Donald Trump: questão do muro levou à maior crise diplomática em décadas entre estes vizinhos (Reuters)
AFP
Publicado em 27 de janeiro de 2017 às 11h14.
Ao se envolver em uma disputa com o México, o presidente americano Donald Trump se indispôs com um sócio estratégico que pode responder com uma guerra comercial e uma menor cooperação para conter a imigração ilegal, advertem analistas.
Trump provocou a revolta dos mexicanos com sua insistência de que eles pagarão pelo muro que se propõe a construir na fronteira.
Esta divergência levou à maior crise diplomática em décadas entre estes vizinhos.
O historiador mexicano Enrique Krauze vai além e em declarações à rede Televisa descreveu esta crise como "a mais delicada que tivemos em 170 anos, desde a guerra" entre ambos os países e que terminou com cerca da metade do território mexicano anexado aos Estados Unidos.
Após a vitória de Trump, que fez um duro discurso antimexicano em sua campanha, o presidente Enrique Peña Nieto havia confiado que os dois governos poderiam ter uma boa relação, mas sua boa vontade foi por água abaixo quando cancelou um encontro marcado com Trump na próxima semana em Washington.
Para Jesús Velasco, especialista na relação México-Estados Unidos da universidade estatal de Tarleton, Texas, o capítulo mais tenso entre estes vizinhos havia sido vivido em 1985, quando um cartel das drogas torturou e assassinou um agente do DEA, o que levou os Estados Unidos a um breve fechamento da fronteira.
"Isso é ainda pior, Trump está encurralando o governo de Peña Nieto, não há espaço para negociações", disse Velasco à AFP.
O especialista estima que o México pode contra-atacar deixando que os migrantes centro-americanos cheguem até a fronteira e, assim, envie uma mensagem a Trump: "Não terei nenhuma cooperação na fronteira".
Apesar das críticas de Trump, México e Estados Unidos "têm uma das cooperações (fronteiriças) mais bem-sucedidas no mundo", acrescentou.
Pressionado pelo governo de Barack Obama depois de uma onda de crianças migrantes viajando sozinhas em 2014, o México aumentou os controles em sua fronteira com a Guatemala para combater a passagem de ilegais.
No ano passado, o México deportou 147.370 migrantes, contra 80.900 em 2013, segundo números governamentais.
E, enquanto Trump quer que o México pague pelo muro, agora é maior o número de mexicanos que retornam ao seu país que os que se dirigem aos Estados Unidos.
As ameaças de Trump em torno do financiamento do polêmico muro subiram de tom quando o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, anunciou a possibilidade de aplicar um imposto de 20% sobre as importações a partir do México para obter os recursos necessários.
"Se os Estados Unidos impuserem um imposto deste tipo, o México imporá um igual (...). O México imporá uma medida espelho", comentou à AFP o economista Luis de la Calle, que esteve entre os negociadores do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN) na década de 1990.
De la Calle também duvida que o Congresso americano, com muitos legisladores partidários do livre comércio, aprove semelhante medida.
"Ocorreram períodos complicados com os Estados Unidos no passado, mas Trump é uma pessoa diferente", afirmou o economista, ao explicar que com suas ações o novo presidente parece colocar seus interesses pessoais acima dos interesses dos Estados Unidos.
O TLCAN também está na mesa, como exigiu Trump, mas nesta semana o ministro da Economia mexicano disse que podem sair do tratado se as negociações não forem satisfatórias.
México e Estados Unidos também são aliados estratégicos na guerra contra o narcotráfico.
O Congresso destinou 2,5 bilhões de dólares à Iniciativa Mérida, um programa mediante o qual o México recebeu equipamento e treinamento para combater o crime organizado.
Mas na busca de recursos para o muro, Trump ordenou a todos os departamentos e agências governamentais americanas que identifiquem ajuda "direta ou indireta" para o México e a reportem em 30 dias.
Duncan Wood, diretor do Instituto México no Centro Wilson de Washington, estima que o México deve se esforçar mais para explicar por que é importante para a segurança dos Estados Unidos.
"Toda a ênfase foi colocada em como os Estados Unidos podem ajudar o México na luta contra o crime organizado", disse Wood à AFP.
"Agora o México precisa explicar, 'olha, tem a sorte de ter uma nação amigável em sua fronteira sul, e vale a pena pensar nisso'", comentou.
Como sinal desta cooperação, na semana passada, horas antes de Trump assumir a presidência, o México extraditou para os Estados Unidos Joaquín "El Chapo" Guzmán, considerado o narcotraficante mais poderoso do mundo.