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Abulof, de Tel Aviv: vacinas não foram suficientes para salvar Netanyahu

Na quarta eleição em dois anos em Israel, Netanyahu não conseguiu votos suficientes, e a oposição tenta formar uma coalizão. Para o professor Uriel Abulof, um acordo entre árabes e judeus é imprescindível

Abulof, da Universidade de Tel Aviv: "a sociedade israelense nunca esteve tão preparada para ter um governo sem Netanyahu" (Cornell University/Divulgação)

Abulof, da Universidade de Tel Aviv: "a sociedade israelense nunca esteve tão preparada para ter um governo sem Netanyahu" (Cornell University/Divulgação)

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Carolina Riveira

Publicado em 28 de março de 2021 às 08h01.

Última atualização em 29 de março de 2021 às 20h34.

A frase virou lugar comum nos últimos anos, mas segue precisa: mais uma eleição passou em Israel e foi, como nas anteriores, um referendo sobre Benjamin Netanyahu. O primeiro-ministro está no poder há 12 anos, mas tem tido dificuldade em formar uma coalizão que conquiste a maioria de 61 das 120 cadeiras no Parlamento, o Knesset. Nem a vacinação recorde foi suficiente para garantir a vitória. Com os votos já contabilizados e um virtual empate entre governo e oposição, o foco sai das urnas e ruma aos bastidores, na expectativa pela formação de alianças. A oposição tenta unir um bloco anti-Bibi — como o premiê é conhecido —, e reuniões têm acontecido sem parar nos últimos dias. Se um governo não for formado, Israel pode chegar à quinta eleição em dois anos, o que seria um desastre.

Para o cientista social israelense Uriel Abulof, que estuda nacionalismo e conflitos étnicos nas universidades de Tel Aviv, em Israel, e Cornell, nos EUA, a onipresença de Bibi fez do premiê um "buraco negro, que engole tudo à volta" na política de Israel. Passada a votação, Abulof aponta que a dúvida agora é se o bloco de oposição, liderado por nomes de centro e direita, conseguirá deixar as diferenças de lado para uma improvável aliança com os partidos árabes. "Se quiserem tirar Netanyahu, não tem nenhum outro jeito. Isso é matemático", diz. Em entrevista à EXAME por videoconferência um dia após a eleição de terça-feira, 23, o professor falou sobre a falta de liderança na oposição e o combate à pandemia em Israel, que considerou "um fracasso", apesar da vacinação. Leia abaixo os principais trechos.

Quais são as possibilidades de formar um governo neste momento?

Para Netanyahu, o que vai ser determinante é se alguém vai deixar o campo de oposição para se juntar a ele. Uma possibilidade que parecia quase ridícula há alguns meses, mas que agora é de alguma forma viável, é que Bibi possa ser capaz de conseguir o apoio do partido árabe menor, o Ra'am [legenda que deixou a lista conjunta dos partidos árabes para concorrer sozinha]. Parecia ridículo porque Netanyahu é de uma ala muito à direita, e sua coalizão é ainda mais. Então, imaginar uma coalizão apoiada, ainda que de fora, por um partido árabe, não faz muito sentido. Mas, para se manter no poder, é possível. A maioria das pessoas com as quais tenho conversado acredita que Netanyahu continuará primeiro-ministro.

E a oposição?

Uma das possibilidades mais interessantes em termos de potenciais coalizões é se o campo anti-Bibi, que junto tem a maioria de 61 ou mais cadeiras, formar de verdade uma coalizão. Exigiria uma espécie de colaboração árabe-judaica. Não é uma coisa fácil de fazer. Mas o que temos vivenciado nos últimos dois anos foi um processo de aprendizado muito intenso, da parte do público e dos políticos. Ficou claro que tirar Bibi passa por essa colaboração. Não há nenhuma outra forma. E nós tivemos essa evidência mais uma vez nesta eleição.

Protestos contra Netanyahu em Tel Aviv: há grupos diversos insatisfeitos com o premiê, mas oposição é fragmentada (Ammar Awad/Reuters)

O bloco de oposição tem muitos partidos de direita, como o New Hope do ex-ministro de Netanyahu, Gideon Sa'ar. Uma aliança entre árabes e judeus seria possível nesse contexto?

A única questão aberta na minha cabeça é se os políticos serão corajosos o suficiente para fazer acontecer. Seria um momento sem precedentes, um terremoto na sociedade israelense. Mas acho que nunca antes a população de Israel esteve tão preparada para isso, especialmente após este ano de pandemia. E digo isso porque ao longo do ano vimos de novo e de novo não só que o vírus não faz distinção entre judeus e árabes, obviamente, mas também que demanda cooperação. Árabes estiveram muito presentes no corpo médico, ajudando as pessoas. Talvez eu seja a minoria, mas acredito que o terreno está preparado para um movimento ousado como esse.

Algo frequentemente dito sobre Israel é como as alianças se resumem a grupos anti-Bibi e pró-Bibi, e não necessariamente esquerda ou direita. Isso se mostrou novamente verdade nesta eleição?

