Mundo

"Bachelet merece todo nosso respeito", diz chanceler chileno

Mesmo estando em um campo ideológico oposto ao dele, Teodoro Ribera lembrou que, no Chile, há uma grande unidade sobre a questão dos direitos humanos

Michelle Bachelet: presidente Jair Bolsonaro atacou ex-presidente chilena envolvendo um tema delicado: a ditadura de Pinochet (Jorge Silva/Reuters)

Michelle Bachelet: presidente Jair Bolsonaro atacou ex-presidente chilena envolvendo um tema delicado: a ditadura de Pinochet (Jorge Silva/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 8 de setembro de 2019 às 16h08.

Há dois meses no cargo, o chanceler do Chile, Teodoro Ribera, chegou ao Brasil na quarta-feira passada com a missão de ampliar a relação bilateral entre os países e atrair mais investimentos brasileiros em seu país. Logo que o avião pousou, teve um batismo de fogo: responder aos ataques do presidente Jair Bolsonaro à ex-presidente Michelle Bachelet envolvendo um tema sensível em seu país, a ditadura militar de Augusto Pinochet.

Ao jornal O Estado de São Paulo, o chanceler disse que Bachelet merece respeito mesmo estando em um campo ideológico oposto ao dele, e lembrou que, no Chile, há uma grande unidade sobre a questão dos direitos humanos.

A seguir os principais trechos da entrevista:

No dia da sua chegada ao Brasil o presidente Bolsonaro deu declarações sobre a ex-presidente Bachelet e seu pai, vítima da ditadura Pinochet. Como isso foi recebido no Chile? Como fica a situação daqui para frente?

A visita foi marcada com muito antecedência. A habilidade da diplomacia é dialogar nos momentos de maior tensão. O que fizemos foi na escala em São Paulo dar uma declaração acertada com o presidente da República e traçar uma linha diferenciada. No Chile, temos um absoluto respeito pelo que aconteceu no passado. Temos talvez avaliações distintas de por que isso aconteceu e do que aconteceu, mas temos absolutamente uma grande unidade sobre os direitos humanos, as violações e no respeito às vítimas e seus parentes. E entendemos que Michelle Bachelet tem dois papéis.

Como ex-presidente, ela tem algumas prerrogativas na Constituição chilena, tem foro especial e é parte do nosso protocolo. Por isso, merece todo nosso respeito, mesmo que não concordemos com suas políticas. Outro papel é como alta-comissária da ONU. Ela é uma funcionária de alto nível das Nações Unidas e está submetida ao escrutínio de 190 Estados, suas conclusões podem ser discutidas e é parte do jogo democrático.

Brasil e Chile têm tratamentos distintos quanto ao tema dos direitos humanos, principalmente relativos às ditaduras dos anos 1970 e 1980?

Cada país tem vivências próprias. Cada país processa de forma distinta e isso é parte da política interna de cada país. Talvez quando eu deixar de ser chanceler e voltar a ser professor (é docente da Universidad de Chile) possa te dar uma resposta diferente.

O presidente Bolsonaro esteve no Chile como seu primeiro destino após a eleição. Após nove meses de governo, o que mudou na relação bilateral e quais são os pontos positivos e negativos?

A relação entre Chile e Brasil não é entre governos ou de pessoas, mas de Estados. É uma relação larga e profunda. O investimento chileno no Brasil é de US$ 35 bilhões. O brasileiro no Chile é de US$ 4,5 bilhões e esperamos que cresça.

Nós vemos a relação com o Brasil com uma perspectiva de médio e longo prazos. Gostaríamos de criar com a chancelaria brasileira um grupo de avanços estratégicos que pense a relação até 2040. As visitas presidenciais são interessantes porque mobilizam as agendas da chancelaria. E nós gostaríamos de aproveitar a presidência pró-tempore do Brasil no Mercosul e a do Chile na Aliança do Pacífico para acelerar nesse campo temas de relevância.

O Mercosul e o Brasil fecharam um acordo com a União Europeia. O senhor mencionou a Aliança do Pacífico. Como o Chile pode aproximar esses três blocos?

O Chile pode servir como um país que viveu essa experiência. Se alguém precisa de um prognóstico da relação com os Estados Europeus tem de olhar o Chile, seu comércio e como conseguiu elevar o padrão de vida de seus habitantes. Hoje temos um PIB per capita de US$ 24 mil, mais alto do que em outros países.

Olhar para o Chile é olhar um país que há muito tempo optou pela abertura comercial. Uma abertura que o Brasil tomou como um de seus desafios e está levando consigo para outros países. O exemplo chileno tem de ser olhado com os pontos positivos e negativos. A virtude é compartilhar experiências.

O presidente Piñera esteve recentemente na cúpula do G-7, na França, e atuou como intermediário entre os líderes ocidentais e a América do Sul e o Brasil no tema meio ambiente. De que forma o Chile pode ajudar o Brasil neste tema?

Primeiro, nós acreditamos que é possível conciliar a defesa do meio ambiente com a soberania. Isso é absolutamente conciliável. A soberania acarreta o exercício das responsabilidades no cuidado ao meio ambiente. Quem cuida melhor do meio ambiente que seus próprios donos? Portanto, temos de conscientizar a opinião pública e internamente de que a preservação do meio ambiente é uma parte essencial do exercício da soberania.

Diante disso, o que o presidente Piñera tem feito é buscar conciliar posições. Fez isso no G-7, com países que fazem parte da Amazônia e viam de uma certa maneira um questionamento a sua soberania. O mundo não nasceu com uma floresta só. Nasceu com várias Amazônias em diversos continentes. E, sendo esse um desafio universal, não pode acontecer de alguns países adotarem uma posição e outros países adotarem outras. Isso é um desafio universal. Todos os países devem fazer um esforço e não apontar o dedo a outros.

Em relação à Venezuela, o que se pode fazer para sair do impasse atual?

Temos trocado pontos de vista sobre a crise. A situação é um atentado aos direitos humanos e uma ruptura democrática. E é um tema que é um problema hemisférico. No Chile, temos 400 mil venezuelanos para 20 milhões de habitantes. Imagine o Brasil com 4 milhões de pessoas em um ano.

A solução da crise tem de ser pacífica, democrática e com o retorno de parte dos refugiados. A continuação do problema pode provocar um fluxo ainda maior de refugiados. Seria uma cifra quase possível de absorver. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Acompanhe tudo sobre:Governo BolsonaroJair BolsonaroMichelle Bachelet

Mais de Mundo

Trump nomeia Robert Kennedy Jr. para liderar Departamento de Saúde

Cristina Kirchner perde aposentadoria vitalícia após condenação por corrupção

Justiça de Nova York multa a casa de leilões Sotheby's em R$ 36 milhões por fraude fiscal

Xi Jinping inaugura megaporto de US$ 1,3 bilhão no Peru