Estudantes em Osnabrück: há muitas mulheres no início de carreira, e há Angela Merkel (The New York Times)
EXAME Hoje
Publicado em 3 de outubro de 2017 às 17h07.
Última atualização em 3 de outubro de 2017 às 17h07.
Osnabrück, Alemanha – Como tinha apenas nove anos quando a chanceler Angela Merkel foi eleita pela primeira vez em 2005, Kristin Auf der Masch não consegue se lembrar do tempo em que a Alemanha era liderada por um homem.
Mas se Auf der Masch, hoje com 21 anos, aprendiz de uma empresa de energia eólica desta cidade do noroeste do país, acha difícil imaginar um chanceler do sexo masculino, ela também acredita que é impossível pensar em uma chefe do sexo feminino.
“Existem muitas mulheres do meu nível, e tem a Angela Merkel. Não há muitas no meio”, contou ela durante um recente debate em sua sala de aula sobre as eleições de 24 de setembro.
A Alemanha, que vem sendo liderada pela mulher mais poderosa do mundo por 12 anos, tem um problema com as mulheres.
Durante a campanha eleitoral – e nas passadas – Merkel evitou a palavra “feminista”. Ela raramente promoveu a questão do avanço feminino, e as mulheres no país realmente não foram muito em frente.
Alice Schwarzer, a mais conhecida feminista do país, coloca a questão assim: “Desde 2005, as garotas podem decidir: eu vou ser cabeleireira ou chanceler?”
Pergunte a Auf der Masch e às outras 14 aprendizes de sua classe quantas empresas locais que as treinam – negócios médios que fazem de margarina a scooters – são chefiadas por mulheres. Nenhuma delas levantará a mão.
Algumas mulheres, a maioria sem filhos, tornam-se chefes de departamento. Mas coletivamente as estagiárias conseguem se lembrar de mais gerentes chamados “Thomas” do que mulheres nesse cargo.
Há, de fato, mais CEOs chamados “Thomas” (sete) do que do sexo feminino (três) nas 160 empresas com ações na bolsa da Alemanha, revela a fundação AllBright, que acompanha as mulheres na liderança corporativa. Noventa e três por cento de todos os membros de conselhos executivos dessas companhias são homens. Quase três em cada quatro corporações não possuem mulheres em suas equipes de executivos.
Obrigadas por lei a publicar uma meta de contratação de mulheres em níveis executivos, a maioria escreveu alegremente “zero por cento”.
“Por causa de Merkel, a imagem da Alemanha no exterior é mais progressiva do que a realidade”, garante Anne Wizorek, escritora feminista que ficou famosa em 2013 quando liderou uma campanha contra o sexismo do dia a dia.
Algumas coisas, de cuidados com as crianças à governança corporativa, mudaram de fato para as mulheres sob a gestão de Merkel.
Mas o preconceito cultural continua a ser tão profundo contra as mulheres que trabalham, especialmente as mães, que alguns dos jovens comentaristas mencionam “questões de gênero” na Alemanha na mesma frase que “questões raciais” nos Estados Unidos – um pedaço de bagagem histórica que nunca foi abordado de maneira ampla, que é evasivo e onipresente ao mesmo tempo, como se fosse um elefante na sala nacional.
As poucas mulheres que chegam ao topo, ou perto dele, falam do constante tormento de serem julgadas.
“Não temos o respeito da sociedade como mulheres trabalhadoras”, diz Angelika Huber-Strasser, sócia gerente da KPMG Alemanha e mãe de três filhos. “Eles nos chamam de mãe corvo”, por causa do pássaro (também injustamente) acusado de empurrar os filhotes para fora do ninho.
Anka Wittenberg, principal diretora de diversidade e inclusão da empresa de software alemã SAP, já havia tido seus três filhos quando terminou um mestrado em Economia e começou a procurar emprego. Nenhuma empresa alemã a convidou para uma entrevista.
Em vez disso, ela fez carreira em companhias norte-americanas, melhorando de cargo na operação alemã da General Electric antes de ser contratada pela SAP, uma empresa considerada incomumente progressista por ter duas mulheres entre seus oito membros do conselho executivo (embora nenhum deles seja alemão).
“Quase não temos modelos de mulheres que mostrem às jovens que é possível ter os dois: uma família e uma carreira. A Alemanha ainda está muito atrasada”, afirma Wittenberg.
