Imigração nos EUA: adolescentes contaram que não podiam tomar banho, nem escovar os dentes e que foram obrigados a dormir em celas lotadas (Carlos Barria/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 26 de julho de 2018 às 11h31.
Última atualização em 26 de julho de 2018 às 11h47.
Enquanto os EUA correm para cumprir o prazo judicial desta semana para reunir as crianças separadas das famílias pela política imigratória de “tolerância zero” do governo de Donald Trump, uma juíza de Los Angeles avalia a possibilidade de nomear um monitor para supervisionar o tratamento delas enquanto estiverem sob custódia.
Advogados de direitos humanos pediram a Dolly Gee, juíza distrital americana em Los Angeles, que nomeasse um monitor especial, argumentando que os EUA promoveram um “ataque em larga escala” ao histórico acordo de Flores, fechado em 1997, que restringe a faculdade do governo de deter menores imigrantes e determina padrões de guarda.
Gee é um dos dois juízes federais da Califórnia que avaliam o sofrimento de crianças imigrantes detidas, que desencadeou um tenso debate nacional. Dana Sabraw, juiz distrital americano em San Diego, preside outro processo sobre a reunificação de crianças imigrantes tiradas dos pais na fronteira sul do país em ação do Departamento de Justiça que começou em abril e resultou na apreensão de cerca de 3.000 crianças, incluindo bebês e crianças pequenas, pelos EUA.
No processo analisado por Gee, advogados de direitos humanos apresentaram relatos em primeira mão de cerca de 225 crianças e pais descrevendo os abusos, a fome e o medo que sentiram quando foram mantidos em instalações na fronteira. Algumas crianças relatam que receberam alimentos inadequados e impróprios para consumo, incluindo leite para bebês e sucos vencidos, além de sanduíches estragados ou congelados.
Os adolescentes contaram que não podiam tomar banho, nem escovar os dentes e que foram obrigados a dormir em celas lotadas sobre pisos de cimento ou em bancos. Uma mãe disse que ela e o filho de três anos dividiram dois colchões em um cômodo de 3 metros por 3 metros com outras seis pessoas.
Em junho, Sabraw ordenou que os EUA parassem de separar os pais dos filhos e que as famílias que tinham sido separadas fossem reunidas.
Em um relatório de progresso, na segunda-feira, antes do fim do prazo de 26 de julho, o Departamento de Justiça afirmou que das 2.551 crianças com mais de 5 anos separadas dos pais, 1.634 estavam “aptas” para reencontrar suas famílias. Destas, 879 crianças foram reunidas e outras 538 já foram liberadas para se reunirem. O governo afirmou anteriormente que devolveu 58 crianças com menos de 5 anos aos pais, elevando o total de reunificações concluídas ou planejadas para 1.475.
Para entender a interação entre os dois casos e o panorama legal é preciso recordar um processo antigo, da época em que o procurador-geral dos EUA era Edwin Meese, que atuou durante o mandato do presidente Ronald Reagan. O caso leva o nome de uma imigrante salvadorenha de 15 anos que entrou com processo devido às condições de sua detenção.
Depois que o processo de Flores e outros chegaram aos tribunais, o governo de Bill Clinton chegou a um acordo em 1997 que exigia que as crianças fossem libertadas e entregues aos pais, a um tutor legal, a outro parente ou a um indivíduo avaliado pelas autoridades federais. O acordo também especificou que se a entrega imediata para pais ou outros parentes adultos não fosse possível, o governo deveria colocar as crianças no ambiente“menos restritivo” e garantir padrões de cuidado e tratamento.
O governo Trump alegou -- após o clamor público pelas denúncias e imagens de crianças em gaiolas – que, por causa do acordo de Flores, não tinha outra alternativa a não ser separar pais e filhos. Neste mês, Gee rejeitou o pedido do governo de modificar o acordo para permitir que as famílias de imigrantes fossem detidas em instalações de longo prazo, qualificando o pedido de “tentativa cínica de desfazer um acordo judicial de longa data”.