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Cem anos antes de Trump querer a Groenlândia, Brasil comprou o Acre

Presidente americano confirmou interesse na ilha que pertence à Dinamarca, reavivando uma estratégia política com cara de século 19

Groenlândia: Trump confirmou a intenção de comprar a ilha (Ritzau Scanpix/Linda Kastrup/Reuters)

Groenlândia: Trump confirmou a intenção de comprar a ilha (Ritzau Scanpix/Linda Kastrup/Reuters)

LA

Lucas Amorim

Publicado em 19 de agosto de 2019 às 11h43.

Última atualização em 19 de agosto de 2019 às 17h13.

O presidente americano, Donald Trump, é um ferrenho defensor de levar a lógica comercial para as relações políticas. A estratégia, explicada por ele em livro, se resume a pedir alto e falar grosso para levar o outro lado a ceder. Depois, com sorte, pode-se anunciar vitória seja qual for o meio-termo alcançado.

Com esta estratégia forjada em décadas atuando no ramo imobiliário ele levou os Estados Unidos a uma guerra comercial com a China, encontrou-se três vezes com o ditador norte-coreano Kim Jong Un e forçou um rompimento de um acordo nuclear com o Irã. Agora, veio à luz uma nova e inusitada frente de “negociação”. Segundo a imprensa americana, Trump quer comprar a Groenlândia, a maior ilha do mundo, que pertence à Dinamarca.

O jornal The Washington Post afirma que na Casa Branca já foi discutida a legalidade da hipotética compra, do processo para incorporar um território e também de onde sairia o dinheiro para a aquisição. A emissora CNN, por sua vez, disse que Trump pediu ao advogado da Casa Branca, Pat Cipollone, que estude a possibilidade.

Não está claro qual é o motivo pelo qual Trump estaria interessado na compra da Groenlândia, embora alguns especulem seus recursos naturais e outros a importância geoestratégica pela proximidade ao Ártico. A Groenlândia tem 75% de sua superfície coberta por gelo e os 2,1 milhões de quilômetros quadrados fazem dela a maior ilha do mundo, embora habitada por somente 56 mil pessoas, a maioria da etnia inuit.

Os Estados Unidos ocuparam em 1941 a Groenlândia para evitar uma possível invasão nazista da ilha depois que os alemães ocuparam a Dinamarca, situação que se prolongou até o fim da guerra em 1945. Em 1951, o país construiu uma base aérea na ilha. Harry Truman, que comandou o país de 1945 a 1953 chegou a oferecer 100 milhões de dólares à Dinamarca, mas não conseguiu fechar negócio. Agora, a Dinamarca foi mais uma vez categórica ao afirmar que a ilha não está à venda e que a proposta é “absurda”.

A tentativa de comprar a Dinamarca parece se encaixar à lógica agressiva de negociações de Trump. Pode se encaixar, por exemplo, dentro de sua estratégia de pressionar a Europa para investir mais em segurança na Otan, o tratado militar do Atlântico Norte.

“Parece um movimento mais simbólico do que real, como a construção do muro no México. Trump parece querer deixar um legado com grandes obras que não fazem mais sentido no mundo atual”, diz Gabriel Petrus, diretor-executivo da Câmara Internacional de Comércio no Brasil e colunista de EXAME. “Não é mais preciso garantir segurança comprando territórios; faz mais sentido uma política de cooperação”.

Trump visitará a Dinamarca em setembro, numa oportunidade de mostrar se passará das consultas de gabinete à ação. Em entrevista nesta domingo, Trump confirmou a intenção, afirmando que os EUA protegem a Dinamarca “assim como grandes partes do mundo” e que o projeto é de fato interessante, mas “não é a prioridade número 1”.

Com jeitão de passado

A estratégia combina mais com o século 19 do que com 2019. Os Estados Unidos foram construídos quase como uma empresa moderna, com fusões e aquisições.

Entre os grandes negócios estão a compra da Louisiana da França, em 1803, por 15 milhões de dólares; parte da Flórida foi comprada da Espanha em 1819; o Texas foi anexado do México em 1844 e outros estados, como Arizona e Califórnia, foram comprados por 15 milhões de dólares em 1848 como acordo para o final da Guerra Mexicano-Americana. Pode entrar no rol de grandes acordos comerciais do país a construção do Canal do Panamá, inicado pela França em 1880, mas assumido pelos americanos em 1904.

Aquisições entre países dificilmente são fechadas sem derramamento de sangue. Com o Brasil não é diferente. O país comprou, por exemplo, o Acre da Bolívia em 1903, pagando 2 milhões de libras esterlinas, áreas do Mato Grosso e o compromisso de construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré (inaugurada em 1912).

A compra do Acre foi mencionada pelo presidente boliviano, Evo Morales, durante debates recentes sobre petróleo e recursos naturais entre os dois países — Evo relembrou a lenda de que o Brasil teria pago com cavalos pelo território. Os dois países sentaram à mesa de negociação para encerrar um conflito entre seringueiros principalmente brasileiros e o governo da Bolívia.

Muito antes, em 1494, Portugal e Espanha sentaram-se para negociar a divisão dos territórias descobertos na América. Outros diversos tratados e disputas ao longo dos séculos foram adaptando o território das colônias à necessidade das metrópoles. “Antigamente, território era sinônimo de poder, porque permitia acesso a recursos naturais e fronteiras para comércio”, diz Petrus, da Câmara Internacional de Comércio.

Hoje, a relação de poder entre os países engloba uma quantidade maior de fatores e deveria dispensar a aquisição territorial. A menos que sua plataforma de governo seja voltar a tempos de glória e que sua mente seja moldada para comprar e vender imóveis, como no caso de Donald Trump.

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