Maduro: programas sociais — e ameaças — são a base de seu governo, e serão decisivos nas eleições de domingo (Carlos Garcias Rawlins/Reuters)
EXAME Hoje
Publicado em 29 de julho de 2017 às 08h10.
Última atualização em 29 de julho de 2017 às 08h55.
Caracas – A eleição para a Assembleia Constituinte neste domingo (30) foi desenhada para que os chavistas a vencessem: um terço das 545 cadeiras será preenchido por setores sociais e profissionais, a maioria favorável ao governo, e os municípios pequenos da zona rural, que são redutos chavistas, elegerão o mesmo número de deputados que os grandes, de oposição. Estados menores, mais chavistas, concentram mais eleitores com direito a escolher dois deputados, do que os grandes, de oposição.
Depois da derrota na Assembleia Nacional em dezembro de 2015, o presidente Nicolás Maduro não quer mais saber de eleições diretas, ao estilo uma pessoa um voto. Mas isso não quer dizer que não haja mais chavistas na Venezuela, mesmo em meio à altíssima criminalidade, à escassez e carestia de alimentos e de outros produtos básicos e ao autoritarismo crescente. Eles existem, e seu apoio em geral está vinculado a algum tipo de benefìcio direto.
Sob a chuva fina que caía na tarde desta sexta-feira no centro de Caracas, três mulheres se protegiam embaixo de guarda-sóis de camelôs, na calçada de um gigantesco conjunto habitacional chamado Atahuálpa. As três moram ali.
Delvalle García, de 42 anos, dona de uma banca de frutas, conta que se mudou há cerca de três anos. Antes, vivia numa favela em Catia, no extremo oeste da Grande Caracas. Ela paga apenas 2.500 bolívares (cerca de 30 centavos de dólar) por mês pelo apartamento.
“Graças a Deus e ao presidente Nicolás Maduro nos deram casa”, agradece García. “É preciso ser agradecido”, diz, ao seu lado, María Reyes, de 31 anos, que tem uma barraca de salgados, biscoitos, cigarros e doces, e também mora no Atahuálpa. “Aqui na Venezuela, nenhum presidente tinha dado moradia para as pessoas sem recursos.”
Rosa Pérez, de 35 anos, que trabalha como assistente administrativa no Ministério da Indústria de Base, é mais eloquente: “Vão arrancar a cabeça de quem não votar nesse domingo”, afirma ela, referindo-se ao boicote promovido pela oposição. “V ao ver pela carteirinha Pátria (documento distribuído pelos conselhos comunais, controlados pelos chavistas, usado na votação) quem votou e quem não votou. Porque são muito ingratos.” García e Reyes concordam: “Tudo quem dá é o governo”.
Além do emprego público, que lhe rende o salário mínimo de 97.000 bolívares (12 dólares), ela e as outras recebem também 100.000 bolívares do Cartão mulher, e outros 153.000 (19 dólares) de tíquete, que lhes permite comprar qualquer coisa, e até sacar 10.000 bolívares (1,25 dólar) por dia no caixa automático. “Quem pagou? Quem assinou? Maduro!”, argumenta Pérez.
Os conselhos comunais administram a distribuiçao nos bairros pobres de cestas básicas que custam 100.000 bolívares. Mas, assim como acontece em Cuba, a cota familiar mensal nao dá para o mês todo nem inclui todos os produtos necessários. Então os venezuelanos têm de enfrentar os preços dos supermercados. O abastecimento é bastante irregular. Quando há produtos, eles custam mais ou menos o mesmo que no Brasil. É aí que o dinheiro dos venezuelanos vai embora rapidamente. Por conta dessa situação, segundo um estudo da Universidade Central da Venezuela, os venezuelanos emagreceram em média 8 quilos nos últimos dois anos.
Sabendo que o repórter é do Brasil, Pérez investe contra o presidente Michel Temer, odiado pelo regime chavista por ter liderado a destituição de sua aliada Dilma Rousseff e a suspensão da Venezuela do Mercosul: “Esse desgraçado esquálido. Tem que ser preso também, como (o líder oposicionista Henrique) Capriles. Dilma, sim, era revolucionária”.
