Mundo

Avanço das mulheres na política está associado a melhores condições de emprego feminino

Hoje, 92 economias não têm leis que exijam igualdade salarial, e metade da população global ainda vê homens como líderes mais promissores, segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento (PNUD)

 (Envato/Reprodução)

(Envato/Reprodução)

Agência o Globo
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 8 de março de 2025 às 09h35.

A desigualdade entre homens e mulheres impacta diretamente a economia, reduz a produtividade e freia o crescimento mundial. Em entrevista ao GLOBO, Natália Mazoni, advogada especialista em gênero e desenvolvimento do Banco Mundial, diz que essa assimetria, ainda presente em todos os países do mundo, cria barreiras ao acesso feminino a oportunidades na economia formal, desde a entrada e permanência no mercado de trabalho até o acesso a empréstimos, o que limita a capacidade das mulheres de sustentar suas famílias e impulsionar o desenvolvimento de suas comunidades.

Atualmente, 77 países impõem restrições legais ao trabalho feminino, proibindo mulheres de atuar em turnos noturnos ou em setores considerados perigosos — o que, além de ser uma medida excludente, aumenta o desemprego e gera ineficiências produtivas, diz a especialista. Hoje, 92 economias não têm leis que exijam igualdade salarial, e metade da população global ainda vê homens como líderes mais promissores, segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento (PNUD).

Para uma economia menos desigual, a advogada ressalta ser fundamental a presença feminina na política, justamente pela implementação de programas inclusivos: "Países que implementaram políticas de licenças parentais mais amplas e igualitárias tiveram impactos positivos na divisão do trabalho doméstico e nos cuidados infantis, permitindo que mais mulheres se capacitassem para entrar e permanecer no mercado de trabalho formal".

Leia entrevista completa.

Como a desigualdade de gênero afeta o crescimento econômico?

A desigualdade entre homens e mulheres impacta diretamente o acesso das mulheres a oportunidades econômicas. E quando falamos em oportunidades econômicas, nos referimos à entrada e permanência no mercado de trabalho, ao acesso a linhas de crédito, à possibilidade de abrir e gerir negócios lucrativos, e à contribuição ativa para o sustento de suas famílias e o desenvolvimento de suas comunidades.

Estudos indicam que, se as mulheres participassem da economia tão ativamente quanto os homens, o PIB mundial poderia aumentar em mais de 20%. Considerando apenas os países de alta renda da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, a maior participação de mulheres na força de trabalho e em cargos de gestão poderia adicionar mais de US$ 7 trilhões à economia global.

Quais os principais padrões de desigualdade de gênero e direitos econômicos nos países analisados pelo Banco Mundial?

O mais recente relatório Mulheres, Empresas e o Direito (WBL) do Banco Mundial, de março de 2024, ampliou seus indicadores originais (Mobilidade, Local de Trabalho, Remuneração, Casamento, Parentalidade, Empreendedorismo, Ativos e Pensão) para incluir Segurança e Cuidado Infantil.

A pesquisa revela que as mulheres têm apenas dois terços dos direitos legais dos homens. Nenhuma das 190 economias analisadas alcança a pontuação máxima no índice WBL, e a implementação das leis ainda é um desafio, exigindo políticas, planos, programas, orçamento e dados desagregados por sexo para que sejam aplicadas.

A divisão sexual do trabalho — em que homens e mulheres são historicamente direcionados para funções e setores diferentes — ainda é predominante em muitas economias. Quais são os impactos desse modelo na desigualdade de renda e no acesso das mulheres a empregos bem remunerados?

Segundo o relatório Mulheres, Empresas e o Direito, 77 economias impõem restrições ao emprego feminino, limitando trabalhos em turnos noturnos, em ocupações consideradas perigosas ou em setores específicos da economia e da indústria. Essa divisão gera ineficiências, reduz a flexibilidade econômica e aumenta o desemprego.

As restrições reduzem as opções de emprego para mulheres, especialmente em economias onde setores industriais são cruciais, como em Papua-Nova Guiné, onde as mulheres são impedidas de trabalhar nos lucrativos setores de mineração e energia, que representam 25% do PIB do país.

