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Agronegócio à prova de rigores do clima: sonho ou realidade?

Conheça os esforços dos pesquisadores brasileiros na busca por cultivos agrícolas mais resistentes às turbulências do tempo e ao aquecimento do planeta


	Resistência: exemplar de soja desenvolvido pela Embrapa é mais tolerante ao calor e à estiagem
 (RRRufino / Arquivo Embrapa Soja)

Resistência: exemplar de soja desenvolvido pela Embrapa é mais tolerante ao calor e à estiagem (RRRufino / Arquivo Embrapa Soja)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 4 de setembro de 2012 às 10h51.

São Paulo – Dois mil e doze era para ser um bom ano para a safra mundial de milho, soja e trigo, pelas previsões da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Mas no meio do caminho, ali entre junho e julho, a pior onda de calor em meio século torrou as lavouras dos Estados Unidos, o maior exportador de grãos. Condições semelhantes de estiagem também reduziram a produção de trigo no Leste Europeu. O resultado dessa reviravolta climática foi um aumento de 10% nos preços globais dos alimentos, segundo relatório do Banco Mundial (Bird), o que nas palavras do presidente da entidade Jim Yong Kim “ameaça fortemente a saúde e o bem-estar de milhões de pessoas".

Enquanto os produtores de grãos do Tio Sam estimam perdas entre 20% e 30% nos cultivos, o Brasil pode ter uma safra de grãos histórica, algo como 165,92 milhões de toneladas, de acordo com levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A expectativa é que a produção de soja nacional supere a americana, alçando o país ao posto de maior produtor mundial da oleaginosa, commodity que está na base da indústria de alimento – da produção de carne a pão. Não se pode ignorar, no entanto, que o momento de euforia vivido pelos produtores brasileiros pode passar de forma tão repentina (e sem aviso prévio) quanto a chegada da onda de calor que castiga nossos vizinhos americanos.

“Eventos climáticos extremos, que ocorriam a cada 20 anos, estão ficando mais frequentes, aumentando o potencial de perdas significativas para os produtores e consumidores”, afirma Geraldo Barros, professor da USP e coordenador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). “E o que se observa até agora é que tanto o agronegócio brasileiro como o mundial está vulnerável aos eventos climáticos, como se pode constatar inclusive em países desenvolvidos como os EUA, onde não foi possível qualquer reação importante às altas temperaturas e à seca recentes”.

Mas há esperança. E ela repousa não apenas em tecnologias que otimizem o uso do solo pela agricultura, mas no desenvolvimento de cultivos mais resistentes às intempéries climáticas. No Brasil, pesquisadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), há quase dez anos, vêm estudando o comportamento e desenvolvimento das plantas em condições adversas, a fim de identificar cultivares menos sensíveis à seca, principal ameaça climática ao agronegócio brasileiro.

“De 2004 para cá, tivemos cinco anos muito quentes com perdas fortes, na ordem de R$ 5 bilhões”, lembra o pesquisador da Embrapa Eduardo Assad, uma das maiores autoridades brasileiras no tema. Antes, eventos assim aconteciam uma vez a cada cinco anos. Mas agora, os dias estão ficando mais quentes e a temperatura no inverno está aumentando mais rápido que no verão.


Culpa do aquecimento global? “Não dá pra dizer, mas as evidências são muito fortes. A concentração de CO2 na atmosfera está aumentando, chuvas e secas extremas estão ficando mais frequentes e o gelo na Groelândia e no Ártico derreteram a nível recorde esse ano. Está com cheiro danado de aquecimento global”, sinaliza o pesquisador.

Grãos tolerantes à seca

Algumas das soluções mais curiosas para tornar nossa agricultura menos vulnerável ao clima vem da engenharia genética. Em parceria com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Embrapa está desenvolvendo variedades geneticamente modificadas de cana-de-açúcar, soja, milho, arroz e trigo. Até agora, os resultados parecem promissores. Os pesquisadores isolaram um gene relacionado à resistência e ao estresse hídrico e o introduziram em plantas modelo, que se mostraram altamente tolerantes à seca. As plantas não modificadas sobreviveram apenas 15 dias sem água enquanto que as que receberam o gene sobreviveram mais de 40 dias. O próximo passo é introduzir este gene nas culturas comerciais.

Para o pesquisador Francisco Aragão, um cultivar de soja tolerante à seca levaria esperança para regiões que sofrem com escassez de água no país, como o semiárido nordestino. Mas ele pondera que a introdução do gene resistente à seca – que iria se manifestar apenas em condições adversas, funcionando como um seguro para o agricultor – não chega a ser uma salvação milagrosa. “Ninguém é capaz de gerar um cactus. Nós procuramos uma planta que suporte um certo estresse climático. Assim, ao invés de perder 100% de sua produção, o agricultor talvez perca menos da metade” diz, destacando que nem mesmo uma planta do deserto consegue sobreviver sem água.

