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Após 45 anos do golpe, questões da ditadura chilena ainda estão em aberto

Durante a ditadura chilena, mais de 3,2 mil mortos e 38 mil torturados, entre eles, a ex-presidente dos Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet

Chile: para 85%, ainda existem pactos de silêncio no Exército para proteger militares envolvidos em violações dos direitos humanos (Rodrigo Garrido/Reuters)

Chile: para 85%, ainda existem pactos de silêncio no Exército para proteger militares envolvidos em violações dos direitos humanos (Rodrigo Garrido/Reuters)

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AFP

Publicado em 11 de setembro de 2018 às 12h38.

As feridas deixadas pelo golpe militar no Chile, que completa 45 anos nesta terça-feira (11), continuam abertas. As Forças Armadas resistem a abrir seus arquivos, e o poder econômico e político dos defensores da ditadura seguem presentes, enquanto as vítimas pedem justiça.

Em 11 de setembro de 1973, as Forças Armadas - Marinha, Força Aérea, Exército e Carabineiros (Polícia) - cometeram o golpe militar que levou ao suicídio do presidente socialista Salvador Allende no bombardeado Palácio de La Moneda. A ação pôs fim ao governo da Unidade Popular, a primeira coalizão marxista eleita nas urnas na América Latina.

A polarização da sociedade, a dura crise econômica e a ingerência dos Estados Unidos em um contexto de Guerra Fria garantiram o terreno para o sucesso do golpe militar que abriu caminho para 17 anos da sangrenta ditadura do general Augusto Pinochet. Foram mais de 3.200 mortos e 38.000 torturados, entre eles, a ex-presidente e atual comissária dos Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet.

A decisão de três juízes da Suprema Corte de conceder a liberdade a sete violadores dos direitos humanos na ditadura de Pinochet (1973-1990), em julho passado, colocou em pé de guerra familiares das vítimas e políticos de esquerda, que apresentaram uma acusação constitucional por "notável abandono de deveres". Para eles, os magistrados descumpriram as normas estabelecidas pela comunidade internacional para crimes de lesa-humanidade.

A Câmara dos Deputados se pronunciará nesta sexta-feira sobre o destino dos juízes, cuja decisão deflagrou um confronto sem precedentes nos quase 30 anos desde a recuperação da democracia entre o Poder Legislativo e o Judiciário.

A renúncia do ministro da Cultura, Mauricio Rojas, em agosto passado - apenas dois dias depois de assumir o cargo por qualificar como "montagem" o Museu da Memória -, continua polarizando uma direita condescendente (quando não defensora) a respeito do legado de Pinochet e de uma esquerda que clama por justiça para as vítimas.

Segundo a presidente da Associação de Familiares de Executados Políticos (Afep, na sigla em espanhol), Alicia Lira, há mais de 1.500 casos abertos ainda sem resposta das Forças Armadas.

E foi com o objetivo de virar a página deste período negro do país que Alicia considera que a "Concertación", coalizão de centro esquerda que assumiu o poder em 1990, "negociou a democracia com Pinochet".

Falecido em dezembro de 2006 sem ser condenado, Pinochet se manteve como comandante em chefe das Forças Armadas e depois senador vitalício.

"Isso e o poder da direita, cúmplice da ditadura, fazem que se arraste até hoje uma vergonhosa situação política", disse à AFP.

Disputa pela memória

"No Chile, há uma disputa em torno da memória e de como significar a experiência da história recente. Há uma clara intenção de um setor político de se ver associado à palavra democracia, quando este setor (direita) esteve em sua maioria associado com a ditadura", alega Raúl Elgueta, doutor em Ciência Política da Universidade de Santiago.

A prisão de Punta Peuco, onde os condenados pelas violações dos direitos humanos cumprem pena em condições privilegiadas, talvez seja o símbolo mais evidente de como é difícil virar essa página.

Apesar de sua promessa, a ex-presidente Michelle Bachelet terminou seu governo em março passado sem conseguir encerrar este capítulo para irritação da esquerda e dos familiares das vítimas. Seu pai, general Alberto Bachelet, morreu em 1974 vítima de torturas por se manter leal ao governo de Salvador Allende.

Tampouco conseguiu seu sucessor, o conservador Sebastián Piñera, que em seu primeiro governo (2010-2014) fechou outro presídio de luxo para agentes da ditadura.

Nesta terça, Piñera, um antipinochetista declarado, pediu aos chilenos que "aprendam com a história" para não cometerem "os mesmos erros" que levaram ao golpe militar. Ele também deixou claro que "nenhum contexto vai justificar os graves atropelos dos direitos humanos" cometidos pelo regime militar.

Sem reconciliação

Segundo uma entrevista recente, 75% dos chilenos consideram que não houve reconciliação; para 66%, "não se fez justiça em matéria de direitos humanos"; e, para 85%, "ainda existem pactos de silêncio no Exército para proteger militares envolvidos em violações dos direitos humanos".

Depois de 28 anos de democracia, o legado de Pinochet continua sendo indissociável da vida política e econômica do Chile.

Nas últimas eleições de novembro passado, Juan Antonio Kast, um candidato que se proclamava abertamente pinochetista, obteve 10% dos votos. A União Democrata Independente (UDI), um dos principais pilares da coalizão de centro direita que apoia Piñera, continua defendendo o legado político, econômico e social da ditadura.

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