A bandeira nacional da Alemanha tremula no edifício do Reichstag diante de um céu com nuvens escuras em Berlim, (Thomas Trutschel/Getty Images)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 22 de fevereiro de 2025 às 12h06.
Última atualização em 22 de fevereiro de 2025 às 19h19.
Hanover, Alemanha* - "Não estou tão informada sobre a eleição da Alemanha quanto gostaria", diz Sophi, 18 anos, ao ouvir um pedido de entrevista da reportagem da EXAME, no centro de Hanover. Nos minutos seguintes da conversa, ela mostrou o contrário.
A estudante contou que, a quatro dias da eleição, não havia decidido em quem votar. Ela disse que sabe que não escolherá a AfD, o partido alemão de extrema-direita que está em segundo lugar nas pesquisas, mas que vários de seus amigos mais jovens têm demonstrado interesse no partido. "Eles recebem muito conteúdo deles pelas redes sociais, como o TikTok. Acham que é um partido diferente dos outros", conta.
"Acho que o governo deveria se preocupar menos com as guerras lá fora e mais com as pessoas aqui dentro. Tem muita gente sem emprego, muitos moradores de rua. E eu não quero que ocorra uma terceira guerra mundial", diz Sofi, que não quis dar o sobrenome.
A Alemanha vai às urnas neste domingo, 23, escolher um novo governo em um cenário desafiador, tanto do lado interno quanto externo. A economia vive seu pior momento desde a crise de 2008, com uma recessão que já dura dois anos. A economia encolheu 0,3% em 2023 e deve fechar 2024 com crescimento de 0%, segundo o FMI. Para 2025, o Fundo estima alta modesta, de 0,3%.
Em paralelo, a inflação disparou, a 8% em 2022, 6% em 2023 e 2,4% em 2024, o que também contribui para o mal-estar dos alemães com o governo. Assim como em outros países, como Estados Unidos e Brasil, o custo mais alto da comida fomenta a insatisfação com a política.
Um estudo feito pelo instituto Gallup mostra que os alemães estão em seu momento de maior pessimismo econômico desde a crise de 2008. No final de 2024, 38% deles disseram sentir que seu padrão de vida está piorando. Essa sensação atingiu 51% em 2008, mas depois caiu para abaixo dos 30% na década de 2010. Em 2022, voltou a subir. Além disso, só 50% dos alemães disseram ter confiança no governo. Em 2015, eram 63%.
O Gallup apontou outro indicador ruim: a insatisfação com a oferta de moradia vem subindo desde antes da pandemia e atingiu 46% em 2024. Em 2010, o percentual de insatisfeitos era a metade do total atual, e 73% dos alemães não via problemas para encontrar uma casa.
A crise alemã tem várias razões externas. Além da pandemia, o país foi um dos mais atingidos pelas consequências da Guerra da Ucrânia. Quando o conflito começou, a Alemanha decidiu parar de comprar gás russo, de quem era um grande cliente. O país teve de buscar outras fontes de energia às pressas, o que aumentou os custos para indústrias e reduziu a competitividade.
Além disso, os alemães viram os chineses avançarem rapidamente nos últimos anos em produtos industriais complexos que são especialidade do país, como os automóveis.
"A qualidade [dos produtos] está melhorando a cada ano. Isso é algo que, nos últimos dois ou três anos, realmente surpreendeu muitos exportadores alemães e europeus para a China", diz Jochen Köchler, presidente da Deustche Messe, maior operadora de feiras de negócios da Alemanha. "Os exportadores europeus estão um pouco chocados que este “fantástico mercado”, após 20 anos, desapareceu."
Neste caldo de insatisfação, a AfD acabou ganhando destaque, por seguir receitas comuns da direita em vários países, como a de prometer endurecer medidas contra imigrantes como forma de resolver os problemas da economia e de colocar a Alemanha em primeiro lugar.
O partido deve obter seu melhor resultado na história e ficar em segundo lugar. As pesquisas o apontam com cerca de 20% das intenções de voto. O empresário Elon Musk deu apoio público à AfD durante a campanha.
Outro sinal do ganho de relevância da AfD é que o candidato considerado favorito na disputa, Friedrich Merz (CDU), aceitou apoio do partido no Congresso para uma proposta de endurecer regras de imigração, após um imigrante afegão atacar pedestres em Munique, em janeiro. Antes disso, os demais partidos haviam criado um “cordão sanitário” e evitavam fazer parcerias com a AfD,por considerá-la como ameaça à democracia.
Além do gesto, Merz incluiu a proposta de endurecer as regras de imigração em sua campanha e tem buscado apostar na figura de linha-dura.
O bloco de Merz, a CDU/CSU, deve obter cerca de 30% dos votos, conforme as pesquisas divulgadas até sexta, 21. Assim, para que ele seja apontado como premiê, precisaria se unir a outras legendas. Projeções feitas pelo Financial Times apontam que a CDU poderia obter maioria ao se coligar com o SPD, de Olaf Scholz, ou com os Verdes, que estão respectivamente em terceiro e quarto lugares nas pesquisas.
Scholz é questionado na Alemanha por acusações de corrupção. Ele é investigado há anos em um processo por fraude fiscal envolvendo 36 bilhões de euros quando era prefeito de Hamburgo. Logo no início de seu governo, em 2022, teve de lidar com o começo da Guerra da Ucrânia e conseguiu manter a Alemanha sem cortes de energia após o país abrir mão do gás da Rússia, embora os custos tenham subido.
"Scholz costuma ficar calado e demorar a tomar posições sobre as coisas", disse à EXAME, Frank Behrem, um homem de 40 anos que escolhia livros (5 por 1 euro) do lado de fora de um sebo em Hannover. Ele não quis revelar seu voto, mas defendeu que a Alemanha siga investindo em energia verde e aceite mais imigrantes, "desde que eles entrem com algum controle".
O principal desafio do novo premiê será encontrar formas de reanimar a economia do país. Do lado interno, representantes do mercado alemão têm defendido que o governo aumente seu gasto público para fazer investimentos, como forma de voltar a crescer.
Uma das demandas é que o governo flexibilize uma regra constitucional conhecida como "debt brake", que limita tanto o governo nacional quanto os governos locais a manter os déficits anuais em até 0,35% do PIB. Merz diz estar aberto a rever a medida. A AfD diz ser contra.
No campo externo, o principal desafio é encontrar novos caminhos para as exportações alemãs, em um cenário que a China compra menos e deve levar produtos barrados dos EUA a outros países, com preços menores. Ao mesmo tempo, o presidente Donald Trump, que é descendente de alemães, ameaça taxar carros, aço e outros itens industriais.
"Fabricantes de máquinas e de sistemas industriais exportam mais de 70% de sua produção. Por conta disso, é muito importante o quanto custa nosso mix de energia, os gastos com funcionários e o relacionamento com os outros países", afirma Jacob Dück, diretor global do segmento industrial da Harting, uma fabricante de cabos e equipamentos industriais.
"Esta é a razão por que todo mundo está mais ou menos esperando o que acontecerá agora, depois das eleições. Especialmente como será o relacionamento com a União Europeia e os outros países", prossegue Dück. Novos caminhos para resolver tantas questões começarão a ser trilhados neste domingo.
* O repórter viajou a convite da Hannover Messe.