Bolívia: No informe, embora não haja uma obrigação de negociar, há uma invocação para seguir com o diálogo, disse o presidente (Rodrigo Urzagasti/Reuters)
AFP
Publicado em 3 de outubro de 2018 às 11h30.
Última atualização em 3 de outubro de 2018 às 11h33.
A Corte Internacional de Justiça (CIJ) de Haia rejeitou, no início desta semana, que o Chile tenha a obrigação de negociar um acesso soberano ao Oceano Pacífico para a Bolívia.
A ação foi apresentada por La Paz há cinco anos e se tornou uma prioridade nacional para o presidente Evo Morales.
"Por 12 votos contra 3, a República do Chile não está obrigada juridicamente a negociar um acesso soberano ao oceano Pacífico para o Estado plurinacional da Bolívia", afirma a sentença lida pelo presidente do tribunal, Abdulqawi Ahmed Yusuf.
"A Bolívia nunca vai renunciar", disse Morales, em uma breve declaração sem falar responder às perguntas dos jornalistas, ao deixar o Palácio da Paz de Haia, acompanhado da delegação boliviana.
O presidente destacou o apelo dos magistrados a que se siga com o diálogo entre Santiago e La Paz. "No informe, embora não haja uma obrigação de negociar, há uma invocação para seguir com o diálogo", defendeu.
Depois de desmontar um a um os argumentos apresentados pela Bolívia sobre uma eventual obrigação jurídica do Chile, os juízes pedem a ambas as partes que "continuem seu diálogo" em um "espírito de boa vizinhança" para abordar o "enclausuramento da Bolívia".
Com isso, o Tribunal de Haia põe fim a cinco anos de incertezas. A demanda de La Paz datava de abril de 2013, mas suas bases remontam ao Tratado de 1904, que selou a perda de 120.000 km2 de território, entre eles os 400 quilômetros de costa, pela Bolívia, na Guerra do Pacífico (1879-1883) contra o Chile.
Apesar da derrota militar, que supôs o enclausuramento da Bolívia - único país da América junto com o Paraguai a não ter costa -, La Paz defendia que o Chile havia-se comprometido, ao longo do último século, a negociar um acesso marítimo soberano.
Os juízes desse tribunal da ONU não entenderam assim, motivo pelo qual também rejeitaram, como pedia La Paz, que o Chile "esteja obrigado a cumprir essa obrigação [de negociar] de boa-fé, de maneira imediata e formal, em um prazo razoável e de maneira efetiva".
A sentença significou um duro golpe para Evo Morales, que aspira a se candidatar a um quarto mandato e que, algo incomum entre os chefes de Estado, esteve presente no Palácio da Justiça de Haia durante a leitura da sentença. O mesmo aconteceu nas alegações orais em março, as quais ele também acompanhou.
Antes do anúncio da sentença, o presidente declarou que a decisão abriria caminho para que "a Bolívia retorne ao oceano Pacífico com soberania" e que, "a partir de segunda-feira (hoje)", começaria uma "nova era" das "relações fraternais" com o Chile.
O tema é bastante sensível em ambos os países, que têm relações apenas em nível consular desde 1978, após uma fracassada tentativa de aproximação. No domingo, em uma declaração conjunta das conferências episcopais de Chile e Bolívia, a Igreja Católica pediu que se acatasse a sentença com "paz e sensatez, espírito construtivo e fraterno".
O Chile sempre rejeitou a demanda por considerar que deve imperar o Direito Internacional que regula os tratados, como o de 1904, que reconhece à Bolívia o livre uso de portos chilenos.
De Santiago, o presidente chileno, Sebastián Piñera, celebrou a sentença.
"A Corte fez justiça e pôs as coisas em seu lugar, estabelecendo, de forma clara e categórica, que o Chile nunca teve qualquer obrigação de negociar uma saída para o mar", afirmou Piñera, no Palácio presidencial de La Moneda.
Em discurso transmitido em rede nacional na noite desta segunda, Piñera afirmou que o "Chile está disposto, como sempre esteve, a reiniciar imediatamente um diálogo construtivo".
No entanto, se La Paz insistir em não reconhecer os tratados e "continuar confundindo aspirações com direitos, boa vontade com obrigações, prolongando suas pretensões infundadas sobre território, mar ou soberania chilena, esse diálogo se tornará impossível", alertou Piñera.
Chilenos e bolivianos ainda se enfrentam em um segundo processo em trâmite na CIJ, pelo uso das águas do Silala. Para o Chile, que apresentou a ação em 2016, é um rio internacional, enquanto a Bolívia o considera um manancial que lhe pertence.