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Da Redação
Publicado em 5 de julho de 2013 às 18h34.
A diplomacia da França com a América Latina, classificada como "prioritária" e de "enfoque continental" e com uma inclinação claramente econômica, vê-se seriamente abalada pela decisão de fechamento temporário do espaço aéreo francês ao avião do presidente boliviano, Evo Morales.
A decisão da França e de outros três países europeus provocou a ira de toda a região. O que Paris considerou um "contratempo" foi tachado na quinta-feira de "flagrante violação dos tratados internacionais" na declaração assinada em Cochabamba por seis presidentes sul-americanos.
O avião de Morales, que se dirigia de Moscou para La paz, foi obrigado a aterrissar na terça à noite em Viena, depois que vários países europeus lhe negaram a autorização de entrada em seu espaço aéreo. O motivo foi a suspeita de que o avião estaria levando o ex-analista da Agência de Segurança Nacional americana Edward Snowden. Morales retomou a viagem na quarta-feira.
"Humilhação", "agressão", "colonialismo" foram algumas das reações dos dirigentes latino-americanos, que consideraram o episódio uma "afronta" à região.
Ao expressar sua "indignação" na quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff disse que o problema vai além da esfera diplomática. Segundo ela, atinge "toda a América Latina" e "compromete o diálogo entre os dois continentes e as possíveis negociações entre eles".
Desde que François Hollande assumiu a Presidência, em maio de 2012, as relações com a América Latina se tornaram uma prioridade para a França. Hollande viajou para o Brasil logo que foi eleito e recebeu no Palácio presidencial do Eliseu vários chefes de Estado latino-americanos - do mexicano Enrique Peña Nieto ao venezuelano Nicolás Maduro, passando por Dilma Rousseff e pelo peruano Ollanta Humala.
Em março, Hollande se reuniu com Evo Morales, durante uma visita à França, que teve como eixo o reforço das trocas comerciais, incluindo o projeto de compra de aviões franceses por parte da Bolívia e investimentos de empresas francesas no país sul-americano.
O chanceler francês, Laurent Fabius, fez uma viagem pela região em fevereiro, durante a qual lembrou que a América Latina era uma "prioridade" para a França e que desejava ser um "sócio de primeira ordem" dos países da região. Em janeiro, na cúpula UE-América Latina de Santiago, o premier Jean-Marc Ayrault disse esperar "um novo impulso" para as relações entre os dois blocos.
Segundo fontes do governo francês, essa "prioridade" diplomática responde ao fato de que a França considera que a América Latina é, junto com a Ásia, o outro continente emergente, e que seus países estão convocados a ocupar um lugar crescente nos debates sobre os grandes temas globais. Além disso, é um importante mercado para as empresas francesas.
"Se o avião fosse chinês..."
"Esse caso (do avião de Morales) pode devolver o contador para o zero. Cria um problema de confiança, depois do contato muito bom que houve em março" entre Morales e Hollande, declarou à AFP o analista Jean-Jacques Kourliandsky, do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas de Paris.
"Hoje, o clima mudou", acrescentou.
"Se o avião fosse o do presidente chinês, teria passado", acredita o especialista, ressaltando que "os europeus analisaram mal o fato de que a Bolívia não é simplesmente a Bolívia".
Hoje, "há redes muito sólidas de apoio mútuo entre os países sul-americanos, e quando alguém toma medidas consideradas vexatórias para um deles, imediatamente se encontra diante não de um país, mas de um bloco, cada vez mais homogêneo", explicou.
Em um primeiro momento, a chancelaria francesa tentou minimizar o episódio. Depois, disse lamentar o "contratempo". Para Evo Morales, porém, "desculpas não bastam".
Nesta sexta, o porta-voz do Ministério francês das Relações Exteriores, Philippe Lalliot, declarou que "o mais caro desejo" da França é "que se saia muito rapidamente desse assunto lamentável" e que "já foram dadas explicações" a esse respeito aos bolivianos.
"A França tem um apreço bastante particular pelos países da América Latina. Temos interesses comuns que queremos alimentar, desenvolver", frisou.
No xadrez político francês, a oposição de direita, por intermédio do ex-secretário de Estado das Relações Europeias Pierre Lellouche, denunciou "a improvisação, o ridículo e o "amadorismo"" da Política Externa do governo.