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Após eleição na Venezuela, oposição composta por políticos e jornalistas muda para a Colômbia

País vizinho compartilha fronteira de 2,2 mil km com o território venezuelano e é o principal ponto para os que buscam escapar do regime chavista

Agência o Globo
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Publicado em 5 de setembro de 2024 às 07h01.

Última atualização em 5 de setembro de 2024 às 07h01.

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Na madrugada do dia 28 de julho, Angélica Ángel, uma estudante de ciências políticas de 24 anos, votou pela primeira vez nas eleições presidenciais venezuelanas na sua terra natal, Mérida, na Cordilheira dos Andes. Mais de um mês depois, ela sente que esse dia ainda não terminou, disse a jovem de seu exílio em Bogotá, a capital da vizinha Colômbia, a 830 quilômetros de distância por estrada.

Hostilizada por seu ativismo em defesa dos detidos pelo governo de Nicolás Maduro durante a repressão dos protestos pós-eleitorais, ela chegou de carro a Cúcuta, a principal cidade colombiana na fronteira, e continuou sua jornada de ônibus. “Estou ciente de que terei que ficar aqui por mais um tempo”, assumiu. Como ela, muitos outros líderes políticos, defensores dos direitos humanos, jornalistas ou observadores eleitorais cruzaram a fronteira no último mês em busca de abrigo.

Líder universitária, Ángel faz parte da organização dos 600k, como a oposição se referia às 600 mil pessoas necessárias para defender o voto, especialmente como observadores e coordenadores de centros de votação. Foi graças a essa estrutura que ela conseguiu coletar, em condições muito adversas, mais de 80% das atas que supostamente confirmam a vitória do opositor Edmundo González Urrutia com 67% dos votos (contra 30% de Maduro, proclamado por órgãos chavistas como vencedor do pleito sem mostrar evidências). Esse levantamento inclui a ata da sua própria seção eleitoral, onde o chavista obteve 248 votos — e González Urrutia, mais de 2,5 mil, segundo Ángel.

“Angélica, aproveita o tempo que você tem antes do dia 28, porque depois vamos atrás de você”, ouviu a jovem de um colega que pertence aos chamados “coletivos”, os grupos de choque do chavismo, no poder há 25 anos. Foi a primeira de muitas ameaças, que se intensificaram à medida que ela publicava nas redes sociais sobre as dezenas de pessoas detidas em Mérida, incluindo menores de idade e até mesmo uma menina de 13 anos. Um carro branco sem identificação chegou a persegui-la, e motos do Comando Nacional Anti-Extorsão e Sequestro (Conas) rondavam sua casa. A detenção do ex-governador William Dávila em 8 de agosto a convenceu da urgência de fugir.

"Naquele momento, eu já me sentia encurralada", disse.

Ao seu lado, na casa onde funciona a fundação para migrantes em Bogotá, António, outro estudante universitário de 19 anos, pediu para ter seu nome verdadeiro modificado antes de falar. “Tenho pensado em voltar para a Venezuela muito em breve, então estaria correndo risco”, explicou. O jovem detalhou como o dia da eleição começou com o hino venezuelano, o Gloria al bravo pueblo (Glória ao Bravo Povo), conforme solicitado pela líder da oposição, María Corina Machado. Ele leu num megafone os resultados de sua seção eleitoral, onde, afirmou, Maduro obteve 438 votos, contra 2,3 mil de González Urrutia. António disse ter chorado de felicidade antes de o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país, controlado pelo chavismo, proclamar a reeleição de Maduro.

Ele chegou a participar dos protestos de 30 de julho, mas disse que muito rapidamente começaram a chegar informações sobre as detenções de adolescentes em Mérida, além das prisões de líderes opositores em todo o país. “Sabíamos que eles viriam atrás de nós”, declarou. Enquanto viajava de Cúcuta para Bogotá, começaram a chegar em seu celular imagens com seu rosto em cima de um cartaz que dizia: “procurado”. O jovem acredita que González Urrutia deve ser empossado no dia 10 de janeiro como novo presidente, e que o regime de Maduro usará esses quatro meses restantes para intimidar a sociedade e impedir a organização de qualquer setor porque sabem que, nesse dia, as pessoas sairão às ruas para defender a vontade popular.

