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Coreia do Norte e G20 testam vácuo americano da era Trump

A política de Trump será testada com a aproximação entre Rússia e China e com Xi Jinping buscando ocupar o vácuo deixado pelos EUA no comércio

Merkel e Xi: aproximação entre a China e Alemanha depois do vácuo deixado pelos americanos (Axel Schmidt/Reuters)

Merkel e Xi: aproximação entre a China e Alemanha depois do vácuo deixado pelos americanos (Axel Schmidt/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 5 de julho de 2017 às 20h32.

Última atualização em 6 de julho de 2017 às 17h15.

O lançamento do míssil balístico intercontinental não é apenas o primeiro teste de um foguete da Coreia do Norte que pode levar uma ogiva nuclear até o Alasca, em pleno território americano. É também um teste para a política externa e de defesa de Donald Trump, no momento em que China e Rússia se aproximam e o presidente chinês, Xi Jinping, busca ocupar, na cúpula do G20, o vácuo deixado pelos EUA no comércio, como já fez o russo Vladimir Putin na defesa.

Depois do bem-sucedido lançamento da terça-feira, o regime de Pyongyang se declarou a partir de agora “uma potência nuclear plena, na posse do mais poderoso foguete balístico intercontinental capaz de atingir qualquer parte do mundo”.

Mais especificamente, o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, tripudiou descrevendo o teste como um “presente” para os americanos no seu Dia da Independência (4 de julho). E ordenou que seus oficiais “enviem com frequência pacotes de presentes grandes e pequenos para os ianques”.

Há dúvidas, entre os especialistas, sobre a real capacidade dos mísseis norte-coreanos de carregar ogivas nucleares por longas distâncias. O desafio envolve miniaturizar a ogiva, encaixá-la no míssil e criar uma estrutura que comporte a longa trajetória em altas temperaturas até o destino. Mas se estima que, no ritmo em que está evoluindo, o país conseguirá atingir o território americano com uma ogiva nuclear em cinco a dez anos.

“Ao colocar o Alasca em seu raio de alcance, o novo teste de míssil muda o jogo de forma clara, tanto em termos simbólicos quanto práticos”, avalia John Nilsson-Wright, do centro de estudos londrino Chatham House.

“Pela primeira vez o presidente dos EUA tem de aceitar que a Coreia do Norte impõe um risco real e presente não apenas para o Nordeste Asiático e os aliados da América (Japão e Coreia do Sul), mas para os próprios EUA.”

Americanos e sul-coreanos lançaram mísseis no Mar do Japão — o mesmo atingido pelo míssil norte-coreano — em represália ao teste. E o presidente americano fez o que costuma fazer quando precisa responder a alguém: foi para o Twitter. “É assim que a China colabora conosco”, reclamou Trump.

Sem a ajuda econômica e militar chinesa, dificilmente o regime norte-coreano sobreviveria, mas nem por isso Pequim tem controle sobre as decisões em Pyongyang.

Trump recebeu Xi Jinping em abril em seu balneário de Mar-a-Lago, na Flórida, e depois do encontro celebrou “tremendo progresso” nas relações entre os dois presidentes.

Dois meses antes, ele aceitou a política de uma China, que significa o não reconhecimento de Taiwan como país independente. Xi retribuiu suspendendo a importação de carvão da Coreia do Norte.

No tuíte, Trump parecia estar se referindo a dados que mostram um aumento no comércio bilateral entre a China e a Coreia do Norte, mas isso se deve a transações anteriores a abril.

O governo americano pediu uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU nesta quarta-feira para discutir o lançamento do míssil norte-coreano.

O teste viola resoluções do Conselho. A iniciativa gerou preocupações na China e na Rússia — cujos presidentes se reuniram na segunda e terça-feira em Moscou — de que os EUA possam estar preparando um ataque à Coreia do Norte.

“É perfeitamente claro para a Rússia e a China que quaisquer tentativas de justificar o uso da força recorrendo às resoluções do Conselho de Segurança são inaceitáveis, e terão consequências imprevisíveis nesta região que faz fronteira tanto com a Rússia quanto com a China”, declarou o chanceler russo, Sergei Lavrov. “Tentativas de estrangular a Coreia do Norte economicamente são igualmente inaceitáveis.”

Xi e Putin propuseram negociações com base num compromisso da Coreia do Norte de suspender seu programa de desenvolvimento de mísseis balísticos em troca da suspensão dos exercícios militares conjuntos dos EUA e da Coreia do Sul, onde 28 mil militares americanos estão estacionados.

Os dois presidentes assinaram a criação de um fundo de investimentos de 10 bilhões de dólares, a serem destinados na integração da infra-estrutura da China com a União Econômica Eurasiática (UEE), no âmbito do programa chinês One Belt, One Road (Um Cinturão, uma Estrada). Liderada por Putin, a UEE é um bloco de livre comércio formado por Rússia, Bielo-Rússia, Quirguízia, Cazaquistão e Armênia.

Xi declarou que as relações entre China e Rússia estão “no melhor momento de sua história”, e que ambos os países são “os parceiros estratégicos mais confiáveis” um do outro.

Rússia e China são rivais regionais tradicionais. A aproximação tem sido incentivada pelas ameaças de Trump de aumentar as tarifas comerciais contra os produtos chineses.

Antes da reunião com Putin, Xi fez uma advertência pelo telefone a Trump sobre “fatores negativos que estão prejudicando as relações EUA-China”. Um destróier americano fez no domingo uma incursão no Mar do Sul da China, numa área reivindicada pelos chineses.

A aparente tendência inicial de Trump de diminuir o envolvimento dos EUA nos conflitos externos também abriu um espaço para a Rússia em suas áreas de interesse, sobretudo na Síria, no Afeganistão, na Ucrânia e no Leste Europeu.

Nada disso, no entanto, é muito claro ou linear. O que há de mais visível nas políticas de Trump é a sua natureza errática. “O fato de os EUA parecerem bem menos sistemáticos em sua política externa do que no passado cria um espaço para a China e a Rússia aproveitar a situação”, analisa Ja Ian Chong, especialista em relações internacionais da Universidade Nacional de Cingapura.

De Moscou, Xi partiu para Berlim, onde ouviu da chanceler Angela Merkel pedidos para abrir o mercado chinês para os produtos alemães, e também para melhorar a situação dos direitos humanos na China.

Os dois falaram em aprofundar a cooperação no combate ao terrorismo e também em projetos de desenvolvimento na África e no Afeganistão — onde a China executa grandes projetos de infra-estrutura. Eles assinaram um acordo para a construção conjunta de uma hidrelétrica em Angola.

Depois foram para o Zoológico de Berlim, visitar o casal de pandas Meng Meng e Jiao Qing, que chegaram da China no dia 24, para um empréstimo de 15 anos, com a esperança de que se reproduzam na Alemanha.

Os raros animais são muito valorizados na China, que os utiliza para se aproximar dos países nos quais têm interesses estratégicos, na chamada “diplomacia do panda”.

“Estou convencido de que esses dois podem se tornar embaixadores da nossa amizade”, declarou Xi. Merkel é a anfitriã da cúpula do G20, nesta sexta e sábado em Hamburgo, a primeira da qual Trump participará.

Os pandas gigantes não têm o poder de aparar todas as arestas da China com o Ocidente, seja nos direitos humanos, no comércio, nos Mares do Sul e do Leste da China ou na Península da Coreia. Mas a iniciativa está claramente com Xi. E isso não é pouco, numa briga de cachorro grande.

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