Militantes do EI na Síria: estima-se que grupo tenha hoje mais de 30 mil combatentes de diferentes nacionalidades (Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 16 de novembro de 2015 às 11h10.
Última atualização em 24 de maio de 2017 às 09h59.
São Paulo – Atualmente, uma coalizão liderada pelos Estados Unidos e formada por mais de 40 países está se mobilizando para destruir o Estado Islâmico (EI), grupo extremista que proclamou um califado em territórios da Síria e do Iraque.
Os militantes aterrorizam a população local com a violência de seus ataques e são um dos fatores que levaram milhares de pessoas da Síria e do Iraque a abandonarem os seus lares e buscarem refúgio em outros países. Ultimamente, contudo, o EI expandiu suas atividades para além do Oriente Médio.
Com a internet em mãos e uma agressiva estratégia nas redes sociais, o EI vem conquistando militantes de todas as idades e origens e existem até mesmo membros especializados no recrutamento de novos combatentes.
Mas de onde veio e o que quer este grupo? Confira abaixo.
De acordo com números do Council on Foreign Relations, existem 1,6 bilhão de muçulmanos em todo o mundo, dos quais 85% são sunitas e 15% se designam xiitas. Porém, a relação entre estes dois grupos é conturbada.
No contexto iraquiano, país onde o EI nasceu, as tensões recentes remontam o regime de Saddam Hussein, um sunita que governou em um país de maioria xiita.
Com a sua queda nos idos de 2003, os xiitas subiram ao poder. Os anos seguintes, explicou o site Deutsche Welle, foram de instabilidade no Iraque: vários grupos de insurgentes sunitas apareceram e muitos eram formados por ex-soldados de Hussein.
Estes radicais islâmicos passaram a ter como líder um homem chamado Abu Musab al-Zarqawi que, em seguida, fundou o braço iraquiano do Al Qaeda, o Al-Qaeda no Iraque (AQI).
Mas, após uma série de atos terroristas com muitas de vítimas, a própria população sunita se voltou contra o AQI. Zarqawi morreu em 2006, depois de um ataque aéreo realizado pelos EUA.
Depois da morte de Zarqawi, o AQI tem no poder a dupla Abu Ayub al-Masri e Abu Omar al-Baghdadi. Também mudou de nome: Estado Islâmico do Iraque (EII). Em pouco tempo, escreveu a revista Foreign Affairs, o EII fica conhecido como a franquia mais forte, e desobediente, do Al Qaeda.
Em 2013, já com Abu Bakr al-Baghdadi no poder, o EII declarou que passaria a comandar a facção do Al Qaeda baseada em território sírio, o Jabhat al-Nusra (JN). Segundo os iraquianos, as duas filiais operariam com o nome de ISIS (Estado Islâmico do Iraque e da Síria).
O líder sírio, contudo, negou as conversas com al-Baghdadi e disse que a união jamais aconteceria. O impasse gerou desconforto na alta cúpula do Al Qaeda e foi preciso que Ayman al-Zawahiri, chefão e sucessor de Osama Bin Laden, se manifestasse contra a ideia dos iraquianos.
Mas a tensão entre ISIS e JN continuou a crescer e logo virou um combate. As tentativas de reconciliação foram em vão até que, no início do ano, o Al-Qaeda desistiu de seu braço iraquiano e declarou não ter qualquer ligação com estes rebeldes.
Estimar a quantidade de homens e mulheres que hoje lutam pelo EI não é uma tarefa fácil, tampouco há um consenso em relação ao número absoluto de combatentes, que varia de acordo com a fonte de informações.
Para a CIA, por exemplo, segundo a rede de notícias CNN, o grupo teria entre cerca de 20 e 30 mil combatentes. Já o Observatório Sírio de Direitos Humanos, ONG síria que monitora os desdobramentos do conflito, calcula que esse número seria de 50 mil só na Síria.
Um líder curdo envolvido no combate ao grupo no norte da Síria, por sua vez, contou no ano passado ao jornalista Patrick Cockburn, um dos maiores especialistas no tema, que “a habilidade do EI em atacar frentes separadas na Síria e no Iraque ao mesmo tempo mostra que o número de militantes é de no mínimo 200 mil”.
