Agência de notícias
Publicado em 20 de fevereiro de 2025 às 07h34.
O Egito iniciou uma campanha diplomática para reunir apoio a uma iniciativa liderada e financiada pelos árabes para reconstruir a Faixa de Gaza, amplamente destruída pela guerra, na esperança de conseguir bloquear a proposta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de “limpar” o enclave palestino. O primeiro avanço no plano egípcio pode ocorrer ainda na sexta-feira, quando a Arábia Saudita sediará uma reunião com representantes de cinco países da região para discutir a proposta.
Inicialmente, era esperada a participação de três países árabes na quinta-feira, mas uma fonte diplomática afirmou à AFP que a reunião foi expandida e adiada em um dia para incluir líderes dos seis países do Conselho de Cooperação do Golfo (Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Arábia Saudita, Omã, Catar e Kuwait), além do Egito e da Jordânia. O encontro, disse, abordará “o quadro geral da proposta” que será apresentada na cúpula árabe. Marcada originalmente para 27 de fevereiro, ela também foi adiada e deverá ocorrer em 4 de março.
Os esforços mostram como a proposta surpresa apresentada por Trump neste mês – quando ele afirmou que os Estados Unidos assumiriam o controle de Gaza, transformando o enclave em um destino internacional e deslocando permanentemente a população palestina – abalou as posições dos principais atores da região em relação à guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, publicou o Wall Street Journal.
Se antes as nações árabes esperavam usar seu poder financeiro para pressionar pela criação de um Estado palestino, agora elas enfrentam a necessidade de evitar um deslocamento em massa de palestinos, o que poderia desestabilizar os países que fossem forçados a recebê-los. Caso não consigam formular uma alternativa, o risco é especialmente alto para o Egito: Trump já sugeriu várias vezes enviar os habitantes de Gaza para lá, apesar da oposição do governo egípcio.
A ideia central do Egito, segundo pessoas familiarizadas com o assunto ouvidas pela agência Reuters, é manter os palestinos em Gaza e formar um comitê nacional palestino para governar o enclave, sem envolvimento do Hamas. A proposta também avalia a participação internacional na reconstrução do território, com uma contribuição de até US$ 20 bilhões da região – algo que, segundo o analista Abdulkhaleq Abdullah, pode ser visto por Trump como um bom motivo para aceitar o plano.
O Gabinete da Autoridade Palestina (ANP) confirmou na terça-feira que a primeira fase do plano em discussão custaria cerca de US$ 20 bilhões ao longo de três anos. À Reuters, porém, fontes egípcias afirmaram que as discussões sobre o tamanho da contribuição financeira ainda estão em andamento. Ainda assim, em visita a Israel nesta segunda-feira, o senador americano Richard Blumenthal disse estar convencido de que os árabes têm “uma visão realista do papel que devem desempenhar”.
Por outro lado, muitas questões permanecem em aberto: como remover o Hamas do poder ou impedir que o grupo atrapalhe o processo de reconstrução de Gaza? Quem integraria as forças de segurança? Elas seriam capazes de lidar com qualquer resistência remanescente? Haverá dinheiro suficiente para um projeto de reconstrução que levará anos? Quem o financiará? E o cessar-fogo se manterá nesse cenário?
Esta última questão é crucial para garantir o financiamento dos países do Golfo, que não querem ver seus investimentos desperdiçados com novos conflitos. Eles também buscam garantias de que nem o Hamas e nem a ANP poderão desviar recursos da reconstrução, segundo fontes próximas às negociações ouvidas pelo WSJ. Somado a isso, acrescentaram, o Egito ainda busca separar a questão da criação de um Estado palestino do esforço para reconstruir a Faixa de Gaza.
'Ninguém vai fazer um lugar bonito em cima de cadáveres ', diz Lula sobre Trump e GazaEmbora o governo egípcio continue afirmando que deve ser desenvolvido um plano para um eventual Estado palestino, o desejo de avançar com arranjos administrativos e a reconstrução de Gaza representa uma mudança significativa para os países árabes, que no passado insistiam que não financiariam a reconstrução do enclave sem um compromisso com a criação do Estado. Até então, eles argumentavam que, sem isso, o conflito permaneceria sem solução – e a destruição se repetiria.
"Para o mundo árabe, perceber que Trump realmente fala sério sobre Gaza significa a necessidade de encontrar uma alternativa viável", disse H.A. Hellyer, especialista em segurança do Oriente Médio do Royal United Services Institute, ao Wall Street Journal.
Os países árabes também estão tentando reduzir a pressão para que recebam palestinos deslocados, aumentando sua aceitação de refugiados por razões humanitárias. O rei da Jordânia, Abdullah II, que se encontrou com Trump na semana passada, já afirmou que seu país acolheria 2 mil crianças doentes vindas de Gaza. E o Egito, que já recebeu feridos e doentes, discute a expansão da acolhida para palestinos que desejam retomar os estudos. Agora, analistas veem uma “boa oportunidade” para os árabes apresentarem suas ideias.
O ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Saar, disse que o Estado judeu está aguardando para avaliar o plano à medida que ele se desenvolve – mas ressaltou que qualquer proposta que permita a permanência do Hamas em Gaza será inaceitável. E o secretário de Estado americano, Marco Rubio, que iniciou sua primeira viagem oficial ao Oriente Médio como representante dos EUA no domingo, pressionou a região a apresentar uma alternativa ao plano do republicano.
"Espero que eles tenham um bom plano para apresentar ao presidente [Trump]. Neste momento, o único plano, que eles não gostam, é o plano de Trump. Então, se eles têm uma alternativa melhor, agora é a hora de apresentá-la", disse Rubio na última quinta-feira, acrescentando que os países parceiros devem fazer mais do que apenas pagar pela reconstrução, enfrentando diretamente o Hamas no enclave.
Na quarta-feira, o presidente dos EAU, Mohammed al-Nahyan, reiterou a Rubio a “posição firme” de seu país, que “rejeita qualquer tentativa de deslocar o povo palestino de sua terra”, segundo a WAM, a agência de notícias oficial emiradense. A Arábia Saudita, que os EUA esperam que normalize as relações com Israel como parte da ampliação dos Acordos de Abraão iniciados na primeira administração Trump (2017-2021), enfatizou que o deslocamento de palestinos “não é negociável”.
As repetidas sugestões de Trump para Gaza – de que os EUA assumam a posse da terra, a transformem na “Riviera do Oriente Médio”, desloquem os palestinos para o Egito e a Jordânia e não os deixem retornar – geraram indignação em todo o Oriente Médio e além. A proposta foi rejeitada por líderes árabes e ocidentais, com muitos especialistas afirmando que ela viola o direito internacional e equivale a uma limpeza étnica. Poucos especialistas consideram o plano de Trump viável.
Apesar de Rubio afirmar que os países árabes não têm um plano, a região há muito tempo defende o encerramento do conflito por meio da criação de um Estado palestino separado. A chamada solução de dois Estados foi inclusive um ponto central do plano detalhado para o pós-guerra em Gaza discutido pelo então secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em diversas viagens ao Oriente Médio. Na época, ele afirmou que entregaria a proposta à administração Trump.
"A região já apresentou um plano, e esse plano é a solução de dois Estados", disse Jennifer Kavanagh, pesquisadora do think tank Defense Priorities, com sede em Washington. "Agora, esse plano não é aceitável para Israel. Eles deixaram isso claro. E, por essa razão, parece ser um assunto praticamente encerrado nos Estados Unidos também".