Exatamente. A presença contínua de Bibi de certa forma deformou a política israelense. É muito menos ideológico do que costumava ser. Ou você é contra ou é a favor de Bibi. Ele conseguiu transformar o debate de tal forma que, se você apoia os árabes, você é de esquerda, é um traidor da causa, do povo judeu, de Israel. Mas, se eu, Bibi, estou fazendo isso, se estou procurando os árabes para uma coalizão, aí tudo bem. E nesta eleição, possivelmente esse movimento do Bibi de buscar árabes para a coalizão -- o que ele está fazendo em uma tentativa desesperada para vencer -- pode justamente tirá-lo do poder. Netanyahu pinta os árabes como se não fossem parte da democracia. E muitos partidos da oposição compram esse discurso. O irônico agora é que Netanyahu precisa da minoria árabe. E os partidos mais à direita do bloco anti-Bibi podem dizer "se você vai colaborar com eles para se manter, nós também podemos".

De quem são os votos cruciais para formar o governo? 

Há dois partidos que serão importantes. Um é o New Hope de Sa'ar, embora tenha ficado muito menor do que eles esperavam. Mas se tornou um partido de direita muito importante. Outro é o Ra'am, o partido árabe menor. Se esses dois estiverem dispostos a colaborar, Bibi está fora.

De resto, Lieberman [do partido de centro-direita Yisrael Beiteinu] já tomou sua decisão a favor de uma coalizão. Na última eleição, ele estava disposto a colaborar com os árabes, é só que outros partidos não estavam. Yair Lapid [do Yesh Atid, de centro] também apoiaria. Obviamente também o Meretz e o Partido Trabalhista [ambos de esquerda]. E eu acredito que a Lista Conjunta de partidos árabes, da qual o Ra'am saiu, também está disposta a abrir mão de muitas coisas para fazer esse movimento.

Ainda sobre a oposição: o Azul e Branco despontou na eleição de 2019 como talvez a primeira grande ameaça contra Netanyahu em algum tempo. Depois, em 2020, fizeram acordo para participar do governo e terminaram encolhendo nesta eleição. O que mudou?

Foi um movimento muito inteligente por parte do Netanyahu. Depois da eleição de março de 2020, o Azul e Branco tinha uma ótima chance de formar sua própria coalizão, mas preferiu se juntar ao governo do que buscar um acordo com os árabes. A culpa dessa queda de popularidade é deles próprios. Esse é o processo de aprendizado ao qual venho me referindo. Se você quer tirar Bibi, terá que fazer uma colaboração árabe-judaica. Não há nenhum outro jeito. É matemático. A conta não fecha.

E Benny Gantz, apesar de tudo isso, também teve chance de fazer mudanças substanciais no Parlamento. Individualmente havia pessoas no Azul e Branco dispostas a fazer algumas coisas contra Netanyahu. Mas Gantz teve medo. E em parte porque Bibi, no começo da pandemia, conseguiu semear o medo de tal forma que eu sinto que Gantz ficou quase apavorado em se tornar premiê no meio da crise do coronavírus.

Netanyahu (à esq.) e Gantz (à dir.): principal opositor nas últimas duas eleições, Gantz perdeu espaço ao decidir se juntar ao governo no ano passado (HEIDI LEVINE/POOL/AFP/Getty Images)

Semear o medo em que sentido?

É diferente do que vocês viram no Brasil: Bolsonaro e Trump [ex-presidente americano] praticamente tiveram a mesma linha de que a pandemia não era séria. É interessante, aliás, que vocês têm líderes populistas não usando a pandemia a seu favor. O Netanyahu é mais, digamos, sofisticado. Ele sabia que a melhor coisa a fazer era semear medo. No começo da pandemia ele estava pintando o coronavírus como se fosse uma espécie de "segundo Holocausto", dizendo que haveria milhões de pessoas morrendo em Israel. Obviamente, a pandemia é péssima. Mas ele conseguiu pintar como se fosse o apocalipse.

É interessante como Brasil e EUA tiveram líderes populistas não usando a pandemia a seu favor

E como o coronavírus influenciou a eleição? A pandemia e as quarentenas foram uma coisa, mas agora temos essa nova fase com as vacinas, e Israel virou uma estrela global neste quesito. Por que as vacinas não foram suficientes para Netanyahu ganhar com folga?

Eu acredito que ficou um equilíbrio no fim. Antes das vacinas, o governo geriu de forma desastrosa a pandemia. Tudo foi muito politizado. E alguns grupos foram favorecidos: o governo dizia "teremos um lockdown muito rigoroso aqui e aqui", mas não nas áreas dos ultra ortodoxos. Israel é um país pequeno, quase uma ilha, com população jovem, um sistema de saúde público muito bom. A gestão da pandemia deveria ter sido um sucesso. Não foi. Se olhar para as taxas de mortalidade por milhão, Israel não foi bem. E nenhum país da OCDE [clube dos países ricos] fechou completamente o sistema educacional o ano todo como nós fizemos. Para muitos, ficou claro que Netanyahu falhou.