Em junho, meses depois de ter sido rejeitado pelo Al-Qaeda global, o EI declarou a criação de um califado na região sob o seu controle no Iraque e na Síria. Além disso, exigiram a lealdade de muçulmanos de todo o mundo.
De acordo com uma consultoria especializada em análise de regiões de risco, a Caerus Associates, o EI já opera como um estado. Há, por exemplo, relatos de que estariam estabelecendo uma série de serviços sociais, oferecendo educação religiosa em escolas, montando um aparato judiciário e cobrando impostos. Porém, lembra a consultoria, é através da coerção que o EI faz com que a população siga suas ordens.
Outro fato que mostra que o EI está transformando o território sob seu domínio em um estado organizado é a busca não apenas de combatentes, mas também de profissionais.
Pouco depois de ter proclamado o califado, os rebeldes declararam que especialistas em jurisprudência islâmica, médicos e engenheiros de todos as especialidades e pessoas com habilidades de gestão serão bem recebidos pelo grupo.
Mosul tem cerca de 2 milhões de habitantes e é onde está localizada uma da maiores universidades do Iraque. Em junho, o cenário local mudou drasticamente depois que a cidade passou a ser controlada pelos rebeldes do EI.
De acordo com o The Guardian, uma das primeiras providências dos rebeldes foi a expulsão, ou execução, da população cristã local que recusou a conversão ao islamismo.
Desde a tomada da cidade, há ainda relatos de que a infraestrutura já tenha entrado em colapso. Segundo o site NPR, a eletricidade em Mosul é ligada apenas cerca de duras horas a cada três dias e os serviços públicos, como a coleta de lixo, não funcionam mais.
De acordo com a revista americana The New Yorker, estima-se que o território hoje controlado pelo EI seja do tamanho da Bélgica. Além disso, o grupo já tomou dezenas de campos de exploração de petróleo e gás e dominam uma grande usina de energia nos arredores de Mosul. Além desse grande centro no Iraque, o grupo controla outras dez cidades na Síria e Iraque.
Em junho do ano passado, 30 mil soldados iraquianos deram as costas para sua base e fugiram de um grupo de 800 militantes do EI em Mosul. Estes militantes então saquearam uma base militar, assumiram uma prisão e roubaram 480 mil dólares de bancos locais.
Para a consultoria Caerus Associate, a fragilidade atual do exército do Iraque, que agora conta com uma forte coalização internacional ao seu lado, é resultado da falta de capacidade do governo do país em manter a ordem depois da saída das forças americanas há alguns anos.
A corrupção é outro problema que vem deteriorando a capacidade de combate, explica a consultoria. Existem casos de oficiais do alto escalão que permitem que os soldados abandonem seus postos e continuem a receber salário. A condição para tanto é que paguem uma parte de sua remuneração aos chefes.
Segundo o jornal Washington Post, o exército iraquiano sofre hoje uma espécie de "colapso nervoso" e o problema é tão grave que, em certas áreas do país, o governo confia em soldados voluntários para defender a população de ataques do EI.
Execuções violentas, como a decapitação e a crucificação, não são as únicas armas de intimidação nas mãos dos extremistas do EI. Estima-se que 1,5 mil pessoas, entre mulheres, meninas e meninos, tenham sido estupradas por rebeldes.
O dado foi divulgado pelo braço iraquiano da Organização das Nações Unidas (ONU). A expectativa, contudo, é que o número seja ainda maior, uma vez que muitos casos sequer chegam ao conhecimento das autoridades.
A maioria das mulheres pertence ao grupo dos Yazidis, uma minoria religiosa que, desde o início do conflito, vem sendo massacrada pelo EI. De acordo com relatos do site The Daily Beast, uma prisão nos arredores de Mosul é cativeiro de centenas de mulheres e adolescentes.
O destino de cada uma delas é incerto: aquelas que cedem às pressões pela conversão ao islamismo podem ser vendidas como esposas. Já as que recusam a mudança de religião são executadas ou mantidas como escravas sexuais.
O grupo controla hoje muitos campos de exploração de petróleo e gás e é esta atividade a sua principal fonte de renda. Estima-se, inclusive, que os rebeldes estejam faturando entre um e três milhões de dólares por dia com a venda paralela de barris de petróleo, pois os vendem por preços muito mais baixos que aqueles praticados no mercado internacional.
*Matéria atualizada em 16/11/2015.