Agência de notícias
Publicado em 19 de outubro de 2024 às 15h26.
Última atualização em 19 de outubro de 2024 às 15h27.
Um dia após a confirmação da morte do líder do grupo terrorista Hamas, Yahya Sinwar, os líderes dos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e França apelaram nesta sexta-feira pelo fim da guerra entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza.
Em um comunicado divulgado pelo governo alemão após uma reunião em Berlim, onde o presidente Joe Biden se despediu de seus homólogos europeus antes das eleições americanas de 5 de novembro, ele, Olaf Scholz, Keir Starmer e Emmanuel Macron pontuaram a "necessidade imediata de devolver os reféns [de Israel] às suas famílias, de parar a guerra em Gaza e de garantir que a ajuda humanitária chegue aos civis [do enclave]".
Mas declarações dadas pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e pelo Hamas, bem como a realidade do terreno em Gaza, indicam que a morte de Sinwar — apontado como o principal motivo para a recusa do grupo à rendição — não deve abrir uma oportunidade para um cessar-fogo.
Biden, que nesta sexta-feira descreveu a morte de Sinwar como "uma oportunidade de buscar um caminho para a paz, um futuro melhor em Gaza sem o Hamas", falou na véspera com Netanyahu, cujo escritório afirmou que os dois líderes concordaram que havia uma "oportunidade para avançar na libertação dos reféns" capturados nos ataques de 7 de outubro do ano passado.
No mesmo dia, porém, o premier israelense fez um discurso em vídeo afirmando que a morte de Sinwar "não é o fim da guerra em Gaza", acrescentando: "É o início do fim." Nesta sexta-feira, ao confirmar a morte de seu líder, o segundo na linha de comando do Hamas, Khalil al-Hayya, reiterou que as condições para um cessar-fogo e libertação dos reféns continuam as mesmas: fim das hostilidades de Israel, completa retirada israelense de Gaza e a libertação de prisioneiros palestinos.
Apesar das resistências, Biden planeja enviar o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, para Israel nos próximos dias para discutir formas de garantir a segurança em Gaza e o planejamento do pós-guerra, em um esforço para retomar negociações de cessar-fogo que estão paradas há meses.
Mas, ao consolidar uma estratégia bem-sucedida de Israel de assassinar dirigentes do chamado “Eixo da Resistência” — comandado pelo Irã e que inclui, além do Hamas, o Hezbollah no Líbano, os houthis no Iêmen e milícias aliadas no Iraque e Síria —, a morte Sinwar fortalece a posição de Netanyahu em um conflito que já é regional, afastando as perspectivas de término ao menos em curto prazo.
Entre as principais figuras mortas desde janeiro estão Saleh al-Arouri, um importante elo com o Irã e o Hezbollah no Líbano; Mohammad Deif, o sombrio chefe da ala militar do Hamas, que, segundo Israel, foi morto em julho; Ismael Haniyeh, que chefiava o escritório político no Catar, o que o tornou fundamental para as negociações de cessar-fogo; e Hassan Nasrallah, líder máximo do Hezbollah.
— Temos de continuar a degradar as capacidades militares do Hamas para torná-lo irrelevante, não apenas como uma ameaça a Israel, mas para qualquer um que possa surgir como um substituto — disse ao jornal Wall Street Journal Yaakov Amidror, ex-conselheiro de segurança nacional de Netanyahu e membro do Instituto Judaico para a Segurança Nacional da América em Washington.
Uma pesquisa publicada pelo jornal Maariv, em setembro, mostrou que 41% dos israelenses acreditam que Netanyahu é o mais qualificado para exercer o posto de primeiro-ministro — também no mês passado, o Financial Times apontou que o Likud, partido de Netanyahu, havia retomado a liderança na preferência dos eleitores.
É uma grande mudança em relação a julho, quando uma sondagem do Canal 12 apontou que 70% dos entrevistados defendiam sua renúncia do cargo, sendo que 44% de forma imediata, na esteira dos fracassos até então para derrotar o Hamas e trazer de volta os reféns.
A mudança de humor reflete a decisão de Netanyahu de dobrar a aposta no assassinato de líderes e altos comandantes como ferramentas de propaganda, assim como retórica anti-Irã, exacerbada pelo lançamento de mísseis contra Israel em abril e no começo do mês. A ofensiva aérea e terrestre no Líbano, apoiada por uma parcela considerável do país, foi igualmente crucial em uma estratégia até agora bem-sucedida.
— A guerra acabou sendo um respiro para Netanyahu — disse ao GLOBO Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
— Em um contexto de conflito, de crise extrema, isso acaba sendo um momento de testar a vitalidade e a força de lideranças políticas, e Netanyahu é um político que nunca titubeou em adotar políticas agressivas contra os palestinos e tem usado isso bastante para sua sobrevivência política.
