Mercado Imobiliário

O lado imobiliário do Carrefour: como varejista fatura com terrenos das lojas

Carrefour Property tem 47 imóveis no pipeline para transformar em empreendimentos imobiliários; empresa é a terceira maior em área de shoppings do país

Liliane Dutra, CEO do Carrefour Property: grupo usa apenas 15% do potencial de seus terrenos (Carrefour Property/Divulgação)

Liliane Dutra, CEO do Carrefour Property: grupo usa apenas 15% do potencial de seus terrenos (Carrefour Property/Divulgação)

Beatriz Quesada
Beatriz Quesada

Repórter de Invest

Publicado em 5 de setembro de 2024 às 13h49.

Última atualização em 6 de setembro de 2024 às 10h36.

Quando o grupo francês Carrefour chegou ao Brasil em 1975, o conceito de hipermercado ainda não existia no país. A primeira unidade de grandes proporções que combinou mercado e itens de lojas de departamento, como eletrodomésticos, roupas e bazar, foi inaugurada na Marginal Pinheiros, na Zona Sul em São Paulo (SP), local afastado do centro histórico da cidade. 

Quase 50 anos depois, o terreno de 65 mil metros quadrados fica em uma das principais áreas de expansão imobiliária da capital paulista – e o Carrefour vê espaço para participar ativamente dessa transformação. Na unidade da marginal, o hipermercado dará origem a um complexo multiuso que mescla apartamentos residenciais, salas comerciais e área de varejo. Batizado de Paseo Alto das Nações, o complexo conta com um centro comercial de 20 mil metros quadrados – considerando os 15 mil m² já existentes do hipermercado e outros 5 mil m² adicionais, entregues no final de 2022. 

A área de estacionamento, por sua vez, dará origem a três outras torres: uma corporativa, uma residencial e uma mista, que serão completamente entregues até 2026 e serão erguidas pelas construtoras parceiras WTorres e EzTec. A torre corporativa, por sinal, terá 219 metros de altura e será a maior de São Paulo, superando o Platina 220, na Zona Leste. O projeto deve contar ainda com uma área verde de 32 mil m², aberta ao público. 

O projeto representa o primeiro passo da estratégia do Carrefour em rentabilizar seu portfólio de 530 imóveis espalhados pelo Brasil. A ideia é utilizar o potencial do terreno para construir empreendimentos ao redor das lojas da marca – as opções vão de grandes complexos multiuso a empreendimentos puramente residenciais ou comerciais. Além dos retornos com os empreendimentos, o aumento do fluxo de pessoas ao redor das lojas deve impulsionar o retorno das próprias operações do varejo.

A estimativa do Carrefour Property é que a rede utiliza, em média, apenas 15% do potencial de seus ativos imobiliários, o que abriria, em tese, 85% de potencial de exploração desse portfólio. Porém, nem todos os terrenos têm o potencial do antigo Carrefour Pinheiros, a opção mais óbvia do portfólio. Entre as demais propriedades, a ideia é começar pelos imóveis nas grandes capitais: a empresa mapeou 47 oportunidades que devem entrar na esteira da transformação imobiliária.

Conforme os negócios forem saindo do papel, será possível destravar valor para o grupo e mostrar o imobiliário do negócio, que tem grande potencial para além do varejo. “O terreno entra no balanço a valor histórico então, na verdade, é como se não valesse nada. Ele passa a valer quando tem negócio, quando é desenvolvido. Quanto mais negócios, maior o potencial”, conta Liliane Dutra, CEO do Carrefour Property, braço imobiliário do grupo. 

A empresa não estima qual o tamanho que a frente pode ter nos números do grupo varejista, ressaltando que é preciso avaliar as condições de mercado. “Mas bons terrenos a gente tem.”

Como funciona na prática

O potencial não escapa aos olhos dos incorporadores, que buscam ativamente o Carrefour Property para propor negócio. “Eu brinco que nosso banco de terrenos tem placa. Onde tem uma placa do Carrefour, Atacadão ou Sam’s Club é um local que podemos incorporar”, diz Dutra.

