Membros do Talibã circulam em cidade próxima a Cabul: grupo tomou o Afeganistão em poucos dias após saída dos EUA (AFP/AFP)
Da redação, com agências
Publicado em 15 de agosto de 2021 às 09h44.
Última atualização em 16 de agosto de 2021 às 13h16.
Em movimento já esperado, o Talibã chegou neste domingo, 15, à capital do Afeganistão, Cabul, após dias conquistando cidades no entorno diante da retirada das tropas dos Estados Unidos.
Na tarde deste domingo, já noite no Afeganistão, os homens do Talibã adentraram o palácio presidencial, como mostram imagens da rede de TV Al Jazeera.
Horas antes, foi confirmado que o presidente Ashraf Ghani deixou o país após ficar claro que o Talibã havia tomado o controle da capital. Ghani diz ter fugido para evitar derramamento de sangue.
Um porta-voz do Talibã declarou mais cedo que o grupo buscava “uma rendição pacífica" do governo afegão e que que “todos os que serviram ao governo e aos militares serão perdoados”.
Mas uma das principais preocupações da comunidade internacional é que afegãos que interagiram com as forças dos EUA nos 20 anos de ocupação americana sejam punidos pelo Talibã. Países como o Canadá já passaram a oferecer programa de asilo aos afegãos.
Em comunicado, o Talibã afirmou também que não pretende tomar a cidade “à força”, com a ressalva de que essa não é uma declaração de cessar-fogo. “Não queremos que nenhum afegão civil e inocente seja ferido ou morto enquanto tomamos o controle.”
A expectativa era de que o governo do Afeganistão caísse rapidamente após o cerco a Cabul, com o exército oficial do país sem condições de deter o Talibã.
O ministro do Interior, Abdul Sattar Mirzakwal, divulgou vídeo afirmando que será feita uma "transferência pacífica de poder", mas não deu detalhes sobre como estão as negociações.
O Talibã controlou o Afeganistão entre 1996 e 2001, quando seguiu uma versão radical do islamismo nos costumes, vetando o consumo de álcool e a livre circulação de mulheres.
A rápida ofensiva militar do grupo, que em duas semanas tomou 26 das 34 capitais de províncias, acontece no vácuo da saída das tropas americanas.
Os EUA estavam no país desde 2001, após terem tomado o controle do próprio Talibã e tentado criar instituições de Estado junto ao governo afegão.
Na tarde deste domingo, o aeroporto de Cabul virou cenário de caos à medida em que civis e oficiais estrangeiros tentavam deixar o país.
O presidente americano, Joe Biden, enviou mais mil soldados à região para assegurar a evacuação da Embaixada dos Estados Unidos. Outras potências ocidentais, como Reino Unido e Alemanha, também estão evacuando a região.
A embaixada dos Estados Unidos em Cabul disse que a situação de segurança no aeroporto estava mudando rapidamente e que havia relatos de tiros enquanto as tropas dos EUA ajudavam na evacuação de funcionários norte-americanos.
Além do controle da capital, o Talibã também garantiu hoje que havia assumido ainda o controle da prisão militar de Bagram, que foi durante anos um símbolo da ocupação militar das forças internacionais no Afeganistão. Os presos foram libertados.
O local abrigava muitos líderes da insurgência do Talibã e centenas de presidiários, e foi usada como a maior e mais importante prisão dos EUA no Afeganistão. O controle da polêmica prisão foi transferido para o governo afegão em 2013.
Embora o centro fosse considerado uma fortaleza por sua alta tecnologia militar, os americanos deixaram o local sem prévio aviso e sem treinar as forças afegãs para o uso do equipamento, apontaram oficiais locais após a saída dos norte-americanos.
A promessa do presidente americano, Joe Biden, foi de retirar todas as suas forças do Afeganistão antes do 20º aniversário dos ataques de 11 de setembro, que aconteceram em 2001.
Com a maior parte das forças americanas já fora do país, era esperado que o Talibã avançasse, mas a ofensiva aconteceu de forma ainda mais rápida do que o previsto.
Apesar dos avanços do Talibã, Biden disse que não mudaria de ideia sobre a saída americana. Mais de 70% dos americanos dizem apoiar a retirada.
Os EUA invadiram o Afeganistão em 2001, após o 11 de setembro, acusando o país, controlado então pelo Talibã, de estar escondendo o terrorista Osama Bin-Laden, da Al Qaeda e que se disse responsável pelo ataque às Torres Gêmeas.
Desde então, o governo afegão conseguiu retomar parte do país com o apoio das forças armadas americanas, mas o Talibã nunca deixou de ser uma ameaça e a guerra nunca foi de fato vencida, diferente do que os EUA imaginavam.
Em dado momento, antes de 2012, os EUA chegaram a ter mais de 100.000 soldados no Afeganistão, e o custo da guerra com o Talibã chegou a 100 bilhões de dólares por ano.
A estimativa do Departamento de Defesa dos EUA é que a guerra no Afeganistão tenha custado só até 2019 mais de 770 bilhões de dólares, mas projeções apontam que o custo já supera 1 trilhão de dólares.
Sucessivos governos americanos vinham sendo pressionados a encerrar a "guerra sem fim" no Afeganistão. O governo Biden foi eleito prometendo lidar com problemas internos dos EUA e encerrar guerras no exterior, que vinham drenando recursos públicos americanos.
Esse dilema fez o atual secretário de Estado americano, Antony Blinken, defender a saída norte-americana há algumas semanas.
"A ameaça terrorista mudou para outro lugar. E temos outros assuntos muito importantes em nossa agenda, incluindo o relacionamento com a China, incluindo lidar com questões que vão desde a mudança climática até a covid", disse Blinken à rede ABC.
Neste domingo, no entanto, após a entrada do Talibã em Kabul, Blinken admitiu que a rapidez com que o grupo retomou o controle foi surpreendente.
Na outra ponta, nomes como o chefe da CIA, William Burns, e alguns generais dos EUA, como o ex-chefe militar David Petraeus, haviam argumentado que essa medida poderia mergulhar o Afeganistão em mais violência e, ainda, deixar os Estados Unidos mais vulneráveis a ameaças terroristas.
(Com Estadão Conteúdo e agências internacionais)
Fique por dentro das principais análises econômicas. Assine a EXAME.
Toda semana tem um novo episódio do podcast EXAME Política. Disponível abaixo ou nas plataformas de áudio Spotify, Deezer, Google Podcasts e Apple Podcasts