Ministra espanhola da Defesa, Margarita Robles: após polêmica com espionagem de catalães, membros do governo Sánchez também admitiram que foram espionados (AFP/AFP)
Da redação, com agências
Publicado em 10 de maio de 2022 às 12h42.
A diretora do serviço secreto da Espanha, Paz Estebán, foi demitida na esteira do escândalo de espionagem dos telefones celulares do primeiro-ministro Pedro Sánchez e de vários integrantes do movimento separatista da Catalunha com o software israelense Pegasus.
A demissão foi informada pela ministra da Defesa, Margarita Robles, nesta terça-feira, 10.
"O governo acertou hoje a mudança na direção do CNI (Centro Nacional de Inteligência)", declarou a ministra da Defesa.
O governo anunciou que o smartphone do ministro do Interior, Fernando Grande Marlaska, também foi objeto de espionagem com o Pegasus, assim como os de Sánchez e da própria Robles.
O "caso Pegasus" começou após uma ONG revelar em abril que várias autoridades pelo mundo foram espionadas com o Pegasus. A princípio, descobriu-se que os espionados foram chefes do movimento separatista catalão.
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A complicação está no fato de que o grupo apoia o governo do premiê Pedro Sánchez, de centro-esquerda. Os catalães são centrais para a estabilidade do governo Sánchez, que desde 2019 governo com uma coalizão que tem ainda o Podemos, de esquerda, e separatistas bascos.
Os separatistas, desde a descoberta do caso, exigem "cabeças" no governo. Descobriu-se em uma comissão que a espionagem dos catalães ocorreu oficialmente no âmbito do serviço secreto, o que levou à demissão da diretora Paz Estebán hoje.
Semanas mais tarde, no entanto, o governo de Sánchez revelou que o próprio premiê foi, em outra situação, espionado, assim como membros de seu gabinete. São casos diferentes, e a suspeita é de que o premiê tenha sido espionado por algum agente externo.
Parte dos separatistas acusam o governo de só ter revelado a própria espionagem para acalmar o caso.
E a destituição de Esteban não aplacou a revolta dos separatistas catalães, enquanto rendeu críticas da oposição de direita.
"Não é suficiente", disse à imprensa a porta-voz do governo catalão, Patricia Plaja, que exigiu a renúncia de Robles nos últimos dias.
"Sánchez acaba com o grotesco e oferece a cabeça da diretora do CNI aos separatistas, enfraquecendo o Estado, mais uma vez, para buscar sua sobrevivência", tuitou Alberto Núñez Feijóo, líder do primeiro partido de oposição, o conservador Partido Popular (PP).
Sánchez consuma el esperpento y ofrece la cabeza de la directora del CNI a los independentistas, debilitando una vez más al Estado para buscar su supervivencia. Es una auténtica afrenta a nuestro país. Injustificable.
— Alberto Núñez Feijóo (@NunezFeijoo) May 10, 2022
Na última quinta-feira, 5, Esteban compareceu perante uma comissão parlamentar para dar explicações, mas não convenceu os parlamentares aliados do governo, a extrema-esquerda e os separatistas catalães e bascos.
Ainda não se sabe quem espionou o governo.
Já em relação aos separatistas catalães, como se soube após uma comissão parlamentar, o CNI admitiu ter vigiado 18 dirigentes com mandado judicial. Entre eles, está o presidente regional catalão, Pere Aragonés, quando era vice-presidente.
O escândalo explodiu antes disso, em 18 de abril, quando a organização canadense Citizen Lab identificou mais de 60 pessoas da órbita separatista catalã, cujos telefones celulares teriam sido infectados entre 2017 e 2020 com o Pegasus. O programa permite acessar dados, ou ativar câmeras e microfones de um telefone, remotamente.
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Tanto o Pegasus quanto a empresa israelense que o criou, NSO, foram criticados depois que o Citizen Lab revelou, no ano passado, que o software foi usado para espionar centenas de políticos, jornalistas, ativistas de direitos humanos e empresários.
Nomes como o presidente francês Emmanuel Macron estão na lista dos possíveis hackeados, mas o governo francês nunca confirmou o fato.
O assunto deu uma reviravolta quando o governo anunciou, na semana passada, que Pedro Sánchez e a ministra Margarita Robles também foram espionados, por meio do mesmo programa de computador, em maio e junho de 2021.
O governo assegura que a invasão dos telefones de Sánchez e dos ministros da Defesa e do Interior foi produto de um "ataque externo", sem dar mais informações a respeito.
Já a imprensa espanhola especula que o Marrocos, com quem Madri acabou de encerrar uma crise diplomática de quase um ano, pode estar por trás da ofensiva.
Pedro Sánchez é o primeiro chefe de governo que anunciou ter sido espionado pela Pegasus.
Formada em Filosofia e Letras e especialista em História Antiga e Medieval, Paz Esteban, de 64 anos, tornou-se a primeira mulher a liderar os serviços de Inteligência em 2020. Ela começou a trabalhar nesta agência há quase 40 anos.
Em seu discurso de posse há dois anos, prometeu “liderar o projeto de transformação digital” do CNI, para melhor adaptá-lo “à sociedade do conhecimento, em que vivemos, e ao que isso implica tecnologicamente”.
O CNI presta contas ao governo, ao Parlamento - a uma comissão de segredos oficiais - e ao Judiciário, ao qual deve solicitar permissão para grampear telefones.
Politicamente muito sensível, esse escândalo de espionagem tinha um potencial destrutivo para a coalizão de esquerda do governo Sánchez.
Os independentistas catalães da ERC chegaram a exigir a renúncia da ministra Robles para continuar apoiando Sánchez, cujo mandato vai até o fim de 2023.
Vários partidos também puseram em xeque o momento exato em que o governo revelou a espionagem sofrida. Questiona-se se, na verdade, o Executivo já sabia destes ataques e decidiu torná-los públicos apenas para acalmar os separatistas catalães, mostrando-se, assim, como mais uma vítima do Pegasus.
Os serviços secretos espanhóis, que sofreram grandes reorganizações após a chegada da democracia em 1978, protagonizaram vários escândalos nas últimas décadas.
Em 1995, escutas telefônicas ilegais acabaram custando o cargo de dois antecessores de Robles e Esteban, Julián García Vargas e Emilio Alonso Manglano, respectivamente, assim como do vice-presidente do governo socialista na época, Narcís Serra.
Mais recentemente, o ex-diretor do CNI Félix Sanz Roldán foi acusado por uma ex-amante do rei emérito Juan Carlos I de tê-la assediado para que não revelasse segredos, o que ele negou.
(Com informações da AFP)