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América Latina tem montanha de lixo para resolver — e você também

Países da América Latina e Caribe geram cerca de 540 mil toneladas diariamente de resíduos, e quase um terço disso termina em lixões a céu aberto

Pessoas observam um caminhão despejar lixo nos arredores de Porto Príncipe, no Haiti. (Spencer Platt/Getty Images)

Pessoas observam um caminhão despejar lixo nos arredores de Porto Príncipe, no Haiti. (Spencer Platt/Getty Images)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 22 de novembro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 22 de novembro de 2017 às 05h55.

São Paulo – A lei de Lavoisier sobre conservação das massas — “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” — enfrenta um inimigo indigesto no mundo atual: a acumulação de lixo, uma invenção humana que não para de crescer e se multiplicar. Na natureza não há lixo, já que ela própria se encarrega de transformar tudo que cria. No ambiente manipulado pelas mãos humanas, a um ritmo acelerado de extração, produção e descarte, com novos e problemáticos componentes surgindo a cada momento, a montanha de sujeira é inevitável, o que não significa que ela é aceitável ou deva ser tolerada.

A má gestão dos resíduos traz a reboque graves prejuízos sociais, econômicos e ambientais. Remexer e discutir as sobras do nosso estilo de vida é um desafio que convoca à ação governos, empresas e cidadãos. E estamos muito atrasados aí. Exemplo disso é a geração de resíduos sólidos urbanos nos países da América Latina e Caribe, que atinge cerca de 540 mil toneladas diariamente, podendo chegar a 671 mil toneladas até 2050. Os dados foram apresentados pela ONU Meio Ambiente em evento da Abrelpe realizado na cidade de São Paulo na tarde de terça-feira (21).

Lixões a céu aberto 

Digna de preocupação é a taxa de envio de resíduos para lixões a céu aberto, forma mais arcaica para destinação: 145 mil toneladas de resíduos (cerca de 30% do total coletado) acabam aí diariamente.

Materiais orgânicos, como sobra de alimentos, representam mais da metade de todo resíduo descartado nas cidades latino-americanas, índice que varia bastante de acordo com a renda do país, chegando a 75% nos mais pobres e a 36% nos mais ricos.

Outro achado preocupante: é comum encontrar no lixo doméstico resíduos descritos como perigosos, incluindo baterias, equipamentos elétricos e eletrônicos, remédios vencidos, entre outros. Dá para imaginar que, sem destinação correta, esses produtos representam uma carga indigesta para o meio ambiente, com potencial de contaminar solos, rios e até mesmo o ar.

Na mesma “caçamba” são encontrados ainda os chamados resíduos secos, como metais, papéis, papelão, plásticos, vidro e têxteis que, se fossem reciclados, poderiam gerar receita e evitar extração de mais matéria-prima virgem. As poucas iniciativas de reciclagem, que atingem 20% em determinadas regiões, são fruto em grande medida do suor e trabalho do setor informal – isso mesmo, graça aos catadores, tão marginalizados nos planos de gestão pública.

Responsabilidades compartilhadas

Em se tratando de responsabilidades, segundo o estudo da ONU, os níveis de investimento público e privado em gestão de resíduos não são suficientes para financiar a infraestrutura necessária para mitigar as principais deficiências, como ampliação da cobertura de coleta, baixas taxas de reciclagem e disposição final inadequada.

Mas não basta apenas injetar recursos no setor. É preciso reforçar os mecanismos de fiscalização. A ONU destaca que embora praticamente todos os países da América Latina e Caribe tenham normas legais para serem cumpridas pelas empresas geradoras e manipuladoras de resíduos, bem como penalidades por descumprimento, a aplicação da lei em geral é problemática. No Brasil, maior gerador de lixo na América Latina e terceiro maior do mundo, por exemplo, os lixões já deveriam ter sido encerrados em 2014, mas três anos depois, 1559 cidades (30% do total) ainda descartam o lixo dessa forma.

A solução dos problemas da geração massiva de resíduos não se resume a acabar com os lixões. É preciso atacar a causa e abraçar os três “erres”: reduzir, reutilizar e reciclar. Como fazer isso? Pensar de forma diferente o design de um produto para que ele possa, primeiro, ser reutilizado para novas funções, e, segundo, ser mais fácil de desmembrar no final da vida útil é um caminho.

Outra forma é questionar as decisões de compra, resumida na clássica frase: "eu preciso mesmo disso"? Não menos importante é combater o desperdício. Atualmente, mais de 30% de toda comida produzida no mundo vai parar no lixo, o que além de representar um desperdício de recursos, como terra, solo e água usados no cultivo, é no mínimo, imoral, num mundo onde quase um bilhão de pessoas passam fome.

A problemática dos resíduos como fonte de poluição faz parte de uma agenda mundial e está entre os tópicos mais importantes da 3ª Assembleia do Meio Ambiente da ONU, que acontecerá em Nairobi, no Quênia, de 4 a 6 de dezembro. Na ocasião, o novo relatório da ONU "Rumo a um planeta sem poluição", do qual os dados acima são uma prévia, trará um panorama atual de todos os continentes, permitindo examinar o que sabemos sobre a poluição e traçar caminhos para enfrentá-la.

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