(Simona Granati/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 25 de março de 2021 às 13h49.
Última atualização em 25 de março de 2021 às 19h34.
Após anos de debates, o estado Nova York está próximo mudar sua legislação sobre a maconha. Seguindo o que já fizeram outros lugares nos Estados Unidos, o governador democrata Andrew Cuomo e congressistas da Assembleia estadual chegaram a um acordo nesta semana para enviar aos legisladores um projeto de lei que descriminalize a cannabis para uso recreativo e permita o comércio em algumas frentes.
O texto ainda precisaria ser votado e aprovado no Senado estadual.
O acordo permitiria venda e entrega de maconha por empresas autorizadas e a instituição de locais autorizados para consumo, como lojas especializadas (onde álcool seria proibido, no entanto). Pelo texto, um cidadão poderia também cultivar até seis pés de maconha em casa para uso pessoal, sem ser criminalizado.
O uso seria autorizado para pessoas acima de 21 anos, mesma idade em que é consumir bebidas alcoólicas nos EUA.
As estimativas apontam que a legislação, se confirmada, pode embasar uma indústria de 4,2 bilhões de dólares e gerar milhões em impostos anualmente.
Apesar do histórico progressista, Nova York tem legislação menos avançada no que tange à cannabis do que outros estados americanos. Os principais destaques estão do outro lado do país, na costa oeste, em estados como Califórnia e Colorado, os primeiros a legalizar a maconha para uso medicinal e, depois, para recreativo (ainda em 2012 no caso do Colorado).
Nos últimos anos, estados também da costa leste, como Nova Jersey e Massachusetts, haviam legalizado a maconha recreativa. Nova York tinha até recentemente permissão somente para maconha medicinal, e com uma lei mais restrita.
Em entrevista anterior à EXAME, Greg Shoenfeld, vice-presidente da consultoria especializada em cannabis BDS analytics, disse que a legalização em estados vizinhos colocava “pressão em Nova York e em outros estados" para mudar a legislação. "Estamos vendo um potencial efeito dominó”, disse.
O governador Andrew Cuomo já se mostrou contrário em campanhas anteriores a uma legislação mais ampla, mas tem se tornado mais aberto ao tema recentemente.
Na última campanha eleitoral, em 2018, sua rival nas urnas, a estrela de Sex And The City Cynthia Nixon, concorreu com uma ampla plataforma de mudança nas leis e descriminalização da maconha, além de investimentos em comunidades minoritárias com os impostos gerados. Cuomo foi contra.
A projeção mais citada sobre o tema é de um estudo da MPG Consulting, encomendado pela New York Medical Cannabis Industry Association. Pela estimativa, com a regularização, poderiam ser gerados mais de 300 milhões de dólares em impostos aos cofres de Nova York em 2023, com a legislação já implementada. Em 2027, o valor saltaria para 1,3 bilhão de dólares.
A projeção é que o mercado de maconha legalizada chegue a 1,2 bilhão de dólares no estado em 2023 e 4,2 bilhões em 2027.
Se a lei for aprovada, a primeira venda só deve acontecer em mais de um ano. Os legisladores em Nova York ainda precisariam escrever regras mais específicas para que a regulação aconteça, incluindo para decidir como será feita a cobrança de impostos sobre o novo mercado.
A ideia é que haja também um conselho, de cinco membros, responsável por fiscalizar e debater a nova indústria.
A congressista estadual Crystal D. Peoples-Stokes, democrata, disse ao New York Times que o projeto tem como objetivo "investir na vida das pessoas que foram prejudicadas".
Boa parte do projeto foi inspirado em regras que já existiam em outros estados. Os mais recentes a mudar legislação sobre cannabis foram estados como Nova Jersey e Arizona, onde o tema foi levado a votação popular (e aprovado pelos eleitores) junto com as eleições presidenciais e legislativas de novembro do ano passado.
“Depois que os primeiros estados legalizaram, o público no geral e os congressistas começaram a se sentir mais confortáveis com isso”, disse Morgan Fox, porta voz do grupo pró-legalização Marijuana Policy Project, em entrevista anterior à EXAME.
Mundo afora, uma série de países já legalizou sobretudo o uso medicinal da cannabis, como quase todos os países europeus, boa parte dos estados nos EUA (incluindo Nova York), e alguns países sul-americanos como Equador e Colômbia.
No Brasil, nenhuma das duas frentes tem legislação ampla. A Anvisa autorizou recentemente somente a importação para famílias que comprovarem que precisam de remédios à base da planta, além de vendas específicas em farmácias. A importação ainda é cara, segundo os especialistas da área. Uma minoria de casos ganharam, na Justiça, liminar para plantio para fins de saúde dentro do país.
No Congresso, tramita em uma comissão da Câmara o PL 399/2015, sobre o plantio para fins medicinais. Não há previsão para que avance no Congresso.
Um dos casos mais recentes na América Latina de aprovação do uso recreativo vem da Argentina, que mudou as regras por meio de um decreto presidencial no ano passado. O Uruguai havia feito o mesmo anos antes. Em março deste ano, o Congresso também passou uma lei para legalizar o uso recreativo sob certas condições, seguindo a jurisprudência que havia sido traçada pela Suprema Corte do país.
Além de alguns estados nos EUA, países como os de Canadá e alguns países europeus, como a Holanda, são também os que têm mercado mais estabelecido.
O texto final em Nova York ainda está sendo revisado pelo gabinete do governador e deputados, mas a expectativa é que o projeto de lei passe no Senado estadual (controlado pelos democratas) na próxima semana.
Uma grande sinalização do texto em Nova York é que o dinheiro obtido com os novos impostos será parcialmente reinvestido em comunidades minoritárias.
A ideia é também que parte das licenças de negócios para comercialização dos produtos sejam reservadas para empresários de minorias raciais, como negros e latinos, atualmente populações que são proporcionalmente as mais afetadas pelo mercado ilegal.
A organização Drug Policy Alliance afirma que mais de 640.000 pessoas foram presas nos EUA por algum tipo de violação relacionado à maconha, o equivalente a 45% das prisões feitas no país no ano de 2016.
Cerca de 84% dessas prisões por maconha foram feitas por posse simples, isto é, sem quantidade suficiente para venda ou fabricação. A organização defende ainda que o governo dos EUA gasta anualmente 3 bilhões de dólares para garantir a proibição da maconha.
Um estudo sobre as prisões relacionadas à maconha na cidade de Nova York em 2020 mostrou que 94% dos presos não eram brancos.
Nacionalmente, outros estudos mostram resultados parecidos. A organização American Civil Liberties Union concluiu em 2020 que pessoas negras tinham quatro vezes mais chance de serem presas por posse de maconha do que brancos, mesmo se comparadas quantidades de droga parecidas.