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Análise: Maior adversário de Biden agora não é Trump; é ele mesmo

Ex-presidente precisa convencer eleitores, aliados e doadores que tem capacidade para seguir no cargo e vencer Trump em novembro

O presidente Joe Biden, durante discurso na Casa Branca (Andrew Harnik /AFP)

O presidente Joe Biden, durante discurso na Casa Branca (Andrew Harnik /AFP)

Publicado em 3 de julho de 2024 às 16h08.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, saiu do palco do debate de quinta-feira, 27, com um desafio enorme: provar que pode ser candidato. Não se trata mais apenas de convencer que ele é melhor que Donald Trump, mas que tem capacidade física e mental de comandar o país.

A má performance no programa, em que Biden, 81 anos, gaguejou nas respostas e ficou olhando para o vazio enquanto Trump falava, deu início a uma série de pressões, que vêm aumentando nos últimos dias. O presidente recebeu mensagens de apoio do ex-presidente Barack Obama e da vice, Kamala Harris. Mas os questionamentos à sua capacidade, antes restritas aos bastidores, estão agora sendo feitos em público, em uma onda de dúvidas que só cresce e que exige uma ação rápida do presidente para contê-la.

Na prática, é como se Trump tivesse se retirado temporariamente da disputa e Biden, diante de um espelho, concorresse consigo mesmo para provar ser capaz de seguir na campanha.

Um deputado democrata, Lloyd Doggett, veio a público na terça, 2, pedir que o presidente desista:

"Reconhecendo que, ao contrário de Trump, o maior compromisso de Biden sempre foi com seu país, não consigo mesmo, tenho a esperança de que ele tomará a dolorosa e difícil decisão de desistir. Eu, respeitosamente, peço que o faça.” (ASPA)

Foi a primeira vez que um parlamentar falou algo assim em público.

A deputada Nancy Pelosi, ex-presidente da Câmara por oito anos e líder dos democratas na Casa por duas décadas, também endossou as dúvidas. "Acho que é uma pergunta legítima dizer: 'Isso foi um episódio ou é uma condição?'", disse Pelosi, 84 anos, à MSNBC.

Nesta quarta, 3, o jornal The New York Times e a CNN publicaram reportagens dizendo que Biden disse a um aliado temer que a pressão gerada após o debate possa colocar em risco sua campanha como um todo, e que as ações dos próximos dias serão decisivas para confirmar ou não que ele siga na disputa. A Casa Branca, por sua vez, negou o conteúdo das reportagens e afirmou que Biden não considera desistir.

Seja como for, há outras más notícias para Biden nas pesquisas realizadas na última semana. Na terça, um estudo publicado pela CNN mostrou que 75% dos eleitores entrevistados acreditam que os democratas teriam mais chances em novembro com outro candidato.

Segundo o agregador 538, que soma dados de várias pesquisas, Trump tem 41,8% dos votos, ante 40,4% de Biden. O republicano ampliou levemente a vantagem após o debate e tem vantagem também nos estados-chave que vão decidir a eleição, mostram diversos levantamentos.

Não bastasse a pressão interna e a corrida consigo mesmo, Biden se tornou alvo de editoriais na imprensa. O jornal The New York Times e as revistas The New Yorker e Economist defenderam que ele saísse da disputa.

A revista inglesa foi incisiva: "Joe Biden está apenas enganando a si mesmo. E ele está insultando a inteligência de todo mundo".  O artigo foi enviado como alerta aos celulares de seus leitores, no mundo todo, nesta quarta.

A defesa de Biden

A estratégia de Biden para tentar reverter a crise mistura ações públicas e nos bastidores. Ele dará uma entrevista à ABC na sexta, 5, que será exibida no domingo, 7. Há também a expectativa de que ele dê uma entrevista coletiva em meio à reunião de Cúpula da Otan, que será realizada em Washington na semana que vem.

Nos bastidores, Biden teve uma conversa com doadores de campanha nesta quarta e reafirmou sua capacidade de continuar, segundo a Associated Press. Nos EUA, não há recursos públicos para campanha e quem arrecada mais dinheiro tem mais poder para fazer eventos, publicar anúncios e fazer ações na internet. No segundo trimestre, Biden ficou atrás: levantou US$ 264 milhões, ante US$ 331 milhões de Trump, segundo a Reuters. E o medo na campanha é que essa diferença se acentue diante da fragilidade do democrata.

Na noite desta quarta, ele deve se reunir com mais de 20 governadores democratas na Casa Branca. Entre eles, estarão ao menos dois nomes que podem substitui-lo na disputa: Gavin Newson, da Califórnia, e Gretchen Whitmer, de Michigan.

O calendário não será amigável a Biden. Nas próximas semanas, faltarão oportunidades de peso para chamar a atenção do público americano e tentar virar o jogo. O próximo grande evento político que Biden participará será a Convenção Nacional Democrata, que começa em 19 de agosto. Este encontro confirmará o candidato do partido, e Biden precisa garantir que os aliados e doadores seguirão apoiando ele até lá. Além disso, julho é o mês das férias nos Estados Unidos, quando os americanos estão mais interessados em aproveitar o sol — raro em muitos locais — do que pensar em política.

O presidente tem apostado em se colocar como um candidato honesto e sincero.

"Eu sei que não sou um jovem, para dizer o óbvio. Eu não ando com a facilidade que tinha. Eu não falo com a suavidade que falava. Eu não debato tão bem como costumava, mas eu sei o que sei, e sei como dizer a verdade", discursou, durante um comício na sexta, 28, dia seguinte ao debate.

Pode ser. Mas, como diz o ditado: "À mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer honesta". Biden conseguirá ver a sua própria capacidade de forma adequada? Será capaz de avaliar, por si mesmo, se tem condições ou não de seguir nessa corrida, que exigirá muito? Ou se é melhor parar e deixar o palco para outro candidato?

As respostas a essas perguntas interessam ao mundo. E só cabem a Joe Biden.

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