Numa rua que sai de frente do conjunto habitacional, três discretas aglomerações se formam nas cercanias de uma repartiçao do Ministério dos Transportes. Alguns explicam que vieram de outras partes do país, participar do comício do governo de encerramento da campanha para a Assembleia Constituinte, na quinta-feira. Alguns estão aguardando o ônibus do governo para voltar para suas cidades.
Outros têm expectativas mais ambiciosas: o governo promete presentear com motocicletas de 150 cilindradas de fabricação chinesa (as mesmas usadas pelos membros dos coletivos armados que atacam os manifestantes) os militantes que conseguiram arrebanhar 100 mobilizadores, cada um por sua vez com um grupo de dez participantes para o comício. Já esses sub-líderes, que reúnem 10, devem ganhar uma bicicleta cada um.
Tudo isso não quer dizer que não tenha restado nada de adesão ideológica ou de “consciência de classe” aos chavistas. Juan Carlos Buitriago, membro de um dos 14 conselhos comunais da favela Santa Cruz, no extremo leste de Caracas, explica: “Sou a favor da Constituinte porque teremos a oportunidade de resolver muitos problemas, de dar opiniões. Eles não quiseram participar da eleição porque nao têm povo. O povo deles são os ricos, os que vieram aqui há mais de 500 anos e maltrataram, mataram mais de 6 milhões de indígenas que havia aqui. São os mesmos que trouxeram da África os negros amarrados em correntes, como escravos. Hoje, querem tirar todas as riquezas do nosso país. Também sou contra as coisas ruins que fizemos. E temos que corrigir as coisas”.
Buitriago espera que, com o “Estado comunal”, que será implantado pela reforma constitucional, o povo poderá se organizar para resolver seus problemas. A favela fica em Baruta, um dos municípios que dividem Caracas, administrado pela oposição. A entrevista com Buitriago ocorreu na frente de um posto de saúde, onde uma moça havia sido atendida despois de ser esfaqueada em uma tentativa de assalto.
“Baruta é um dos municípios mais ricos da Venezuela, e não existia nenhum hospital público, e agora temos cinco centros de saúde integrada (CDIs)”, afirmou o ativista, referindo-se aos postos de saúde construídos pelo governo nacional. “Queimaram o que está em frente ao gabinete do prefeito de Baruta, diante dos olhos dele, e ele não fez nada. A própria comunidade organizada tem defendido seu CDI. Este posto de saúde foi uma conquista nossa. E nunca exigimos a carteirinha patriótica para atender. Atendemos a todos.”
Buitriago e outros chavistas a seu redor culparam a Guarda Municipal de Baruta pelo que ocorreu com a moça. Eles acusaram a Guarda de fornecer armas, comida e drogas para os manifestantes que mantêm barricadas nos bairros de classe média e alta na região leste de Caracas. “Estamos tentando enfrentar bandos aos quais os guardas municipais deram pistolas para que não cometam assaltos e não façam desastres”, garantiu o ativista, exaltado, com a aprovaçao dos companheiros.
“Tentamos ir ao comício de encerramento de campanha”, continuou Buitriago. “Somos 200 pessoas e não pudemos passar porque eles armam as pessoas em Santa Fé (bairro de classe média vizinho à favela) para não passarmos. Aqui a consequência de não ter lei, de o prefeito não cumprir sua função”, disse ele, apontando para a perna ensanguentada da moça. “Queremos que o Tribunal Supremo meta na prisão os prefeitos de Baruta e de Chacao (também de oposiçao). Estamos há mais de três meses assediados, presos. Eles falam de ditadura, sendo que os ditadores são eles.”
É uma leitura radicalmente oposta à da oposição, e de um número crescente de observadores internacionais, sobre tudo o que se passa neste país. Mesmo oito quilos mais magros, e cada dia mais raivosos, os chavistas vão levar sua visão de mundo para as urnas neste domingo — e dar ainda mais poder para Nicolás Maduro.