JIN LIQUN: fã do escritor William Faulkner, banqueiro chinês quer investir em infraestrutura por toda a Ásia / Giulia Marchi/ The New York Times
Da Redação
Publicado em 30 de janeiro de 2017 às 11h48.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h09.
Jane Perlez © 2017 New York Times News Service
Pequim – Quando a China começou a se abrir, 40 anos atrás, Jin Liqun era um jovem acadêmico ambicioso, fascinado pela literatura americana do século 20 e outras obras ocidentais. Na frágil era após a morte de Mao, a liberdade de se dedicar a essas obras foi uma experiência inebriante.
Os romances de William Faulkner em particular conquistaram o rapaz, hoje presidente do Banco de Investimento em Infraestrutura Asiática da China, uma grande força na corrida do país para assegurar um papel de liderança na arquitetura financeira mundial. Uma cópia de “Absalão, Absalão!” está na estante de seu escritório, junto com Shakespeare e a Bíblia. Ele disse que se inspirou nas relações humanas complexas de Faulkner.
“Recorro à literatura norte-americana para ter uma noção de adaptação da humanidade à natureza – conquista não é o termo certo. Não dá para dominar a natureza; você precisa entrar em um acordo com ela, tem que conviver com ela e com as outras espécies neste mundo.”
O governo Obama se recusou a fazer parte da instituição quando ela começou a operar, no final de 2015, com um número surpreendente de membros, incluindo potências europeias e os principais países da Ásia, com exceção do Japão.
No entanto, Jin parece preparado para se mover pelo terreno traiçoeiro entre Pequim e Washington. Segundo ele, seu objetivo é orientar o banco para a construção de infraestrutura na Ásia toda, de maneira ecologicamente correta e livre de corrupção.
Jin, de 67 anos, cabelo grisalho e um pouco despenteado, estava à vontade em uma entrevista recente na sede temporária do banco no distrito financeiro de Pequim.
No escritório escassamente mobiliado, os convidados se sentam à cabeceira de uma longa mesa, com o anfitrião a seu lado. Isso faz as reuniões se parecerem mais com negócios entre parceiros em vez de uma hierarquia com a China no topo, como temem alguns membros do banco.
O fato de Jin ter editado uma antologia de dois volumes de poesia inglesa – que principia com Chaucer e termina em Seamus Heaney – não fere as relações com estrangeiros, especialmente os europeus. Diz que seus favoritos são T.S. Eliot, Ted Hughes e Dylan Thomas. E então, acrescenta mais um: “Ezra Pound é ótimo, embora seja um pouco controverso”.
Na reunião do Grupo dos 20 em Hangzhou, no ano passado, o Presidente da China, Xi Jinping, deixou claro que ninguém deve esquecer que o banco é liderado pela China, e elogiou Jin. Isso é algo raro, o elogio público de um líder chinês feito a um de seus soldados rasos, sinal de que tem apoio total do governo.
Delicadamente, Jin escolheu outra interpretação. “Acho que ele estava me dando um aviso: ‘Você tem que fazer seu trabalho bem porque todos os olhos estão sobre esse banco’.”
Jin tentou convencer os céticos em Washington de que o banco não é uma hegemonia chinesa, pelo menos não por enquanto. E atenuou atitudes contrárias ao concordar com a cooperação com o sistema Bretton Woods – o Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento –, dominado pelos EUA.
Mesmo assim, parece estar ciente de que o banco liderado pela China provavelmente vai prosperar sob a administração de Trump, que tem dado sinais de interesse no Banco Mundial ou no Fundo Monetário Internacional.
Ele mencionou um artigo que escreveu antes de Donald Trump ser eleito. “Os EUA se arriscam a perder sua relevância internacional ao se concentrar em seu atoleiro político doméstico.” E acrescentou: “A história nunca teve um império capaz de governar o mundo para sempre”.
Jin não tem a linhagem familiar que ajuda a chegar ao topo na China; não é um “príncipe”, posição que confere privilégio aos chineses descendentes de líderes revolucionários da época de Mao.
Mas gosta de frisar que nasceu em um momento propício para o Partido Comunista. Os nacionalistas sob Chiang Kai-shek haviam fugido da China e os comunistas estavam no controle quando ele nasceu, em Changsu, cidade portuária na província de Jiangsu, em agosto de 1949.
“Nasci sob a bandeira vermelha”, disse ele, com um grande sorriso.
Seu pai era contador, a mãe, trabalhadora do setor têxtil, e seu avô, que morava com a família, havia se aposentado por causa de um acidente de trabalho. Ele era o filho mais velho de cinco, e precisava cuidar da casa enquanto ainda estava na escola primária.
“Tentei ser o líder dos meus irmãos. Nunca bati neles. Aprendi a cozinhar quando tinha 9 anos”, contou.
Ele estava no ensino médio quando o caos da Revolução Cultural começou, em 1966 e, como todos os alunos na época, foi forçado a ingressar na Guarda Vermelha. Após um breve período, mudou-se para o interior, onde morou dez anos. O fato o marcou profundamente.
Trabalhava com os camponeses durante o dia; à noite, estudava em uma escrivaninha improvisada feita com um quadro-negro velho e quatro varas de bambu. Desenvolveu um currículo exigente para si mesmo e se dedicou a dominar o inglês escrito e falado através da rádio BBC.
No final da Revolução Cultural, em 1978, matriculou-se no programa de pós-graduação em Literatura Inglesa na Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim.
Lá, tornou-se um protegido do professor Wang Zuoliang, que ensinava autores de língua inglesa. Quando Wang retornou do Festival de Adelaide, na Austrália, em 1980, encorajou Jin a traduzir “A Árvore do Homem”, romance sobre a batalha do homem contra a natureza, de Patrick White, australiano ganhador do prêmio Nobel.
A China acabara de se juntar ao Banco Mundial. Por ser fluente em inglês, o ministério das Finanças o tirou da academia e o trouxe para trabalhar no escritório do diretor-executivo da China no Banco Mundial em Washington. Ele havia traduzido cinco capítulos do livro de White, mas largou tudo para servir seu país.
A época passada em Washington o levou a uma carreira nos altos escalões da engrenagem financeira da China: foi vice-ministro das Finanças e, mais tarde, presidente do conselho de supervisão da China Investment Corp.
Enquanto isso, manteve seu interesse pelas coisas ocidentais. Em 1998, sua filha, Keyu, pediu para sair de casa, aos 14 anos, para viver com uma família americana em Nova York e frequentar a escola lá, uma ideia revolucionária para uma família chinesa na época. Para a garota, a experiência internacional do pai o preparou para mandar a filha única para longe.
“Ele conseguiu me deixar ir. Deu o exemplo, sempre lendo, escrevendo e ouvindo música clássica depois do trabalho. Nunca vimos televisão”, disse Keyu Jin, 33 anos, hoje professora assistente de Economia na London School of Economics e figura popular na mídia social chinesa.
Por baixo de sua sutileza diplomática, Jin é fortemente patriótico. Sob as regras do banco, ele não necessariamente será sucedido por um chinês.
Mas suas expectativas são claras.
“Espero que um chinês seja meu sucessor, e espero que tenhamos alguém competente para me substituir no futuro”, disse antes de ir para uma reunião com uma delegação grande demais para caber em torno da mesa de seu escritório.