Além de sua postura individual, Netanyahu tem respaldo de seu Gabinete. Para retornar ao poder após mais uma inconclusiva eleição em 2022, ele se aliou à extrema direita, que inclui defensores da "guerra total sem fim", da anexação total da Cisjordânia e o retorno dos assentamentos judaicos em Gaza, sendo contrários a qualquer acordo de cessar-fogo que permita a sobrevivência do Hamas.
Alguns desses novos aliados, como Itamar Ben-Gvir, uma das figuras mais radicais do país, ocupam pastas como a da Segurança Interna e usam esse poder para apoiar os colonos e não raro, pressionar Netanyahu.
— Acho que todas as oportunidades [de um cessar-fogo] foram perdidas nos últimos meses. Netanyahu tem todo o incentivo para prosseguir nessa campanha de eliminar mais líderes do Hamas e do Hezbollah — disse ao GLOBO Maurício Santoro, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha. — Se eventualmente ele for para uma negociação em algumas semanas ou meses, o fará em uma posição de força, com um desequilíbrio muito favorável para Israel, e também acredito que isso só acontecerá após as eleições americanas, em novembro.
Do lado do Hamas, apesar de Sinwar ser alvo de ressentimento de muitos habitantes de Gaza, que o culpavam pelo grande sofrimento causado pelo conflito que já matou mais de 42 mil pessoas no enclave, era também reverenciado por combatentes do Hamas por ser considerado o mentor do ataque de outubro do ano passado, que deixou quase 1.200 mortos e mais de 250 pessoas como reféns em Gaza. Como líder mais buscado por Israel em Gaza, aparecia como a Rainha de Copas nas cartas de baralho distribuídas aos militares israelenses que traziam os rostos de dirigentes do Hamas.
Mas, apesar de ser descrito por Fuad Khuffash, analista palestino próximo ao Hamas, como uma "figura icônica" difícil de substituir, golpes anteriores de Israel, que assassinou dezenas de líderes do Hamas e matou muitos milhares de seus combatentes desde que o grupo foi fundado na década de 1980 com o objetivo de eliminar Israel, nunca impediram sua recuperação, muitas vezes com ferocidade maior.
— Seu assassinato não é fácil. Mas isso não fará com que o Hamas recue e se renda — disse Khuffash ao New York Times.
Uma prova disso é que o Hamas, mesmo após mais de um ano de conflito, continua a lutar, voltando a lançar ataques em áreas que Israel alegou ter liberado.
— O Hamas vem travando essa guerra há um ano em um espaço muito fechado, portanto já está descentralizado ao limite, lutando em unidades muito pequenas de uma dúzia ou menos de combatentes que têm muita autonomia — disse ao New York Times Ramzy Mardini, associado do Instituto Pearson da Universidade de Chicago que estuda rebeliões e guerras civis.
É improvável que a morte de Sinwar afete essas operações, disse, já que, de qualquer forma, ele havia perdido a capacidade de dirigi-las. Mas Sinwar era fundamental para as decisões de alto nível do Hamas, como concordar ou não com um cessar-fogo.
Até o momento, o grupo não deixou claro quando anunciará um novo sucessor, ou como essa transição afetará a postura de negociação de um grupo que há muito tempo é dirigido por uma combinação de autoridades políticas baseadas no Catar e líderes políticos e militares em Gaza.
Apesar de as autoridades envolvidas nessas negociações o terem considerado um linha-dura menos propenso a fazer concessões do que integrantes do grupo fora de Gaza, é possível que sua morte torne incerto quem tem a capacidade de negociar em nome do Hamas, não deixando ninguém com a estatura necessária para garantir a conformidade dos grupos armados de Gaza com qualquer acordo que seja alcançado.
Embora muitos em Gaza tenham comemorado sua morte, a mensagem do Hamas de resistência violenta a Israel há muito tempo encontrou seus recrutas entre aqueles que mais perderam no conflito: refugiados palestinos forçados ao exílio permanente com a criação de Israel e seus descendentes; pessoas que perderam casas e entes queridos para as bombas israelenses; e jovens sem perspectivas de uma vida melhor.
A possibilidade de qualquer forma de Estado ou autodeterminação para os palestinos na Cisjordânia e em Gaza parece mais remota agora do que em muitos anos. E a guerra de Gaza — ao matar, ferir, deixar órfãos e deslocar tantas pessoas — aumentou o ódio a Israel entre os palestinos e o desespero que direciona os recrutas para grupos apreciados pelo Hamas, independentemente de quem os lidera.
— A raiz do problema não é o Sinwar ou mesmo o Hamas — disse Hassan Abu Haniyeh, especialista em grupos militantes do Instituto de Política e Sociedade da Jordânia. — O problema é o dia seguinte. O que você vai fazer? Você pode matar todo o Hamas, mas o que você vai fazer no dia seguinte?