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5 fofocas de Heródoto sobre a Grécia Antiga

O primeiro historiador não se limitou a contar os grandes feitos de reis e imperadores – mas também expôs a vida privada do poder como ninguém

Fofocas na Grécia Antiga: Hérotodo era um jornalista talentoso e um fofoqueiro de mão cheia (Wikimedia Commons)

Fofocas na Grécia Antiga: Hérotodo era um jornalista talentoso e um fofoqueiro de mão cheia (Wikimedia Commons)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 11 de fevereiro de 2017 às 20h34.

Heródoto nasceu em 484 a.C. na atual cidade de Bodrum, na costa mediterrânea da Turquia. Dizer que ele foi historiador  não é suficiente para explicar sua profissão: na verdade, foi ele quem inventou a História como disciplina. Sua única obra, tão grande que depois seria dividida em nove capítulos – conhecidos como “livros” –, é intitulada apenas História. Nela, ele conta em detalhes a invasão da Grécia pelo exército persa de Xerxes. Sua descrição da batalha mais célebre do conflito, a das Termópilas, seria a base do filme 300 mais de dois milênios depois.

Não pense, porém, que Heródoto dá às suas histórias um ar tão sanguinário e épico quanto o do filme. Ele era um jornalista talentoso e um fofoqueiro de mão cheia, e conta não só os grandes feitos de reinos e impérios de seu tempo como a vida privada de seus líderes — que é uma mistura de House of Cards com Casos de Família. A SUPER vasculhou as 489 páginas de uma tradução da obra, e selecionou os melhores casos dos bastidores.

1. As origens nada míticas da Guerra de Troia.

Segundo a versão persa, tudo começou quando um grupo de fenícios – civilização da Antiguidade que prosperou com o comércio no Mediterrâneo – aportou na cidade de Argos, no litoral da Grécia, e montou uma espécie de feira. Eles venderam toda a mercadoria em só seis dias, mas resolveram que não iam embora só com dinheiro: queriam também esposas.

No quinto ou sexto dia, então, os fenícios correram em direção a um grupo de mulheres e raptaram todas que não conseguiram fugir. O problema é que uma delas era Io, filha do rei de Argos, Ínaco. Para se vingar, um grupo de gregos raptou Europe, filha do rei da Fenícia. “Até esse ponto as ofensas se compensavam”, afirma Heródoto, “mas depois disso, dizem eles, os gregos foram culpados pela segunda ofensa.”

A segunda ofensa, no caso, foi o rapto de Medeia, filha do rei da Cólquida. Depois de sequestrá-la, os gregos se negaram a oferecer reparação ao rei dos cólquidos. Foi só então que Príamo, rei de Troia, percebeu que poderia também raptar mulheres para si sem sofrer consequências. E foi assim que decidiu levar Helena dos gregos, desencadeando a guerra.

Neste ponto, Heródoto tira a aparência mítica do rapto e até expõe o machismo da época. “Raptar mulheres, diziam os persas, é uma injustiça dos homens, mas querer vingar o rapto é insensatez. Os homens prudentes não dão importância alguma a mulheres raptadas, pois obviamente elas nunca teriam sido raptadas se não quisessem.”

2. Um golpe de estado inusitado

Heródoto também é chegado em flashbacks e digressões. Por isso, após o breve comentário sobre Troia, ele também conta como Candaules, rei dos lídios, perdeu o trono para um dos guardas do próprio palácio, Giges. Rebeliões? Intrigas? Nada disso. Candaules era deslumbrado pela própria esposa, e tinha certeza de que não havia mulher mais bela em todo mundo. Certo dia, então, chamou seu criado mais fiel e disse: “penso, Giges, que não crês nas minhas palavras a respeito de minha mulher. Age então de maneira a vê-la nua”.

Giges não queria cometer tamanho desrespeito, mas era súdito e foi forçado a cumprir a ordem. Candaules lhe prometeu que o ato não era um teste de fidelidade. O rei o esconde atrás da porta do próprio quarto, e do canto ele vê a esposa de seu amo se despir. A rainha – cujo nome Heródoto nunca chega a mencionar – percebe tudo, e fica furiosa. Aborda seu súdito no dia seguinte e solta o ultimato: “Agora, Giges, tem dois caminhos à tua frente (…) Deves matar Candaules e ficar comigo e com o trono da Lídia para ti, ou então serás morto imediatamente; isso te impedirá de ver aquilo que não deve.”

Giges cede. Se esconde atrás da porta de novo, mata Candaules, que dormia, e vira rei. Mas é claro que alguém vai pagar o preço pela traição. O oráculo de Delfos – que nada tem a ver com o Oráculo da SUPER – acha a história toda um absurdo, e profere uma maldição: os descendentes de Giges perderão o trono na quinta geração.

3. O homem que não ouviu o sábio

A quinta geração de Giges, no caso, é seu tataraneto Creso. Ele assume o trono de uma Lídia próspera, tem ouro para dar e vender e se considera o mais feliz de todos os homens. Aqui é bom lembrar uma coisa: Heródoto era religioso. Em sua obra, o oráculo não erra. Ou seja, a profecia está na cola do iludido Creso, e ele não faz ideia disso.

