Donald Trump: reação do presidente à pandemia pode custar caro (Tasos Katopodis/File Photo/Reuters)
Tamires Vitorio
Publicado em 3 de novembro de 2020 às 18h30.
O governo Donald Trump começou bastante agitado em 2020, em meio a mísseis americanos sendo lançados no Irã e um processo de impeachment contra o presidente. Problemas sérios se estivéssemos em outro ano, mas que se tornaram amenidades quando comparadas a uma situação que estava por vir: o novo coronavírus. Com mais de 9 milhões de casos e 231.599 mortes, os Estados Unidos são o epicentro da doença no mundo --- e diversos fatores contribuíram para que o país chegasse onde chegou.
Especialistas argumentam que um dos principais gatilhos para o aumento nos casos foi a falta de uma decisão rápida por parte de Trump em relação a uma quarentena e a regras mais restritas de distanciamento social.
O presidente se mostrou contrário, inclusive, ao uso de máscaras --- e passou uma boa parte dos primeiros meses da pandemia fazendo aparições públicas sem utilizá-las. Um estudo recente feito pela Universidade de Stanford estima que cerca de 30 mil indivíduos foram infectados em comícios realizados pelo republicano e outras 700 pessoas morreram.
A forma como Trump lidou com a covid-19 é considerada desastrosa desde o começo. Em fevereiro, quando os primeiros casos fora da China foram registrados, ele afirmou que a doença se tornaria mais fraca “quando abril chegasse e o tempo ficasse mais quente”. A afirmação prematura não tinha comprovação científica.
E, mesmo depois da primavera e do verão no hemisfério norte, os casos do vírus não diminuíram. Outra afirmação que, mais tarde, se mostrou errônea foi quando Trump afirmou que “a pandemia estava desaparecendo”, em meados de junho. Não foi o que aconteceu --- o país começou a viver o princípio de uma segunda onda de infecções. E as decisões tomadas pelo presidente podem, por fim, ter um impacto direto em sua possível reeleição.
Para Carlos Gustavo Poggio, PHD em relações internacionais e professor na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), a popularidade que Trump tinha até o começo do ano por conta de suas iniciativas econômicas foi deixada de lado pela forma como ele lidou com a pandemia --- o que aumentou a confiança em ums possível gestão de Biden. "A gente tinha um cenário no começo do ano que o Trump havia feito uma boa gestão da economia. A questão do coronavírus adicionou um outro item para o gestor que é sobre como o Trump lidou com a pandemia, e nessa questão, ele é muito mal avaliado. Isso prejudicou o Trump para muitos eleitores. E, talvez, essa tenha sido a variável que alterou a visão do eleitorado em relação a ele", explica.
Em entrevista ao jornal americano Detroit Free Pass, Greg Valliere, da consultoria AGF Investments que prevê como a política afetará os mercados, afirmou que “se Trump perder, será muito mais pela pandemia do que por qualquer outra questão”.
A afirmação parece ser preditiva. Isso porque os estados onde os casos de covid-19 aumentaram, tendem a ter o candidato democrata Joe Biden como preferência. Em Michigan, por exemplo, os casos aumentaram em 73% nas últimas duas semanas, com 2.600 diários, e o número de pacientes em hospitais mais do que dobrou desde setembro.
O estado é considerado um “swing state”, ou seja, locais que mudam de preferência entre republicanos e democratas a cada eleição. Em 2016, Trump venceu a democrata Hillary Clinton em Michigan por uma margem de 0,3%. Mas pesquisas realizadas pelo Washington Post-ABC News mostram que os eleitores estão mais inclinados a Biden neste ano, com 51% dos votos, versus 44% para Trump. O jornal britânico Financial Times, por sua vez, indica que Biden deve ganhar no estado por 7,9 pontos a mais.
Em Wisconsin o número de casos de coronavírus subiu em 36%, para uma média de 4.200 novas infecções diárias, segundo o site Covidexitstrategy.org. Há quatro anos, Trump vencia Clinton por um ponto no estado. Agora, segundo o Post-ABC, Biden pode vencer por uma diferença de 17 pontos. A mesma pesquisa aponta que os americanos acreditam que o democrata é “mais confiável” para lidar com a pandemia do que Trump.
A Pensilvânia também é um dos estados que vêm enfrentando uma piora nos casos do novo coronavírus e tem balançado entre um voto democrata e republicano. De acordo com a universidade Johns Hopkins, o estado tem uma média de 2.243 novos casos por dia --- o maior número registrado desde o começo da pandemia no local, com uma alta de 31% em relação a semana passada.
O número de hospitalizações também aumentou em 21% quando comparado a semana anterior. Estudos indicam que a Pensilvânia será o estado com o poder de mudar diretamente os resultados das eleições. Com 20 colégios eleitorais, por lá, Biden pode ter cinco pontos a mais do que Trump --- uma margem que não indica uma vitória e pode mudar a qualquer momento, segundo o site FiveThirtyEight.
Poggio não acredita que a popularidade de Biden se dá somente ao fato de que os eleitores acreditam que o democrata lidará melhor com a pandemia. "As pessoas que olhavam somente para a economia estão indo as urnas não para favorecer o Biden, mas para votarem contra o Trump", garante.
O dilema das vacinas
Trump esperava que um truque em sua manga fosse fazê-lo vencer as eleições de lavada, com uma vacina aprovada de forma emergencial pelo Food And Drug Administration (órgão análogo à Anvisa) até antes das eleições. As expectativas logo foram frustradas, apesar da pressão para que a Pfizer, a Johnson & Johnson e a Moderna conseguissem colocar uma imunização no mercado antes do fatídico dia 3 de novembro.
Mas não se pode apressar a ciência --- muito menos por motivos políticos. Em média, uma vacina demora mais de dez anos para ficar pronta. A única imunização que foi desenvolvida em tempo recorde foi a do Ebola, em cinco anos.
Para uma vacina ou medicação ser aprovada e distribuída, ela precisa passar por três fases de testes. A fase 1 é a inicial, quando as empresas tentam comprovar a segurança de seus medicamentos em seres humanos; a segunda é a fase que tenta estabelecer que a vacina ou o remédio produz, sim, imunidade contra um vírus, já a fase 3 é a última fase do estudo e tenta demonstrar a eficácia da droga.
Uma vacina é finalmente disponibilizada para a população quando essa fase é finalizada e a proteção recebe um registro sanitário. Por fim, na fase 4, a vacina ou o remédio é disponibilizado para a população. Até o momento, as vacinas ainda estão na fase três de testes --- e isso não significa que, necessariamente, elas serão aprovadas.
Com isso, as medidas de proteção, como o uso de máscaras, e o distanciamento social ainda precisam ser mantidas. A verdadeira comemoração sobre a criação de uma vacina deve ficar para o futuro, quando soubermos que a imunidade protetora realmente é desenvolvida após a aplicação de uma vacina.