Soldados americanos no Afeganistão: com a proximidade do fim da missão da Otan, as autoridades dos Estados Unidos estão determinados a retomar as negociações com o Talibã. (AFP/ Manjunath Kiran)
Da Redação
Publicado em 19 de junho de 2013 às 13h43.
Cabul - O governo afegão ameaçou nesta quarta-feira boicotar as negociações de paz com os rebeldes talibãs no Qatar, que deveriam contar com a participação dos Estados Unidos, a menos que as mesmas sejam realizadas, exclusivamente, sob o comando de afegãos.
O Alto Conselho para a Paz (HCP), instância criada pelo presidente afegão Hamid Karzai para negociar com os insurgentes, emitiu duas declarações ameaçando sabotar os esforços americanos para iniciar o diálogo, no dia seguinte à abertura pelo Talibã de um gabinete para o diálogo no pequeno emirado do Golfo.
"O HCP não participará das negociações de paz no Qatar, a menos que sejam conduzidas pelos afegãos", indicou a presidência.
A decisão foi tomada após uma reunião entre Karzai e membros do conselho.
Em um comunicado enviado à AFP, os rebeldes afegãos explicaram que seu novo gabinete ajudará a estabelecer relações com o resto do mundo e com outros grupos afegãos, mas não fez nenhuma referência direta à negociações de paz.
Com a proximidade do fim da missão da Otan no Afeganistão, as autoridades dos Estados Unidos, que lideram as forças internacionais, estão determinados a retomar as negociações com o Talibã após contatos preliminares.
Mas Karzai, que preside o país com o apoio dos Estados Unidos desde a invasão das forças estrangeiras em 2001, se opõe a negociações bilaterais EUA-Talibã.
"O Afeganistão deseja se juntar as negociações de paz com os talibãs, mas os sinais de guerra e de massacre que foram enviados ao mesmo tempo que a abertura do gabinete (em Doha) vão contra esta vontade de paz", acrescentou a presidência, em referência ao ataque contra a base de Bagram na madrugada desta quarta-feira, que matou quatro militares americanos.
"As modalidades de abertura do gabinete talibã no Qatar e as mensagens enviadas vão de encontro às garantias dadas pelos americanos aos afegãos", insistiu a presidência.
"Os últimos acontecimentos mostram que intervenções estrangeiras estão por trás deste gabinete", indicou o comunicado, sem mais detalhes.
Mais cedo, o governo afegão suspendeu suas negociações de acordo bilateral de segurança com Washington para registrar o descontentamento após o anúncio da intenção americana de dialogar diretamente com o Talibã.
"O presidente está descontente com o nome utilizado para designar o escritório político afegão, chamado de escritório político do Emirado Islâmico do Afeganistão", disse o porta-voz presidencial.
"Somos contrários a esta denominação de "emirado islâmico do Afeganistão" pela simples razão de que esta entidade não existe. Os americanos estão a par da posição do presidente Karzai", afirmou Aimal Faizi.
A suspensão do acordo, que deve definir as modalidades da presença americana no Afeganistão ao fim da missão de combate da Otan, em 2014, foi decidida após uma "reunião excepcional" entre o presidente afegão, seus assessores e a equipe responsável pela segurança nacional.
Em resposta à suspensão de negociações, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, declarou em Berlim que espera que o processo de reconciliação no Afeganistão continue, apesar da reação de Cabul aos contatos diretos entre Washington e os islamitas talibãs.
"Espero que o processo continue, apesar dos desafios", afirmou Obama, em coletiva de imprensa.
Mas o porta-voz de Karzai declarou à AFP que há uma "contradição entre o que o governo americano diz e o que ele faz sobre as negociações de paz no Afeganistão".
A tensa relação entre Karzai e Washington provocou disputas públicas no passado, mas muitos afegãos também reagiram com ceticismo à notícia de que o Talibã está pronto para negociações de paz.
"É um erro histórico dos Estados Unidos reconhecer e dar legitimidade a uma rede terrorista que mata todos os dias civis afegãos, mulheres e crianças", considerou Shukria Barakzai, deputada afegã.
O governo afegão assumiu na terça-feira oficialmente o controle da segurança do país, que estava nas mãos da Otan desde 2001.