Por outro lado, como você mencionou, a vacinação foi um sucesso gigantesco. E Netanyahu teve papel importante. Esteve disposto a pagar talvez o dobro do que outros países para ter a vacina o mais rápido possível. Ele sabia que tinha uma eleição pela frente, e fez o que era preciso. E foi uma coisa boa, obviamente. Então eu diria que para a população de Israel isso se equilibrou com as suas falhas ao longo do ano. Basicamente terminamos onde estávamos no ano passado: um empate entre quem o apoia e quem se opõe.

Igreja em Jerusalém reaberta em outubro de 2020: Israel teve lockdown restrito, mas exceções para os judeus ortodoxos irritaram parte da população (Emmanuel DUNAND / AFP)

Como o senhor mencionou, houve protestos frequentes contra Netanyahu na pandemia. Por que, mesmo assim, a oposição não consegue vencê-lo?

A política em Israel é algo muito tribal. E o que falta para as tribos anti-Bibi é que elas não têm um líder claro. Eles acharam que tinham encontrado um líder no Gantz, mas não funcionou. E agora há esse esforço para encontrar outra pessoa possível.

Esse cenário de falta de liderança na oposição tem sido visto também em outros países. Fica mais difícil para um opositor despontar quando há esse tipo de governo mais polarizado como o de Netanyahu?

A questão com esses líderes, que às vezes são chamados de populistas -- e não sei se esse é o melhor termo --, é que às vezes eles se tornam uma espécie de buraco negro. Eles sufocam tudo em volta deles, sugam a energia. Esses líderes frequentemente conseguem fazer as pessoas acreditarem que seus rivais são inimigos dentro do sistema. Vira uma zona de guerra. É difícil formar uma oposição unitária contra essa força. É preciso que um opositor ganhe poder suficiente a ponto de conseguir quebrar a lógica. Mas você está tão fraco que é mais tentador, às vezes, ir para a briga dentro do seu próprio campo do que brigar contra o outro, porque ele é muito poderoso. Claro, desde que as eleições sejam livres e justas, é possível vencer. Mas é muito difícil. Vemos o que aconteceu na Hungria, por exemplo, vimos isso na Rússia, vemos nas Filipinas. É um fenômeno mundial e é muito, muito difícil brigar contra essas táticas.

A oposição está tão fraca que é mais tentador, às vezes, ir para a briga dentro do seu próprio campo

Israel fez no ano passado acordos tido como históricos de reestabelecimento de relações diplomáticas com países vizinhos como os Emirados Árabes Unidos e o Marrocos. Qual é a importância desses acordos?

Foi uma conquista. E olha que eu sou opositor do Netanyahu, como você deve imaginar à essa altura [risos]. Talvez o crédito seja mais do Trump nessa questão, mas não é uma conquista menor. Por outro lado, não é uma mudança muito dramática, Israel já tinha relação com outros países do Golfo. O grande negócio seria a Arábia Saudita. Esse, sim, seria um acordo muito significativo. Se Bibi, ou qualquer outro líder em Israel, será capaz de conseguir isso, é uma boa pergunta. Mas acredito que novamente dependerá muito mais da administração dos Estados Unidos, agora sob Biden, em buscar isso ou não.

Algo nessa relação com os vizinhos árabes pode mudar em um próximo governo?

Esses acordos mudam muito pouco da realidade na linha de frente. Ainda há metade da população entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo que são palestinos. Assinar um acordo de paz com a Arábia Saudita não mudaria esse fato. A pergunta segue: Israel quer continuar governando-os [os palestinos], de um jeito ou de outro, ou está disposto a permitir o estabelecimento de uma Palestina independente? É tão simples quanto isso. E eu não vejo nenhum líder contemporâneo em Israel que seria corajoso o suficiente para fazer movimentos substanciais nessa frente.

Trump e diplomatas na Casa Branca, em outubro: acordo de paz com árabes intermediado pelo presidente americano (Win McNamee/Getty Images)

Além da pandemia e da imagem de Netanyahu, quais são os outros grandes tópicos dessa eleição em Israel? O que tem mobilizado o eleitor?

Uma das coisas interessantes é que, justamente, não há quase nenhum tópico discutido. Foi basicamente se você é a favor ou contra Bibi. Até mesmo a pandemia não foi tão debatida porque, de forma geral, ela já acabou em Israel por causa da vacinação. Sim, você pode tentar debater questões econômicas, isso esteve presente de alguma forma com a pandemia. Mas mesmo isso foi marginalizado. Bibi também tentou falar um pouco de segurança, sobre não cooperar com os árabes, sobre os inimigos de dentro e de fora, a mídia... Mas não mobiliza.

Literalmente a única coisa que importa é se você diz sim ao Bibi ou se já se cansou dele. E mesmo isso não esteve totalmente aberto para debate, porque as pessoas já tinham uma certa concepção formada.

 

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