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As “Belas e as Feras” da vida real

Na Europa dos séculos passados, milhões e milhões de mulheres passaram pela experiência da heroína do filme

"A Bela e a Fera": protagonista Bela teve o mesmo destino de milhões de mulheres dos séculos passados (Disney/Divulgação)

"A Bela e a Fera": protagonista Bela teve o mesmo destino de milhões de mulheres dos séculos passados (Disney/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 19 de março de 2017 às 06h00.

Última atualização em 20 de março de 2017 às 09h18.

Esse texto foi adaptado do livro “O Lado Sombrio dos Contos de Fadas“, da editora da SUPER, Karin Hueck.

Estreou na quinta-feira a aguardada versão cinematográfica de A Bela e a Fera, com Emma Watson no papel da heroína, e baseado no longa de animação de 1991.

O enredo, claro, não é criação da Disney. Foi escrito por uma autora francesa do século 18, Jeanne-Marie LePrince de Beaumont, e adaptado para o cinema depois.

O que pouca gente sabe é que a história da mocinha que acaba presa no castelo de uma fera aterrorizante não é apenas uma criação da ficção.

A protagonista Bela teve o mesmo destino de milhões de mulheres dos séculos passados. A narrativa foi inspirada por elementos da vida real e – muito mais comuns do que se imagina.

Pouca gente percebe, mas A Bela e a Fera é uma história sobre o medo dos casamentos forçados. Ser obrigado a passar o resto da vida com uma fera monstruosa era um risco real.

Assim como a Bela, muitas donzelas eram obrigadas a se casar e morar com seres terríveis e assustadores: maridos arranjados e completamente desconhecidos.

Ao contrário do que proclamam as comédias românticas de finais felizes e as revistas de noivas com dicas de decoração, durante muito tempo, o casamento não foi apenas um momento de alegria.

Por séculos, esse rito de passagem era cercado de mistérios, ilusões, obrigações e até mesmo perigos – especialmente para mulheres.

Os casamentos do passado em nada se pareciam com os relacionamentos de hoje em dia, baseados no amor e no companheirismo, e iniciados com a livre escolha dos noivos.

Uma união criada a partir da compatibilidade dos parceiros – e que ainda fosse consensual – é um conceito moderno.

Estima-se que foi apenas no século 18 que o amor tenha subido ao altar. Antes disso, casava-se por conveniência, pressão social, imposição dos pais, busca de prestígio e estratégias políticas. 

Famílias faziam de tudo para se aliar com outras mais ricas e poderosas, alcovitando seus filhos sem o menor pudor.

Mulheres nobres eram cedidas a partir dos 12 anos de idade em troca de alianças políticas entre reinos vizinhos, por exemplo. Nem as mais bem-nascidas das noivas escapavam do terror de se casar com homens monstruosos.

Peguemos o exemplos da 4a. esposa do rei inglês Henrique VIII, aquele que rompeu com a Igreja Católica para se casar com sua amante Ana Bolena.

Sua 4a. mulher foi Ana de Cleves, uma nobre de Düsseldorf, na Alemanha. Os dois pombinhos jamais se encontraram antes do enlace – e o resultado foi desastroso.

Henrique odiou a nova esposa – achou-a muito feia – e não conseguiu ficar “inspirado: o suficiente para consumar o matrimônio na noite de núpcias.

“Ela não é nada bonita e cheira mal. E nem parecia uma dama, com aqueles seios caídos. Deixei-a tão virgem quanto a encontrei”, disse o nada delicado rei no dia seguinte.

O casamento durou seis meses e terminou com a pobre da Ana voltando para casa. Só podemos imaginar como ela se sentiu.

Henrique VIII, uma Fera da vida real

Henrique VIII, uma Fera da vida real (Foto/Wikimedia Commons)

Mas as mulheres mais pobres também não escapavam dos casamentos forçados e infelizes. Nas camadas populares, as mulheres eram trocadas como mercadoria, já que costumavam vir acompanhadas do dote – um montante de dinheiro que a família da noiva era obrigada a pagar à do noivo.

Da Idade Média ao século 18, a transferência do dote muitas vezes correspondia ao maior afluxo de dinheiro que um homem recebia em toda sua vida. Isso tornava as mulheres reféns dos interesses alheios.

Para piorar, uma vez que se casavam com seus noivos arranjados, elas se tornavam posse dos maridos. A missão das esposas era servir e obedecer aos cônjuges.

Em algumas regiões da Europa, as mulheres perdiam os direitos de possuir terras ou de fazer dívidas ao se casar. Aos homens eram atribuídos os direitos de manter a mulher sobre controle – mesmo que à força.

“Um cão, uma nogueira e uma mulher – quanto mais se bate, melhores eles ficam”, dizia um ditado inglês do século 16. Sim, bater nas esposas não era nem um pouco condenável.

As perspectivas realmente não eram as melhores. Sem a possibilidade do divórcio, há relatos de maridos que, cansados de suas esposas, simplesmente as abandonavam longe de casa.

Essas eram as sortudas. As menos afortunadas acabavam vendidas: o marido as levava para as praças centrais de seus vilarejos e as negociavam para quem estivesse interessado.

As mais azaradas acabavam mortas mesmo. Alguns séculos antes, nos séculos 8 e 9 d.C., era aceitável matar a esposa caso ela não se conformasse com as regras esperadas – o que incluía coisas como traição conjugal ou apenas contrariar o marido.

Em contrapartida, na Inglaterra e na França, se uma mulher ousasse matar seu marido, ela seria acusada de traição – e não de  assassinato comum –, pois se entendia que ela havia atentado contra a vida de seu lorde e mestre.

Nesse contexto, dá para entender que o medo de se casar com “feras” era real. A Bela e a Fera é um lembrete dessa realidade.

Na história, o monstro se apaixona pela mocinha, que se recusa a casar com ele, porque o acha repugnante. Ao final de tudo, quando a Fera se demonstra valorosa e bondosa, a protagonista se pergunta: “Por que me recusei a casar com ele? Eu seria mais feliz com o monstro do que as minhas irmãs são com seus maridos. Nem inteligência, nem beleza fazem uma mulher feliz, mas virtude, doçura de temperamento e complacência, e a Fera tem todas essas qualidades”.

Até que a Bela se deu bem na vida.

Para mais origens históricas e mitológicas dos contos de fada, clique aqui.

Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Superinteressante.

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