"Se todos nós formos embora do país e não voltarmos, ele vai conseguir", advertiu, indicando que cada um deve “calcular o risco”. "Eu vou voltar e não poderei sair às ruas, terei que ficar escondido, mas organizando os jovens para as próximas atividades. Não haverá perseguição, tortura, cela ou militar que possa nos calar.

Chavismo endurece a repressão

O chavismo endureceu a repressão, ao ponto de esta semana ter emitido um mandado de prisão contra González Urrutia. Antes, o governo prendeu colaboradores próximos de María Corina e do próprio candidato da oposição, numa tentativa de desmobilizar seus simpatizantes. Pelo menos 24 pessoas morreram nos protestos,mmais de 2 mil foram presas, incluindo líderes políticos, funcionários eleitos por voto popular, jornalistas, defensores dos direitos humanos e estudantes universitários. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos classificou as ações como “terrorismo de Estado” no país, um termo também utilizado num relatório conjunto publicado nesta semana por diferentes ONGs.

A Colômbia, que compartilha uma fronteira de 2,2 mil quilômetros com a Venezuela, é de longe o principal país de acolhida, com cerca de três milhões de venezuelanos que fugiram da inflação, da escassez de alimentos e medicamentos ou da insegurança nos últimos anos. A este fluxo agora se soma o daqueles que buscam escapar da perseguição política. Um mês após as eleições, os relatórios das agências de cooperação internacional já falavam em mais de 140 pessoas na Colômbia identificadas como perseguidos políticos. O El País entrevistou uma dúzia delas, muitas das quais desejam manter o anonimato.

Embora haja desconfiança em relação às autoridades colombianas, a maioria conta com algum tipo de rede de apoio, razão pela qual buscam proteção internacional em vez de abrigo, disse um funcionário envolvido nas políticas de acolhimento. Gaby Arellano, que foi líder estudantil em Mérida e deputada da oposição no estado fronteiriço de Táchira antes de se refugiar na Colômbia há alguns anos, atualmente está envolvida na fundação Juntos Se Puede, que já apoiou mais de 170 pessoas desde as eleições. Segundo ela, muitos sofreram invasões domiciliares e precisaram fugir. O mais comum, disse, são casos envolvendo pessoas que ficaram encarregadas de recolher as atas eleitorais, mas há também jornalistas que cobriram os protestos pós-eleição.

‘Profunda preocupação’

José Barreto, de 64 anos, é líder do partido Ação Democrática. Ele já foi vereador, deputado e candidato a prefeito no estado de Lara, e agora também sentiu o cerco das forças policiais. Em 26 de julho, uma sexta-feira, cinco patrulhas do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) chegaram para invadir sua casa, mas ele conseguiu escapar saltando entre telhados. Ele posteriormente retornou, votou, coletou as atas eleitorais e se refugiou. Fez parte da equipe de campanha de María Corina, e conta que na sua região, onde o chavismo costumava ter apoio, mais de 90% das atas deram vantagem para González Urrutia.

Na segunda-feira, invadiram novamente sua casa, mas não o encontraram. Então, começaram a procurá-lo na casa de seus familiares. “A ansiedade começou a tomar conta de mim”, relembrou ele que está sendo procurado por um tribunal de terrorismo em Caracas. Esteve “escondido” em várias residências da capital, mas chegou à conclusão de que não era seguro. Conseguiu se deslocar até Táchira, e de lá cruzar para Cúcuta para “preservar” a sua vida, embora a capital do Norte de Santander, na Colômbia, não lhe ofereça garantias. Todo o comando de campanha da oposição no estado de Lara, composto por líderes políticos de cabelos grisalhos de diferentes partidos, teve que fugir para diferentes caminhos até se reencontrar do outro lado da fronteira.

O presidente colombiano, Gustavo Petro, que persiste numa tentativa de mediação com o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e manifestou “profunda preocupação” com o mandado de prisão contra González Urrutia, insiste em pedir a Maduro as famosas atas eleitorais. Ele também propôs uma saída negociada da administração chavista que inclui a suspensão das sanções, uma anistia geral, garantias para a ação política, um governo de coabitação transitório e “novas eleições livres”. A ideia, porém, foi rejeitada por diversos lados.

"Um acordo político interno na Venezuela é o melhor caminho para a paz", disse ele em agosto. "Do nosso lado, as populações fronteiriças podem ficar tranquilas. As fronteiras continuarão abertas para melhorar a prosperidade comum dos nossos povos".

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