Prédio danificado por foguete do Hamas em Tel Aviv, Israel: ataque acontece em meio a mudanças geopolíticas na região (JACK GUEZ/AFP)
Editor ESG
Publicado em 8 de outubro de 2023 às 11h58.
Última atualização em 10 de outubro de 2023 às 15h19.
A guerra, como definiu Carl Von Clausewitz (1790-1831), é a “continuação da política por outros meios”. Clausewitz, estrategista e teórico militar prussiano, autor de alguns dos livros mais importantes sobre o tema, entendia que a diplomacia, ou seja, as negociações entre países, não cessava com a eclosão de um conflito. Na verdade, elas continuam a partir de outro cenário.
Há duas perguntas a serem respondidas a respeito do ataque do Hamas a Israel, o mais letal em cinco décadas. A primeira, é por que o grupo palestino decidiu partir para a ofensiva? A segunda, e até mais importante, é por que agora? Ambas as respostas exigem um olhar abrangente sobre o conflito, e pensar em conexões improváveis.
A ação do Hamas acontece em meio a negociações para uma aproximação entre Israel e Arábia Saudita, mediada pelos Estados Unidos. Donald Trump deu início a esse processo, e Joe Biden seguiu a política. A aparente calma na região dava a (falsa) impressão de que sauditas e israelenses estariam perto de um acordo, pelo qual o regime de Riad reconheceria o Estado de Israel, abrindo as portas para uma relação diplomática entre as maiores potências do Oriente Médio.
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, abordou o tema em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, dando praticamente como certo o entendimento com Riad. "Essa paz fará muito para encerrar o conflito árabe-israelense”, disse Netanyahu. “Inspirará outros Estados árabes a normalizar suas relações com Israel, aumentará as chances de paz com os palestinos, e encorajará uma reconciliação mais ampla entre o judaísmo e o islamismo."
Foi um tiro no pé, como analisou Marwan Bishara, ex-professor de Relações Internacionais da American University, em Paris, em texto no site da Al Jazeera, rede de TV patrocinada pelo Catar, do qual é colunista. Bishara avalia que os palestinos foram ignorados no discurso, que considerou arrogante.
Essa percepção joga luz em outro aspecto às vezes negligenciados em análises sobre diplomacia: a motivação pessoal dos líderes políticos, que nem sempre segue uma lógica baseada em dados e fatos. O atual líder do Hamas na Faixa de Gaza, Yahya al-Sinwar, por exemplo, veterano no conflito, passou 24 dos seus 60 anos em prisões israelenses.
Sinwar deixou o cárcere pela última vez em 2011, graças a uma troca de prisioneiros negociada após o sequestro de um soldado israelense por militantes palestinos -- não por acaso, no ataque deste sábado, os combatentes do Hamas fizeram uma série de reféns.
Outro líder do Hamas, Mohammed Deif, comandante das forças militares, perdeu um filho recém-nascido, uma filha de três anos e a esposa em conflitos com o exército israelense. “Há claramente um aspecto punitivo e de vingança na operação”, escreve Bishara.
Desejo de vingança e retaliação, no entanto, não respondem as duas perguntas principais, apenas adicionam um componente motivacional que não pode ser ignorado. A decisão de atacar e, principalmente, o timing da ação estão relacionados com o cenário geopolítico, cuja tendência parecia desfavorável ao Hamas.
Desde que assumiu o controle da Faixa de Gaza, substituindo a enfraquecida Autoridade Palestina, de Mahmoud Abbas, em 2007, o Hamas tenta instituir na região um governo eficiente, com serviços públicos e medidas para a geração de emprego e melhorias na qualidade de vida, como analisam Daniel Byman e Alexander Palmer, pesquisadores da Georgetown University, em artigo publicado no site da Foreing Policy, revista especializada em relações internacionais.
Essa postura é limitada pelo isolamento econômico de Gaza e pela necessidade de se manter como o principal movimento de oposição a Israel. Mesmo com melhorias na gestão pública, os palestinos convivem com falta de infraestrutura, pobreza extrema e altas taxas de desemprego.
O Hamas sabe que um ataque a Israel terá como resposta um contra-ataque de grandes proporções, que inevitavelmente recairá sobre os habitantes de Gaza. Mas, o cálculo é pragmático e perverso: quanto maior é o sofrimento da população, maior é o ressentimento, o que, esperam os líderes do Hamas, aumenta o engajamento dos palestinos na luta do movimento contra seu inimigo.
Como pano de fundo dessas movimentações internas, há um contexto maior de mudanças geopolíticas na região, que não se resume à aproximação entre Israel e Arábia Saudita. Os Estados Unidos, patrocinadores desse acordo, conduzem há meia década uma política de acordos unilaterais com países do Golfo, o que é visto pelo Hamas como uma ameaça a sua posição de líder na região – percepção fortalecida por uma redução no fluxo de dinheiro vindo dos países árabes para apoiar a causa palestina.
Ao mesmo tempo, a Arábia Saudita fez movimentos de aproximação com a China e com a Síria e, em abril deste ano, recebeu em Riad Ismail Haniyeh, o principal líder político do Hamas, visita que não acontecia há sete anos, e se deu concomitantemente a uma visita oficial de Mahmoud Abbas, líder da Autoridade Palestina, rival político do Hamas, ao reino saudita – não há informações sobre um encontro entre Haniyeh e Abbas.
Em meio a esse xadrez político, é provável que o Hamas esteja buscando relevância diplomática diante de um cenário adverso. Seus objetivos finais, além da criação de um estado palestino, que é o oficial, no entanto, não podem ser determinados agora. Enquanto a guerra acontece, e parece que essa será dolorosa para ambas as populações, a diplomacia segue em busca de um acordo. Até que algum novo acontecimento alivie as tensões.
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