Discursos de ódio: 2016 foi "um ano no qual o uso cínico de uma retórica do 'nós contra eles' em discursos de culpa, ódio e medo adquiriu prominência global em uma escala nunca vista desde a década de 1930" (James Lawler Duggan/Reuters)
EFE
Publicado em 21 de fevereiro de 2017 às 22h36.
Paris - O discurso de ódio e a demonização que se impôs em muitos países do mundo, inclusive os democráticos, representa uma grave ameaça para a subsistência dos direitos humanos, alertou a Anistia Internacional (AI) em seu relatório anual divulgado nesta quarta-feira (data local) em Paris.
A organização escolheu a capital francesa para apresentar o documento - pela primeira vez fora de Londres - pela relação entre o momento que vive a França, imersa em um estado de emergência após os ataques terroristas vividos e sob risco de uma vitória ultradireitista nas próximas eleições presidenciais, e a mensagem do relatório este ano.
"Chegamos ao ponto em que já não restam linhas vermelhas, já não há nada indefensável", afirmou na apresentação o secretário-geral da AI, o indiano Salil Shetty.
A Anistia lembra em seu texto que a "retórica tóxica e desumanizadora está criando um mundo mais dividido e perigoso", no qual se debilitou perigosamente a resposta global às atrocidades maciças.
Para Shetty, 2016 foi "um ano no qual o uso cínico de uma retórica do 'nós contra eles' em discursos de culpa, ódio e medo adquiriu prominência global em uma escala nunca vista desde a década de 1930".
A organização denunciou concretamente líderes como o húngaro Viktor Orbán, o turco Recep Tayyip Erdogan, o filipino Rodrigo Duterte e o americano Donald Trump, "que dizem ser antissistema e têm uma agenda tóxica que persegue, transforma em bodes expiatórios e desumaniza grupos inteiros de pessoas".
O relatório documenta como 36 países violaram o direito internacional ao devolver ilicitamente refugiados a países onde seus direitos humanos corriam perigo.
A Anistia também expressou sua preocupação pelo chamado "veto muçulmano" de Trump, revogado nos tribunais, contra cidadãos de sete países de maioria islâmica, que dificulta aos solicitantes de asilo a busca por um refúgio seguro.
Além disso, lembrou que China, Egito e Turquia lançaram "campanhas maciças de repressão" e que em países europeus, como a França, continua em vigor o estado de emergência, que limita muitas liberdades fundamentais.
Por isso, e pela ausência de liderança em direitos humanos, a AI previu que em 2017 "veremos agravar-se as crises em curso", assim como a substituição do multilateralismo por "uma ordem mundial mais agressiva e belicosa".
Esse vazio motivou a ausência de resposta aos massacres na cidade síria de Aleppo, a morte de milhares de pessoas na "guerra contra as drogas" nas Filipinas e o uso de armas químicas em Darfur (Sudão).
O diretor para a Europa desta organização de defesa dos direitos humanos, John Dalhuisen, se mostrou especialmente preocupado pela adoção do discurso de ódio por partidos supostamente moderados, que adotam a agenda dos líderes xenófobos e ultranacionalistas para concorrer com eles nas urnas.
"Os alvos na Europa são sempre os imigrantes e os muçulmanos. Na luta contra o terrorismo vemos medidas contra a liberdade de expressão e que não respeitam a presunção de inocência", ressaltou Dalhuisen, que considerou essa situação "um presságio aterrorizador sobre o que pode vir nos próximos anos".
A Anistia considera a identificação entre refugiados e terroristas como uma das coisas mais perigosas deixadas por 2016 porque, além disso, não parte de nenhuma evidência.
Apesar de tudo, Shetty pediu para "não sermos fatalistas" porque a mensagem do relatório também quer deixar claro que "ali onde fracassam os líderes, as pessoas devem lutar contra a política da desumanização".
O "sério déficit de liderança" só poderá ser compensado com a mobilização popular, apesar de em 2016 terem sido registradas mortes de defensores dos direitos humanos em 22 países.
O secretário-geral da AI destacou em declarações à Agência Efe o exemplo da grande manifestação do fim de semana passado em Barcelona em favor dos refugiados.
"A maioria das pessoas, se as coisas lhes forem bem apresentadas, acredita que é sua responsabilidade proteger os refugiados da Síria. É tudo uma questão de como a questão é apresentada", ponderou Shetty.