ABERTURA DO REINO: Um evento com o tema Hollywood levou música ao vivo para homens e mulheres, em Khobar (Tasneem Alsultan/The New York Times)
Da Redação
Publicado em 23 de março de 2018 às 16h10.
Última atualização em 23 de março de 2018 às 16h10.
Riad – As luzes diminuíram, o maestro surgiu e a casa quase cheia o aplaudiu quando parou diante da orquestra. Então, as luzes se acenderam e o elenco apareceu no palco em trajes árabes históricos.
“Meu amor, fale comigo em um poema”, entoou a cantora principal, estreando uma ópera sobre racismo, guerra e amor. O que impressionava não era a apresentação em si, mas o fato de acontecer em um palco público, na conservadora capital da Arábia Saudita. A recente produção de “Antar e Abla” era parte de um novo e amplo incentivo do governo saudita para criar, praticamente do zero, um setor de entretenimento vibrante para seus 29 milhões de habitantes.
A Arábia Saudita é conhecida como um dos lugares mais conservadores do mundo, onde a polícia religiosa barbada impõe códigos sociais rigorosos e as mulheres escondem o corpo, e muitas vezes o rosto, em público. Concertos e peças de teatro eram em geral banidos, e até mesmo a noção de diversão já foi vista como anti-islâmica.
Agora, o reino começa a se animar com festivais de quadrinhos, apresentações de dança, concertos e exibições de monster trucks; o guru de música new age Yanni se apresentou aqui em dezembro, assim como o rapper americano Nelly (para uma audiência exclusivamente masculina); o astro pop egípcio Tamer Hosny está com show programado, mas seus fãs serão proibidos de dançar ou de se balançar no ritmo da música; o Cirque du Soleil fará sua estreia saudita este ano (com roupas menos atrevidas do que costuma usar em outros lugares), e empresas internacionais estão assinando acordos para operar cinemas em todo o país.
Estas são algumas das mudanças que o príncipe Mohammed bin Salman pretende mostrar durante uma turnê visando cortejar investidores americanos. Mohammed, o impetuoso, de 32 anos e herdeiro do trono saudita, pretende reorientar a economia baseada exclusivamente no petróleo, ao mesmo tempo em que torna a vida mais agradável para os súditos. Autoridades dizem que o entretenimento vai ajudar em ambas as frentes.
A ideia é fazer com que a população que gasta bilhões de dólares anualmente em entretenimento no exterior resolva se divertir no reino mesmo, criando empregos tão necessários.
O incentivo também é útil politicamente. Desde que começou a aparecer para o público há três anos, Mohammed chegou ao topo da estrutura de poder saudita, desestabilizando os pilares tradicionais da sociedade.
Ele abalou o poder do establishment ao diminuir o poder da polícia religiosa de prender pessoas e ao silenciar os clérigos que se opunham às suas reformas sociais. Liderou também um expurgo recente de príncipes e homens de negócios proeminentes, eliminando rivais em potencial e causando revolta entre membros da família real.
Ao mesmo tempo, Mohammed cortejou a juventude como um novo público para apoiar seus programas: cerca de dois terços dos sauditas têm menos de 30 anos, e muitos aprovam as mudanças com entusiasmo.
“Adoro ele. É um jovem que pensa muito como nós”, disse Ibtihal Shogair, 25 anos, enquanto comia mini-hambúrgueres com um amigo em uma feira de comida bancada pelo setor de entretenimento do governo, no gramado de um luxuoso hotel de Riad.
Só o tempo dirá o quanto esse incentivo ao entretenimento ajudará a criar postos de trabalho, fortalecer uma economia que sofre com os baixos preços do petróleo e compensar os novos impostos que prejudicaram orçamentos familiares.
Como maior exportadora de petróleo do mundo, a Arábia Saudita é extremamente dependente dessa matéria-prima. É ela que financia os empregos públicos, onde trabalha a maioria dos sauditas. Acontece que a queda dos preços do petróleo, desde 2014, sugou o dinheiro dos cofres do Estado, ou seja, há menos empregos para oferecer a centenas de milhares de jovens entrando no mercado de trabalho todos os anos. Mohammed espera compensar o déficit com o reforço do setor privado em áreas como saúde, mineração e entretenimento.
“Com a abertura do espaço público, começa a haver mais oportunidades para que os jovens se reúnam e interajam, tanto homens quanto mulheres; mas é preciso garantir empregos também”, disse Kristin Diwan, do Instituto dos Estados do Golfo Árabe, em Washington.
Os sauditas conservadores, que veem importações culturais tais como jazz, cinema e balé como ameaças para o que consideram a identidade islâmica do país, permanecem basicamente quietos. Com isso, o governo continua a avançar, apostando que aqueles que procuram diversão superem em número os adversários.
As alterações têm sido uma benção para empresas que sofriam sob o antigo sistema.
Ameera Al-Taweel, presidente da Time Entertainment da Arábia Saudita, disse que costumava levar meses para obter licenças para eventos, além de ser preciso negociar com ministérios do governo e a polícia. Com isso, sobrava tempo apenas para alguns eventos por ano.
Agora, a autoridade do entretenimento garante concessões em apenas algumas semanas, e os eventos anuais da empresa duplicaram, disse ela. Há 28 deles previstos para 2018, incluindo o Cirque du Soleil, a Semana da Moda Saudita, um festival de jazz e a ópera “Antar e Abla.”
Alguns eventos geraram reações: um vídeo de meninos e meninas dançando juntos em uma convenção de quadrinhos, em 2016, acabou se tornando viral, mas o público vai se adaptando.
“Agora não é mais estranho quando você vai a um lugar e ouve música” disse Al-Taweel.