Mosul: "Acredito que agora não podem sair, mas se tiverem a oportunidade, meu conselho é: fuja, mesmo se for perigoso. Mas não é preciso que lhes diga nada, todo mundo quer escapar" (Zohra Bensemra/Reuters)
EFE
Publicado em 27 de fevereiro de 2017 às 11h18.
Erbil - Embora um morteiro tenha rasgado metade de sua perna quando tentava fugir de Mosul, o jovem Ali Denun não hesita em recomendar aos moradores que seguem presos no oeste da cidade iraquiana que fujam do grupo terrorista Estado Islâmico (EI) e dos combates.
"Acredito que agora não podem sair, mas se tiverem a oportunidade, meu conselho é: fuja, mesmo se for perigoso. Mas não é preciso que lhes diga nada, todo mundo quer escapar", afirmou o jovem de 19 anos à Agência Efe, deitado em um fino colchonete no solo da modesta casa onde vive com sua família nos arredores de Erbil, cidade a 90 quilômetros de Mosul.
O morteiro despedaçou vários músculos da perna direita, que esteve a ponto de ser amputada, e, embora tenha passado 12 vezes pela sala de cirurgia, ainda tem esperança de voltar andar.
Ali lamenta que o projétil tenha acabado com suas aspirações de jogar futebol e de se tornar professor de educação física.
"A primeira coisa que pensei foi no futebol, em meus sonhos", lembrou o jovem, que assegura que era um dos melhores estudantes de sua classe e também um dos que melhor jogava futebol.
Há dois anos e meio recebeu uma proposta de contrato de um clube profissional da cidade, mas essa perspectiva foi truncada quando os jihadistas conquistaram Mosul em julho de 2014.
"Foi terrível. Eu era um dos melhores na escola. Era um dos melhores jogadores de futebol e agora deveria estar na faculdade. Destruíram minha vida", lamentou.
Ali foi ferido no último dia 17 de novembro quando tentava fugir para áreas que acabavam de ser libertadas de Mosul, depois que os combates chegaram a seu bairro, Tahrir, e que uma bomba caiu sobre sua casa, destruindo a porta principal.
Cinco famílias, cerca de 40 pessoas no total, fugiram juntas deixando os combatentes do EI e foram ao encontro dos militares. Logo após passar pela revista do exército iraquiano, o projétil caiu sobre eles de repente, aos pés de Ali.
O jovem recordou de forma nítida que na primeira clínica que lhe atenderam não havia analgésicos e nem anestesia e um médico quis lhe amputar a perna.
"Disseram que havia produtos químicos no morteiro que faziam com que os músculos morressem. Vi alguns músculos ficarem totalmente pretos e caírem", disse, enquanto mostrava fotos de seus ferimentos na tela do telefone celular, nas quais é possível ver o perônio.
Outro médico lhe deu esperanças de salvar a perna que, segundo comentou, agora está muito melhor, embora sua família tenha gasto rios de dinheiro com médicos particulares.
Além disso, Ali ainda terá que passar por sala de cirurgia outras quatro ou cinco vezes antes de voltar a colocar o pé no chão.
O jovem espera que em breve possa retornar às aulas e recuperar os dois anos perdidos sob o domínio dos terroristas, tempo no qual as escolas normais fecharam e o EI abriu suas próprias, nas quais ensinavam aos alunos como atirar.
Aconselhado por seu irmão, que é professor, Ali deixou o colégio dos terroristas no primeiro dia e, durante estes dois anos, se dedicou a trabalhar em uma barbearia pelas manhãs e a jogar futebol com seus amigos durante as tardes.
"Sou muito ativo. Quando puder, quero terminar o ensino médio e ir à universidade, mesmo que não seja na área de esportes. Meus amigos dizem que, embora não jogue futebol, ainda posso ser treinador", acrescentou.
Casos como o de Ali foram muito frequentes na ofensiva de Mosul. O EI declarou "traidores" os civis que não seguiram os jihadistas e, em represália, lança morteiros e bombas de drones contra os bairros residenciais do leste da cidade, que deixam dezenas de feridos todos os dias.
A ONU advertiu que os cerca de 750 mil civis que vivem no oeste de Mosul estão sob risco extremo, já que ficam expostos aos bombardeios e fogem perante a possibilidade de serem executados pelos jihadistas.