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Acordo de paz e disputa por gás mudam jogo geopolítico do Oriente Médio

A negociação de novos acordos entre Israel e países árabes abre um capítulo inédito na história da região; briga por reservas de gás natural também cresce

Porto do Líbano reabre parcialmente para receber ajuda humanitária, depois da explosão que destruiu parte da cidade (Haytham Al Achkar/Getty Images)

Porto do Líbano reabre parcialmente para receber ajuda humanitária, depois da explosão que destruiu parte da cidade (Haytham Al Achkar/Getty Images)

CA

Carla Aranha

Publicado em 23 de agosto de 2020 às 14h10.

Última atualização em 24 de agosto de 2020 às 08h32.

Poucas vezes o Oriente Médio esteve com tanta intensidade no foco das atenções mundiais – do acordo de paz histórico entre Israel e os Emirados Árabes, assinado no último dia 13, ao desastre humanitário e econômico no Líbano, a região passa por um período significativo de transformações. A descoberta de grandes reservas de gás no Mediterrâneo, cuja exploração tem sido objeto de disputa entre os países, trouxe um novo elemento para o jogo geopolítico no Oriente Médio.

Para discutir essas e outras questões, EXAME ouviu Gallia Lindestrauss, pesquisadora especializada em política externa turca do Institute for National Security Studies, de Israel, e do Bipartisan Policy Center, de Washington, e Efraim Inbar, especialista em geopolítica do Oriente Médio e fundador do Begin-Sadat Center for Strategic Studies. Veja a seguir, os principais trechos da entrevista.

De que modo o acordo de paz entre Israel e os Emirados Árabes deve influenciar o mapa geopolítico do Oriente Médio? Outros países árabes, como Omã e Bahrein, também podem reestabelecer relações diplomáticas com Israel?

Lindenstrauss – O acordo de normalização de relações diplomáticas entre Israel e os Emirados Árabes é claramente uma conquista do bloco de países da região que busca conter as aspirações hegemônicas do Irã no Oriente Médio. O fato de que a cooperação entre Israel e os Emirados Árabes agora é uma realidade, e não mais uma intenção, representa um passo importante na demonstração de compromisso daqueles que tentam impedir o Irã de avançar em seu programa nuclear.

Inbar – É preciso também lembrar que o acordo foi assinado em um momento em que os Estados Unidos estão prestes a realizar uma eleição presidencial. Caso Joe Biden seja vitorioso, os Estados Unidos podem rever sua adesão ao acordo nuclear iraniano, o que representa uma bandeira vermelha para Israel. Acordos de paz com outros países do Golfo Pérsico, como Omã e Bahrein, que já vinham sendo negociados, podem surgir sim.

A Turquia tem sido um ator importante no jogo de forças do Oriente Médio. Por que o país se posicionou contra o acordo de paz?

Lindenstrauss – Há uma longa história de apoio da Turquia à causa palestina. A diferença entre o presidente Erdogan e os líderes anteriores da Turquia é que ele é mais vocal a esse respeito. Além disso, Erdogan desenvolveu relações próximas com o Hamas, que Israel considera uma organização terrorista.

O acordo de paz entre Israel e os Emirados, e possivelmente com outros países do Golfo Pérsico, pode representar um entrave às aspirações de liderança da Turquia na região?

Lindestrauss -- Sem dúvida. A Turquia é vista como líder de um eixo de influência no Oriente Médio. Erdogan apoia movimentos como a Irmandade Muçulmana, que prega o pan-islamismo e segue uma linha religiosa mais radical. Em países como o Bahrein, Arábia Saudita e os Emirados Árabes, a Irmandade Muçulmana é considerada uma entidade terrorista.

Inbar – A resposta é simples, a meu ver. A Turquia é muito ligada ao Qatar, que é um adversário dos Emirados Árabes.

O Líbano também pode, em algum momento, se mostrar disposto a conversar sobre o reestabelecimento de relações diplomáticas com Israel?

Inbar – Existe uma disputa entre os dois países por uma faixa das águas territoriais entre ambos, no Mediterrâneo, que nunca foi definida. O Líbano vive uma grave crise econômica e humanitária, e a disputa dificulta a exploração de gás natural que foi encontrada há alguns anos no mar. Vamos acompanhar os próximos acontecimentos, mas um dos problemas é que o Hezbollah governa o Líbano e é hostil a Israel.

Lindestrauss – A área de disputa em relação à delimitação marítima não é tão grande, mas por causa dos problemas entre Israel e o Líbano tem sido difícil resolver as diferenças entre os dois países. Houve tentativas dos Estados Unidos de mediar a disputa, sem sucesso. Claramente, seria uma fonte de esperança para uma situação econômica melhor no Líbano se o país pudesse avançar mais seriamente na direção da exploração de gás natural.

Para finalizar, qual é a importância geopolítica da descoberta de grandes reservas de gás no Mediterrâneo, na região que vai do litoral da Grécia ao Oriente Médio?

Lindestrauss - As descobertas tornaram a região muito mais importante do que era antes, do ponto de vista econômico e geopolítico, e causou uma divisão crescente entre a Turquia, por um lado, e Grécia, Chipre, Israel e Egito, por outro. É algo para ficarmos muito atentos.

Inbar – Essa questão é primordial. Tem tanto gás no Mediterrâneo, inclusive nas águas territoriais da Turquia, que o país poderia reduzir de forma significativa a importação de gás natural da Rússia.

 

 

 

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