Jovem extremista: estima-se que ao menos 20.730 ocidentais tenham viajado para a Síria para lutar ao lado do Estado Islâmico. 30% deles retornaram aos seus países de origem (Thinkstock)
Gabriela Ruic
Publicado em 2 de dezembro de 2015 às 09h47.
São Paulo – Nos últimos anos, a Dinamarca observou o aumento no fluxo de jovens que foram à Síria se juntar ao Estado Islâmico (EI). Muitos deles voltaram e pediram ajuda para deixar o radicalismo. Como resposta, a cidade de Aarhus, que fica a cerca de 190 quilômetros da capital Copenhague, criou um programa de reabilitação para extremistas. Jorgen Illum, comissário da polícia local, falou a EXAME.com sobre o projeto.
Números do Centro Internacional de Estudos da Radicalização e Violência Política, que faz parte da King’s College de Londres (Reino Unido), comprovam que, na Europa, a Bélgica e a Dinamarca são dois dos países mais afetados pelo problema da radicalização.
Na Bélgica, por exemplo, 440 pessoas deixaram tudo para trás nos últimos anos para lutar ao lado de grupos como o EI na Síria e no Iraque. Já na Dinamarca, esse número está entre 100 e 150 pessoas.
Ao todo, a entidade estima que 20.730 ocidentais tenham tomado esse rumo e que 30% deles tenham retornado aos seus países de origem ou estão presos em países vizinhos das zonas de conflito nas quais estavam.
No meio do furacão de atentados, operações policiais para o desmantelamento de células terroristas fora do Oriente Médio e prisões de terroristas e recrutadores de extremistas, dois questionamentos são inevitáveis: como prevenir a radicalização e o que fazer com essas pessoas que retornam para seus países após temporadas nesses lugares.
Bom, para Aarhus, a resposta para esse problema é a reabilitação. Por lá, está em atividade desde meados 2012 um programa cujo objetivo é o de prevenir a radicalização e o extremismo, seja ele religioso ou político.
Desenvolvido pela polícia local em parceria com a comunidade e profissionais de diferentes especialidades, o programa trabalha o potencial que um indivíduo tem de ser incluído à comunidade como cidadão participativo e ainda o aperfeiçoamento das suas habilidades.
Mas com a notícia de que 30 pessoas haviam deixado a cidade para ir à Síria se juntar a grupos extremistas em 2013, uma nova fase dessa iniciativa começou a se desenrolar. Sua preocupação era a de cuidar da reintegração dos jovens extremistas que retornariam ao país. Até o momento, os resultados dessas ações parecem animadores.
Em 2014, explicou ele, apenas uma pessoa deixou a cidade para ir à Síria com esse objetivo. Em 2015, ano no qual um alto número de ocidentais se juntaram ao Estado Islâmico (EI), três realizaram essa viagem.
Os perfis das pessoas que compuseram esse grupo eram diversos, mas todos eram muçulmanos. Tinham entre 18 e 27 anos de idade e a maioria era imigrante ou filho de imigrantes que vieram da Somália e Oriente Médio.
Duas dessas pessoas eram mulheres e havia ainda um dinamarquês que se converteu ao islamismo anos antes. A maioria não vivia em regiões pobres em Aarhus e, segundo Illum, todos sabiam muito bem o que estavam fazendo.
Desse número, sabe-se que 6 morreram e 16 voltaram para o seu país. “A lei dinamarquesa não diz que é ilegal ir à Síria”, disse Illum, “mas é ilegal se juntar ao Estado Islâmico ou participar de atividades terroristas” lembrou.
Essas 16 pessoas foram então entrevistadas pela polícia e investigadas pela inteligência da Dinamarca. As autoridades queriam entender o que estava acontecendo e por que elas haviam feito essa viagem. Todas foram liberadas por não ter sido constatadas as suas participações em atividades ilícitas.
“Não somos tolos e lembramos a eles que sabemos seus nomes, sabemos seus endereços e que trabalhamos com o serviço de inteligência”. Para bom entendedor, fica claro que qualquer passo fora da linha fará com que as autoridades ajam imediatamente.
Seis desses indivíduos deixaram a delegacia e seguiram com suas vidas. Mas dez deles disserem que queriam ajuda para deixar o radicalismo para trás.
“Eles se disseram muito decepcionados com a situação na Síria, a descreveram como bárbara”, contou o comissário sobre as razões que os fizeram voltar para a Dinamarca. “Ainda são religiosos em diferentes níveis, mas nosso trabalho não é fazer com que eles deixem a religião para trás e sim que abandonem o radicalismo”, explicou.
Esses jovens passaram então a fazer parte desse programa cujo envolvimento da família é essencial. Cada um participa de sessões de aconselhamento e terapia e contam ainda com a ajuda de mentores para que possam voltar a estudar ou para que consigam um emprego. Há ainda a possibilidade de concessão de ajuda financeira para moradia.
A polícia de Aarhus não permite que a imprensa entre em contato com participantes do programa, mas em uma reportagem sobre o tema, a rede de notícias BBC conheceu um jovem somali que se radicalizou na adolescência e tinha planos de viajar ao Paquistão.
Ele foi interceptado pela polícia que lhe ofereceu a chance de participar do programa. Como mentor, teve um muçulmano como ele. “Você pode ser muçulmano e ter um futuro próspero na Dinamarca”, dizia seu guia, “você pode ser um bem para a sociedade e não um risco”.
As conversas, ao que parecem, surtiram efeito: ele terminou a escola, o programa e ainda vive em Aarhus. Diz sonhar um dia se tornar um mentor para ajudar outras pessoas nessa situação.
Embora tenha mostrado bons resultados e já esteja em implementação por todo o país, o programa de reintegração de Aarhus não é unanimidade na Dinamarca. Em entrevista à revista Newsweek, Jytte Klausen, professora da Universidade de Brandeis e especializada no estudo de jihadistas, crê que abrir as portas para o retorno dessas pessoas é algo muito inocente.
E ela não é a única a criticar essa estratégia de reintegração. O clima de reprovação também paira na classe política, mais especificamente entre os conservadores do Partido Popular Dinamarquês, que é abertamente anti-imigração e contra a recepção de refugiados no país. Na visão dos membros do partido, as autoridades de Aarhus estão sendo “moles demais”.
Não é de hoje que o mundo olha com admiração e desconfiança para a forma como a Dinamarca lida com a criminalidade.
Conhecido globalmente como o dono de prisões humanas e pela sua tradição penal de prevenção e reabilitação, o país tem uma das taxas de encarceramento e reincidência mais baixas do planeta, contrariando o cenário observado em países tipicamente punitivistas, como Estados Unidos e Brasil.
Para fins de comparação, na Dinamarca, a taxa de encarceramento é de 73 presos para cada 100.000 habitantes. Nos EUA, são 716 e no Brasil, 274. Quando se avalia a reincidência, no país escandinavo, 20% das pessoas que já foram presas cometem crimes novamente, enquanto nos EUA, 77%. No Brasil, não há dados consolidados sobre esse tema.
Para Illum, que está na força policial há 30 anos, a estratégia de reabilitação do programa no resgate de extremistas mostra exatamente como a Dinamarca lida com o crime e o terrorismo. “Temos a tradição da prevenção”, lembra ele, “e ela exige que nosso sistema caminhe com as duas pernas”.
De um lado, continua ele, há o pilar do combate ao crime, das investigações, julgamentos e prisões. Do outro, é necessário entender as razões pelas quais uma pessoa se torna uma criminosa. “Se pudermos prevenir isso, o dinheiro público que é investido na segurança pública será muito mais bem gasto”, considerou.