A supermãe do folclore alemão tem raízes na história difícil do país. Os nazistas davam medalhas para as mulheres que tinham vários filhos. Então veio a divisão da Alemanha. O oeste reviveu a máxima do século XIX, Kinder, Kueche, Kirche, ou seja, crianças, cozinha e igreja. E no leste, os comunistas inauguraram creches gratuitas.
As mães do leste dirigiam guindastes e estudavam Física. Até 1977, as ocidentais precisavam da permissão oficial dos maridos para trabalhar. Na época, suas colegas do leste tinham um ano de licença maternidade paga e direito a menos horas de trabalho se estivessem amamentando.
Quando o muro de Berlim caiu em 1989, o número de mulheres empregadas no leste estava perto de 90 por cento e no oeste era 55 por cento. Hoje, mais de 70 por cento das mulheres alemãs trabalham. Mas apenas 12 por cento daquelas que têm filhos com menos de três anos exercem suas funções em período integral.
Talvez não seja coincidência que Merkel não possua filhos e tenha crescido na Alemanha Oriental.
“Angela Merkel considera normal coisas que várias mulheres que cresceram na Alemanha Ocidental consideram qualquer coisa menos normal”, afirma Jutta Allmendinger, importante socióloga alemã e presidente do Centro de Ciências Sociais WZB Berlin.
Merkel não fez da igualdade de gênero uma de suas marcas no governo, mas durante seu tempo no cargo as coisas evoluíram silenciosamente.
As escolas, que tradicionalmente fechavam na hora do almoço, contando com as mães que ficavam em casa, gradualmente aumentaram as horas de funcionamento. As creches, consideradas um anátema para crianças com menos de três anos, foram bastante ampliadas. Foi aprovada uma licença paga para os pais que leva os homens a tirar pelo menos dois meses após o nascimento.
Mais recentemente, o governo passou uma lei que obriga grandes empresas a repor membros que estão saindo de seus conselhos não-executivos com mulheres até que elas ocupem pelo menos 30 por cento das vagas.
“Ela usa o mesmo estilo de política para gênero que utiliza para outras coisas. Não quer pedir uma revolução. Ela começa uma evolução”, diz Annette Widmann-Mauz, chefe da União das Mulheres Democratas Cristãs.
Mas as mulheres na Alemanha ainda ganham 21 por cento a menos que os homens – a média na Europa é 16 por cento – e não apenas porque elas não sobem na carreira. Em algumas áreas, o número de mulheres em posição de liderança tem diminuído.
Entre as empresas de capital aberto na internacionalmente reverenciada Mittlestand, o grupo de empresas de porte médio que formam a espinha dorsal da máquina de exportação do país, menos de quatro por cento das vagas executivas são ocupadas por mulheres.
Mesmo o progresso modesto que as mulheres têm feito encontra uma reação feroz em algumas partes.
Birgit Kelle, membro do partido Democrata Cristão de Merkel e autora de um livro recente chamado “Mãe Animal”, acusa Merkel de abandonar os valores conservadores. “Na minha opinião, nós estamos quase praticando um comunismo. Estamos caminhando para um RDA 2.0”, diz ela em referência à antiga Alemanha Oriental comunista, conhecida como Republica Democrática da Alemanha.
“Eu costumava ser a corrente principal do partido. Agora estou sendo empurrada para a borda da direita”, afirma. Alguns de seus antigos colegas se mudaram para o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha. Seus cartazes eleitorais mostram mulheres de biquínis, de roupas típicas ou grávidas.
Na escola vocacional de Osnabruck, as aprendizes desejam mudanças. Os homens dizem que querem tirar licença paternidade (pelo menos alguns), e várias mulheres afirmam que gostariam de ter uma carreira de sucesso (pelo menos até terem filhos).
Mas elas não se acham feministas. “É muito radical”, explicou uma jovem. Sua professora, Monika Stadje, de 63 anos, diz que o termo ainda faz lembrar uma caricatura de uma “lésbica com roupa de motociclista que é muito, muito brava e não gosta de homem”.
Isso ajuda a explicar por que Merkel, sempre consciente da opinião pública, até agora tenha se recusado a reivindicar o rótulo para si mesma. Mas algumas jovens gostariam que ela o fizesse.
“Por que ela, uma das pessoas mais poderosas do mundo, não pode uma vez na vida fazer uma declaração fundamental sobre igualdade de gênero? Ela evita o tópico porque sabe que se abrir o tema, teria que reconhecer o quanto ele não está resolvido”, argumenta Margarete Stokowski, colunista on-line da revista Spiegel.
Katrin Bennhold © 2017 New York Times News Service
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