Apesar de que nos arquivos dos países sondados pelo governo chileno da época há provas destas propostas, nos do Chile não se encontrou nada (Ian Sewell/Wikipedia/Divulgação)
AFP
Publicado em 10 de agosto de 2018 às 18h35.
Nos anos 1930, o então governo do Chile quis vender a Ilha de Páscoa, situada no meio do Pacífico, a vários países, entre eles Estados Unidos, Japão, Reino Unido e a Alemanha de Adolf Hitler, segundo um historiador espanhol.
Após adquirir 36 aviões da Alemanha nazista e 29 da Itália fascista de Benito Mussolini, o governo chileno de Arturo Alessandri (1932-1938) e a Armada "ofereceram a venda de Rapa Nui (o nome com que os aborígenes chamam a Ilha de Páscoa) ao menos a Estados Unidos, Japão, Reino Unido e à Alemanha nazista" para poder construir dois cruzadores que completassem seu arsenal militar, revela Mario Amorós no livro "Rapa Nui, uma ferida no oceano" (em tradução livre), apresentado na quinta-feira em Santiago.
Em 1930, o adido naval dos Estados Unidos no Chile informou o Escritório de Inteligência Naval do Departamento de Marinha de seu país da proposta do governo chileno de vender a ilha - que Santiago anexou em 1888 -, supostamente por um milhão de dólares, embora em nenhum momento "se fale de quantidades", diz o autor.
Sete anos depois, as autoridades chilenas voltaram a oferecê-la aos Estados Unidos mas também ao Japão, Reino Unido e Alemanha. Sem resultados.
No entanto, "o governo britânico e o americano estimaram em 1937 e em 1938 que era conveniente que nem Japão, nem Alemanha, nem Itália dominassem a ilha", aponta o livro, que acrescenta que em 1939 o governo da Frente Popular chilena - que se seguiu ao de Alessandri - de novo "ofereceu à embaixada dos Estados Unidos a cessão de Rapa Nui em troca de que lhe proporcionasse meios navais para proteger as vias marítimas que uniam o Atlântico sul com o Pacífico sul".
Trataram-se de "conversas secretas" de cargos navais médios chilenos com os representantes destes países em Santiago, que "não prosperaram", diz o autor à AFP por telefone.
Habitada hoje por cerca de 8.000 pessoas, a Ilha de Páscoa está situada a 3.700 km do continente chileno, no meio do Pacífico. A cada ano é visitada por cerca de 100.000 turistas.
O autor acrescenta que embora as conversas com Estados Unidos, Japão e Reino Unido fossem conhecidas, "ninguém tinha sido capaz de apontar que houve negociações para vendê-la à Alemanha nazista", até que o professor húngaro Ferenc Fischer, especialista nas Forças Armadas chilenas, falou disso em 2011 em uma conferência.
Apesar de que nos arquivos dos países sondados pelo governo chileno da época há provas destas propostas, nos do Chile não se encontrou nada.
No entanto, Amorós indica que o mais importante de seu livro é que o povo rapa nui entre 1888 - o ano da incorporação ao Estado do Chile - e 1966 - quando por lei se reconhece os 'rapanui' como cidadãos chilenos e se regulamenta a administração da ilha -, "viveu em um regime desumano de confinamento, trabalhos forçados, torturas e castigos físicos".
As incursões escravistas, sobretudo peruanas (1862-63), as epidemias de varíola e tuberculose e a emigração para a Polinésia francesa dizimaram a população desta ilha, conhecida por seus moais (gigantescas esculturas talhadas em pedra vulcânica), até deixá-la em 1877 com apenas 111 habitantes de população autóctone, em comparação com os 4.000 de 15 anos antes.
Mas até 1966 a situação não seria muito melhor para a população autóctone. As vexações e o confinamento da população pela 'Companhia Exploradora' que por sete décadas alugou a ilha para criar ovelhas e o controle pela Armada a partir de 1917 oprimiram os autóctones.
As autoridades da ilha apresentaram uma denúncia ante a Corte Interamericana de Direitos Humanos para pedir a devolução de suas terras ancestrais, assim como o controle da ilha e a redefinição da relação com o Estado do Chile.
Na semana passada, o presidente Sebastián Piñera anunciou um projeto de lei para denominar este paradisíaco território como Rapa Nui-Ilha de Páscoa.
Desde 1º de agosto, além disso, os chilenos do continente e os estrangeiros só podem permanecer na ilha no máximo 30 dias para preservar sua sustentabilidade, ameaçada pela sobrepopulação e pelo lixo. Também se pede a devolução à ilha de um moai que está no Museu Britânico de Londres.