor da Universidade de Pequim e especialista na reforma da saúde que a China empreende desde 2009, manifestou à Efe que o Executivo se centrará agora em várias áreas, entre elas destinar mais fundos públicos, sobretudo a zonas rurais.
Nessa linha, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, anunciou em 5 de março durante a abertura da sessão anual do Legislativo um fundo de 16 bilhões de iuanes (2,18 bilhões de euros) em subsídios para saúde neste ano, 9,6% a mais que em 2015.
Além disso, a China planeja criar uma rede nacional de seguro médico básico a fim de conseguir uma cobertura universal para 2020 (segundo dados oficiais, mais de 90% da população têm seguros, mas a maioria muito limitados), e procura impulsionar o investimento privado no setor.
Exemplo disso é o hospital Yanda, situado nos arredores de Pequim e fundado por um magnata do setor imobiliário, mas cujas imaculadas salas estão praticamente vazias.
"Ainda não temos suficientes pacientes", admite à Agência Efe o vice-presidente do hospital, Wu Yiming.
Um dos motivos, indica, é que atrair pacientes para hospitais privados é muito difícil, em parte porque os seguros que o governo subsidia (os que tem a maior parte da população) não incluem ainda estes centros, e também, acrescenta Wu, porque "leva tempo para ganhar a confiança dos pacientes".
Perante escândalos como a proliferação de clínicas ilegais, os pacientes se sentem mais seguros indo a hospitais conhecidos, aos quais os médicos costumavam estar ligados a vida toda por contratos.
Zhang acredita que haverá mudanças e que se houver um fomento de seguros para estes hospitais, "os médicos têm mais liberdade" para ir para outros centros, o que espera-se que ajude a solucionar outro empecilho do modelo sanitário: os baixos salários dos médicos.
Isto levou os médicos a engrossarem suas relações de funcionários através de subornos das farmacêuticas para que receitem seus remédios, cujos preços por sua vez dispararam, custos que as autoridades tentam eliminar com a paulatina liberalização dos genéricos.