Certo dia, o sábio grego Sólon, autor da legislação de Atenas, visita Creso na capital da Lídia, Sárdis. O rei lhe apresenta todas as suas posses e sua próspera cidade, e então, em um momento Branca de Neve, pergunta a ele: “Sólon, há no mundo homem mais feliz do que eu?” E o sábio, como um espelho sincero, responde que há: é o ateniense Telos, líder amado que morreu com glória defendendo sua cidade em uma batalha. Creso então pergunta qual é o segundo lugar, e Sólon dá a medalha de prata aos irmãos Cléobis e Bíton, que padecem de exaustão após carregar a mãe por uma longa distância para que ela chegasse a tempo em uma cerimônia religiosa.

Furioso, Creso pergunta à Sólon porque ele não figura na lista da felicidade. E o sábio diz: “O homem é apenas incerteza (…) O homem muito rico não é mais feliz do que aquele que tem apenas o suficiente para o dia de hoje, a não ser que a boa sorte lhe continue fiel até o fim de sua vida.” O rei, claro, não entende o recado, e crente de que morrerá tão poderoso quanto nasceu, manda Sólon embora e ataca o reino vizinho da Pérsia (o atual Irã) para tentar conquistá-lo.

Neste momento, se manifesta a profecia. Creso vê seu filho morrer e os persas, sob comando do imperador Ciro, contra-atacam, destruindo a Lídia e de quebra sua felicidade. Moral da história? Dê mais atenção aos mais velhos.

4. Xerxes disfarça o tio de imperador

O Ciro mencionado aí em cima é o avô de Xerxes (sim, o mesmo Xerxes semideus que é representado no filme 300 por Rodrigo Santoro). Ele, quando assume o trono duas gerações depois, ordena o ataque contra a Grécia que culminará na batalha contra Esparta representada no filme. Tomar essa decisão, porém, não foi fácil.

Xerxes reúne um conselho de persas para decidir se é sábio atacar povos tão hábeis na guerra quanto os atenienses e espartanos. Seu primo, Mardônio, que também é general, o incita a partir o mais rápido possível, e afirma que os gregos não tem chance. Seu tio Artábanos, por outro lado, pede prudência. “Se não são emitidas opiniões contrárias, não é possível escolher a melhor para adotá-la. Você quer marchar contra homens que, segundo se diz, são ótimos combatentes no mar e na terra. Cumpre-me expor-te o perigo que  eles representam.” Xerxes se ofende com o que chama de “covardia” e insulta o tio. Durante a noite, porém, pensa em suas palavras e percebe que ele pode estar certo. Ao acordar, anuncia ao exército e ao povo que invasão está cancelada.

Noite após noite, porém, uma visão visita Xerxes. O vulto afirma que desistir do ataque é um erro, e o provoca, dizendo que deve retomar os planos. O imperador, então, resolve pedir a opinião do tio sobre seus sonhos. Ele dá sua roupa a Artábanos, o põe sentado no trono e deixa que ele durma em sua cama. Espera, assim, confundir a divindade e fazer com que seu parente tenha os mesmos sonhos que ele.

É claro que o disfarce não engana ninguém, muito menos os deuses. “Então exortas Xerxes a não marchar contra a Hélade!? Mas nada ganharás, nem no futuro, nem no presente, querendo desviá-lo da decisão do destino!” O tio acorda assustado com o recado, muda de opinião na hora e autoriza Xerxes a iniciar a invasão. Que péssimo conselho.

5. Xerxes e sua queda pela sobrinha

Xerxes teve outra dose de problemas familiares quando se apaixonou pela filha de seu irmão Masistes, sua sobrinha Artaínte. Na época, Xerxes já era casado, e sua mulher, Âmestris, certa vez havia lhe costurado um belo traje colorido.

Cego de paixão, o imperador foi encontrar sua amante usando o traje que havia sido feito por sua mulher. E a sobrinha, que adorou a roupa, a pediu de presente para Xerxes, depois de fazê-lo jurar que ele lhe daria tudo que ela quisesse. O tirano fez de tudo para evitar o problema: ofereceu ouro, cidades inteiras e até um exército. Mas a moça insistiu que só queria o traje, e nada mais. E depois do encontro saiu andando com ele na rua, como se nada tivesse acontecido.

Âmestris, claro, viu a sobrinha com a roupa do marido, e entendeu tudo na hora. E em vez de culpar o marido ou a sobrinha, culpou sua cunhada, mãe de Artaínte, e mandou os guardas reais a mutilarem para se vingar. Masistes, ao ver a mulher morta e descobrir a relação do irmão com sua filha, uniu suas tropas e ordenou uma revolta contra Xerxes, que estourou em 438 a.C.

É claro que neste caso, como em todos os outros, Heródoto usou muita imaginação e muita simbologia. Seria impossível para ele, na época, reconstituir os longos diálogos entre os poderosos que descreve nessas e em outras cenas de História. Ele precisaria, no mínimo, de um gravador. De qualquer forma, seu longo registro foi a primeira tentativa de narrar feitos de pessoas que existiram com exatidão, escancarando seus defeitos e escolhendo suas fontes com rigor científico. Por essas e outras, ele ganhou o título de “pai da história”.

Texto publicado originalmente no site Superinteressante.

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