A SELVA EM CHAMAS: símbolo da incapacidade da Europa de lidar com o 1,3 milhão de refugiados que cruzaram o Mediterrâneo / Philippe Wojazer/ Reuters
Da Redação
Publicado em 26 de outubro de 2016 às 09h24.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h59.
Lourival Sant’Anna
O acampamento improvisado de imigrantes no Porto de Calais, na França, conhecido como “a Selva”, está sendo desmantelado desde segunda-feira, numa operação que deve durar uma semana. Símbolo da incapacidade da Europa de lidar com o 1,3 milhão de refugiados que cruzaram o Mediterrâneo desde o início de 2015, a Selva abrigava atualmente 6.300 pessoas, depois de o número ter chegado a 10 mil, em meados do ano.
Os refugiados estão sendo levados de ônibus para cerca de 400 centros de acolhimento no interior da França. A operação conta com 1.200 policiais, e transcorreu sem maiores incidentes, nos dois primeiros dias. Mas a tensão pode aumentar, já que muitos dizem que não vão desistir de cruzar o Canal da Mancha e alcançar a costa da Grã-Bretanha, a 33 km do Porto de Calais. Eles afirmam que já têm parentes lá, ou que simplesmente não querem ficar na França.
Em fevereiro, uma operação semelhante de evacuação da parte sul do campo foi marcada por confrontos entre a polícia e refugiados que resistiam à retirada. Alguns atearam fogo nas tendas e atiraram pedras nos policias, que reagiram com canhões de água e bombas de gás lacrimogêneo. Nesta terça-feira, houve pequenos incêndios, mas foram rapidamente extintos.
O acampamento existe há 18 meses, e se transformou em uma favela, com barracos improvisados e péssimas condições sanitárias. Os moradores recebiam ajuda de organizações não-governamentais. À medida que as pessoas vão sendo retiradas, saindo apenas com malas e mochilas, motoniveladoras entram em ação, derrubando os barracos, e os dejetos são despejados em caminhões.
Até esta terça-feira, haviam sido retiradas 2.574 pessoas. O governo francês promete fazer uma triagem, averiguando quem tem direito a asilo político, por serem individualmente perseguidos em seus países, ou a refúgio, por não terem condições de segurança para voltar para suas casas, em áreas de conflito. Imigrantes econômicos provavelmente terão menos chances de ficar. Até agora, as principais nacionalidades identificadas foram sudaneses, afegãos e paquistaneses.
A maior preocupação das autoridades é com os cerca de 1.300 menores desacompanhados. Até esta terça-feira, 539 tinham sido levados para contêineres com aquecimento, ali mesmo na área do acampamento. O ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, disse que as autoridades britânicas concordaram em receber os menores com parentes na Grã-Bretanha, ou que têm um “motivo de força maior” para entrar no país.
O governo britânico prometeu 40 milhões de euros para ajudar a França na operação. Os franceses têm investido em medidas de segurança, como cercas, arame farpado e câmeras, além de guardas, para evitar a fuga dos imigrantes para a Grã-Bretanha. Em geral eles tentam cruzar o canal à noite, subindo nas carrocerias dos caminhões e nos trens que trafegam no Eurotúnel, ou até mesmo pelo mar, em embarcações e a nado. Ao menos 26 morreram nessa travessia arriscada.
No dia 13, ao anunciar o desmantelamento da Selva, Pascal Brice, diretor do Departamento Francês de Proteção dos Refugiados e Apátridas (Ofpra), garantiu ser “quase impossível” fugir para a Grã-Bretanha. “Calais acabou”, disse ele. “As pessoas precisam saber que não faz sentido ir para lá, é um beco sem saída.”
Mas organizações não-governamentais manifestaram preocupação com a solução encontrada pelas autoridades. “O que vai acontecer com os milhares de menores que vão continuar chegando?”, perguntou Samuel Hanryon, porta-voz dos Médicos Sem Fronteiras. “Enquanto houver os mesmos fluxos migratórios, e as mesmas políticas de migração em ambos os lados do Canal, nada vai mudar.”
Segundo Brice, a França deve receber no máximo 100 mil pedidos de asilo este ano, ou 20% a mais do que no ano passado. O país se comprometeu a acolher 30 mil refugiados que estão nos países que fazem fronteira com a Síria, assim como na Itália e na Grécia, conforme o Plano de Reassentamento da União Europeia. Cerca de 4 mil já foram recebidos.
Os migrantes reagiram de formas diversas: uns, ansiosos para sair da Selva e com esperança de começar uma vida nova na França; outros, insistindo que queriam ou precisavam ir para a Grã-Bretanha.
“Estou aqui há três meses, mas não é nada bom”, disse ao jornal The New York Times o sudanês Hassan Khaled, de 26 anos, que fugiu do conflito em Darfur. “Não é Europa estar na Selva. Eu vim aqui para procurar uma vida nova, pessoas novas, civilizações novas. Mas aqui sinto que ainda estou na África.”