A CEO defende que o time interno do Carrefour está pronto para fazer as contas com “chapéu de incorporador”. A empresa estima qual o preço máximo que um produto em determinado terreno pode absorver, com projeções como quantidade de metros de área privativa e número de torres. A partir daí entra um estudo de qual seria a vocação ideal do produto e qual construtora se encaixa mais na demanda. Ocorre então uma espécie de leilão entre as empresas que procuram ativamente o Carrefour e aquelas para as quais a companhia sugeriu a proposta. Ganha quem oferecer o melhor negócio.

Na parceria, o Property entra como permutante terrenista: fica com uma porcentagem financeira ou física do futuro empreendimento. No Paseo das Nações, por exemplo, o Carrefour ficou com o hipermercado, shopping, estacionamento e porcentagem de lajes na torre corporativa ainda a ser construída. O empreendimento tem valor geral de vendas (VGV) estimado em R$ 3 bilhões.

As conversas sobre o complexo começaram em 2013 e culminaram com as primeiras entregas 10 anos depois. De lá para cá o grupo entendeu que a frente era uma opção interessante de negócio – até mesmo como um diferencial aos concorrentes, que preferiram uma abordagem asset light em que não são donos dos terrenos de suas lojas. O segmento ganhou reforço com a chegada de Dutra como CEO; a executiva tem ampla experiência no setor de desenvolvimento, especialmente de shoppings, com passagens por Multiplan, BRMalls Brookfield e Ancar Ivanhoe.

Dutra pretende acelerar a transformação dos terrenos da rede. Este ano foram anunciados dois novos projetos residenciais, um na cidade de São Paulo e outra no Rio de Janeiro que devem, juntos, somar 10 torres e 1,3 mil unidades. O VGV dos empreendimentos é de R$ 600 milhões.

“A maioria dos projetos que estamos estudando são residenciais econômicos de interesse social – mas teremos de tudo, até altíssimo luxo”, explica a CEO. “Vamos conseguir oferecer moradia bem localizada já com um fundo de comércio que costuma contar com uma infraestrutura de luz, água encanada, transporte.”

Galerias: a aplicação do modelo francês no Brasil

Se no Brasil o Carrefour é uma empresa patrimonialista com grandes terrenos à sua disposição, na França o cenário é diferente. Com terrenos mais escassos, o modelo francês inclui galerias ao redor de seus hipermercados – um mini shopping com serviços complementares ao redor das lojas. 

O modelo vem sendo aplicado no Brasil desde os anos 1970, e antes da chegada de Dutra, a administração desses espaços era a principal vocação do Carrefour Property. “As galerias começaram com serviço de sapateiro, chaveiro. Com o passar do tempo, o metro quadrado ficou mais caro em shopping center e a rua enfrentava questões de segurança. As galerias foram virando, então, uma opção para outras atividades, como alimentação”, explica a CEO.

O portfólio cresceu e colocou o Carrefour Property entre as três maiores empresas de shoppings em área bruta locável (ABL): são 370 mil metros quadrados. As 270 galerias da empresa contam com 4 mil contratos com lojistas. Duas das maiores galerias do portfólio são shoppings de pequeno porte: o Pamplona, no Jardim Paulista, e o Butantã, no bairro de mesmo nome.

O foco agora é a ressignificação das galerias na esteira da conversão das lojas. “Quando você transforma um hipermercado em um Atacadão, muda a âncora da galeria. Buscamos, por exemplo, a Leroy Merlin, o Obramax [para serem galeristas]”, explica. 

Entre galerias e empreendimentos, Dutra reforça que o Carrefour irá manter o viés patrimonialista. “É um diferencial porque quanto mais se densifica, melhor fica a operação do varejo e do atacarejo.”

Acompanhe tudo sobre:Carrefour

Mais de Mercado Imobiliário

Descubra quanto tempo demora para comprar um imóvel

Para que serve inscrição imobiliária?

CMN regulamenta utilização de imóvel como garantia em mais de uma operação de crédito imobiliário

É possível comprar um apartamento ganhando só um salário mínimo?