(RRRufino / Arquivo Embrapa Soja)

Num cenário de aquecimento, contar com a possibilidade de plantas mais tolerantes a estresses hídricos é um passo importante pela segurança alimentar do planeta. “Acreditando ou não nas mudanças climáticas, a falta de água já é um problema hoje. Para muitos agricultores, manter um sistema de irrigação é limitante e oneroso”, acrescenta José Renato Bouças Farias, chefe de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Soja. “Não dá para cruzar os braços”, alerta.

Não mesmo, e os pesquisadores da Embrapa sabem bem disso. Junto com a Unicamp, a instituição realizou em 2008 um megaestudo para avaliar o impacto das mudanças climáticas sobre a agricultura nacional. O relatório mostrou que o aumento de temperatura de dois graus previsto pelo IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, da ONU, diminuiria consideravelmente as áreas disponíveis para cultivo de grãos no país. No cenário mais pessimista, a soja sofreria perda de área da ordem de 40% nos próximos 50 anos.

Pêssego e batata também sofrem com o calor

Uma das frutas mais apreciadas no mundo, pelo sabor, pela aparência e pelo seu valor econômico, não simpatiza nada com o calor. Por esse motivo, a produção de pêssego brasileira se concentra nos estados do sul do país, onde predomina o clima temperado. Para florescer bem, os pessegueiros precisam de 150 a 300 horas de frio acumulado por ano, dependendo da variedade da fruta. Mas a garantia de uma boa colheita farta depende também do tempo favorável de forma contínua em momentos sensíveis da floração.

Nem sempre é o que acontece. “Nos últimos anos, temos visto uma mudança de temperatura muito brusca de uma semana para outra, variando de zero graus a 25 graus”, explica Maria do Carmo Raseira, do Embrapa Clima Temperado. “Se a temperatura estiver elevada, em torno de 29 graus, um pouco antes de abrir a flor, a produção de pêssego é prejudicada”, salienta a pesquisadora, que coordena os testes para identificar um genótipo mais resistente ao calor que a variedade de pêssego Granada, uma das mais sensíveis aos altos e baixos no termômetro.


E não é só o pêssego, lá no alto do galho, que sofre com o aumento da temperatura. Mesmo quem está debaixo da terra sente o revés do tempo. É o caso da batata, tubérculo que em situação de secas fica feinho, sem qualidade para chegar ao mercado consumidor, além de perder em produtividade. “Temperaturas noturnas acima de 20 graus Celsius reduzem a produção do tubérculo”, elucida a pesquisadora Caroline Castro. A explicação para as perdas é simples: durante o dia a batata faz fotossíntese, produzindo amido. Mas em noites quentes, o tubérculo respira muito e acaba consumindo esse estoque de energia, afetando assim a produtividade.

Junto com outros colegas, Carolina busca encontrar um cultivar de batata mais resistente ao calor e também aos déficits hídricos. O estudo integra o Programa Nacional de Melhoramento de Batata, que, por muito tempo, teve como foco só a tolerância a pragas e doenças como forma de melhor a qualidade. O trabalho de analisar a resistência da batata ao calor e à seca começou em 2010 e tem como ponto de partida o “germoplasma”, que na linguagem de um leigo pode ser traduzido como um grande banco de materiais genéticos.

Na prática, o que interessa saber é que os pesquisadores estão fazendo cruzamentos de várias sementes, a fim de gerar uma variedade com as características desejadas para adaptação. Os exemplares são então expostos às condições climáticas adversas, simuladas em laboratório,  até que se chegue ao cultivar resistente, um processo que necessita ser repetido à exaustão. Não pode ser diferente. "Já há estudos mostrando que com o aumento da temperatura, regiões que hoje produzem batatas não poderão mais produzir no futuro, como a Chapada da Diamantina”, ressalta Caroline.

A lição da abóbora crioula

Nem sempre é preciso recorrer a cruzamentos genéticos ou procedimentos mais complexos da ciência para achar a planta capaz de atravessar sã e salva as turbulências do tempo. A semente da sobrevivência muitas vezes está pronta na natureza, esperando só ser “descoberta”. Prova disso vem de antigas variedades de abóbora conhecidas no Brasil como "crioulas" e preservadas como relíquias de famílias entre pequenos agricultores. Durante um projeto que visa resgatar essas variedades do Sul do Brasil, a pesquisadora da Embrapa Rosa Lía Barbieri se deparou com um exemplar mais rústico que demonstra potencial para ser usado em condições de estiagem severa.

(Divulgação)

Essa variedade de abóbora, que ainda não tem nome definido, passou ilesa por uma das piores secas que acometeu o Rio Grande do Sul, em 2006. “Na plantação, todas as abóboras morreram, mas as plantas dessa variedade específica permaneceram lá, no meio da poeira, dando flor”, conta Lía. “Isso mostra a importância de se preservar a agrobiodiversidade brasileira, a semente forte estava ali, desconhecida na diversidade da cultura local”, enfatiza.

No momento, a pesquisadora e seus colegas estão finalizando as análises dos exemplares, para em seguida selecionar apenas um que será registrado como nova variedade para pequenos produtores junto ao Ministério da Agricultura. Só depois de registrada, a nova abóbora poderá ser produzida por uma empresa de semente e comercializada, um processo que pode demorar mais de dois anos. É uma corrida contra o tempo.

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