O trabalho doméstico não remunerado gera riqueza?

Em média, as mulheres dedicam 2,4 horas a mais por dia do que os homens em atividades de cuidado não remunerado, muitas vezes relacionadas ao cuidado de crianças. No entanto, em 56 economias ao redor do mundo, não há reconhecimento legal das contribuições não monetárias das mulheres para suas famílias. Essas contribuições incluem também a manutenção do lar e outras atividades não remuneradas que promovem o bem-estar familiar.

Quais são as regiões que mais avançaram nos últimos anos e quais as mais atrasadas?

Em 2023, observamos que países em todas as regiões do mundo, exceto no Sul da Ásia, avançaram na redução das lacunas legais para promover o acesso a oportunidades e melhorar a inserção das mulheres no mercado de trabalho, especialmente nas áreas de remuneração, direitos parentais e proteções no ambiente de trabalho. Os maiores números de reformas foram registrados na África Subsaariana, Oriente Médio e Norte da África, além da Europa e Ásia Central.

Exemplos recentes incluem países como Azerbaijão, Jordânia, Malásia, Omã, Serra Leoa e Uzbequistão, que implementaram igualdade salarial ou removeram restrições para que mulheres trabalhem em empregos industriais ou perigosos. Chipre, Malásia, Omã, Ruanda, Serra Leoa, República Eslovaca e Togo ampliaram licenças de maternidade e paternidade ou proibiram a demissão de mulheres grávidas. Armênia, Guiné Equatorial, Jordânia, Moldávia e Suriname proibiram o assédio sexual no trabalho.

Ainda assim, as regiões do Oriente Médio e Norte da África, Sul da Ásia e África Subsaariana apresentam as menores pontuações no índice, indicando que há muito a ser feito.

Esse avanço acompanha a entrada de mulheres na política?

O avanço das mulheres em posições políticas está diretamente associado à melhoria das condições de emprego feminino. Um estudo recente indica que países com maior número de mulheres em cargos políticos tendem a aprovar mais leis que promovem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, o que resulta em empregos de melhor qualidade para as mulheres.

Quais os principais desafios existentes hoje para promover a inclusão econômica das mulheres?

Observamos que os maiores desafios estão relacionados à segurança das mulheres: globalmente, elas têm apenas um terço das proteções legais necessárias contra violência doméstica, assédio sexual, casamento infantil e feminicídio. Isso impacta diretamente sua capacidade de contribuir para a sociedade e a economia de maneira livre e segura. Outra área crítica é o cuidado infantil. A ampliação do acesso a serviços de cuidado infantil pode aumentar a participação feminina na força de trabalho em cerca de 1 ponto percentual.

Há uma relação entre o avanço dos direitos reprodutivos e a maior inclusão das mulheres no mercado de trabalho? Em países onde houve mais progresso nesse campo, como acesso a contraceptivos e licenças parentais equilibradas, os indicadores de participação econômica feminina melhoraram?

Países que implementaram políticas de licenças parentais mais amplas e igualitárias tiveram impactos positivos na divisão do trabalho doméstico e nos cuidados infantis, permitindo que mais mulheres se capacitassem para entrar e permanecer no mercado de trabalho formal.

Políticas que garantem licenças remuneradas para pais e cuidadores são essenciais para aumentar a participação feminina no trabalho, porque facilitam o retorno das mulheres ao emprego e promovem uma divisão mais equitativa das responsabilidades domésticas. Estudos mostram uma relação positiva entre as licenças maternidade e paternidade e a melhoria das oportunidades de trabalho para as mulheres, contribuindo também para o bem-estar financeiro familiar a longo prazo.

Acompanhe tudo sobre:Dia Internacional da MulherMercado de trabalho

Mais de Mundo

Os países que mais cresceram em 2024 — e a posição do Brasil

Roma lança assistente virtual com IA para turistas e moradores

Quem faz parte da geração Z?

Trump exige abertura de negociação com o Irã sobre programa nuclear e ameaça usar 'força militar'