Novo cenário para o mercado imobiliário: cobrança da TR deve encarecer as parcelas de quem tem financiamento imobiliário contratado (Eduardo Frazão/Exame)
Redação Exame
Publicado em 21 de janeiro de 2022 às 06h40.
Última atualização em 31 de agosto de 2023 às 15h26.
O ciclo de quatro anos de queda e patamares mais baixos da taxa básica de juros deixou para trás pontos importantes que fazem parte do dia-a-dia do sistema financeiro quando a Selic está mais alta, como acontece agora, com o juro em 9,25% ao ano. É o caso da Taxa Referencial, a chamada TR, para quem tem crédito contratado.
Grande parte das linhas de financiamento estabelece como fórmula uma taxa de juros fixa somada à TR. No caso do crédito imobiliário, a proporção de contratos em relação ao volume total que usam esse modelo é de 94% (os outros 6% referem-se às linhas que usam o IPCA, a poupança ou um valor fixo para determinar os juros).
Pela regra do Banco Central, quando a taxa Selic está abaixo ou igual a 8,5%, a TR fica "hibernando" e zerada. Acima de 8,5%, patamar em que se encontra desde dezembro passado, a TR volta a ter um valor calculado mensalmente. Como os juros básicos ficaram abaixo desse patamar entre 2017 e 2021, muitos brasileiros acabaram não levando em conta a TR ao entrar em um financiamento, mas terão que enfrentar a cobrança da taxa a partir de agora.
"Como a Selic ficou baixa durante um longo tempo, o mutuário achou que pagava só os juros, mas, na medida em que a TR não é mais zero, a prestação vai subir e só voltará a ficar estável quando a Selic cair abaixo desse patamar", explica Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper.
O ponteiro da TR saiu do zero no mês passado, a partir do momento em que o Comitê de Política Monetária (Copom) determinou um aumento da Selic de 7,75% para 9,25% ao ano.
Em dezembro, a taxa ficou em 0,04%. Nos primeiros 18 dias de janeiro, o valor da TR ficou em torno de 0,13%, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
Veja abaixo o histórico mensal da Taxa Referencial:
Na prática, se tomarmos a TR de janeiro como base para calcular quanto teríamos de taxa, em termos anualizados, o resultado será de mais de 1%. Esse é o valor que deve ser somado ao Custo Efetivo Total (CET) de um financiamento imobiliário.
Por exemplo: se o mutuário contratou um financiamento com taxa de juros de 8% ao ano, ele deverá somar a esses 8% o valor da TR estimada neste exercício, de 1%, para chegar ao seu custo final. Essa soma extra deve durar enquanto a Selic permanecer acima de 8,5%.
De acordo com as projeções de economistas compiladas no relatório Focus, do Banco Central, a taxa básica de juros só deve ficar abaixo desse patamar no fim de 2023. Isso indica que o custo extra da TR deve pesar no bolso dos brasileiros por quase dois anos.
"Considerando uma TR mensal de 0,1%, quem paga uma prestação de 1.000 reais já pode imaginar que vai passar a pagar 1.001,10 reais no primeiro mês, e assim por diante", pontua Rocha, do Insper.
Ele esclarece que a TR muda mensalmente e que é cobrada na forma de juros compostos. Ou seja: o impacto é cumulativo e incide tanto sobre a parcela quanto sobre o saldo devedor.
Em uma simulação do impacto da TR a 1% ao ano nas prestações de um financiamento de 500.000 reais no sistema SAC, fica evidente o quanto, aos poucos, a taxa vai pesando no bolso de quem contratou financiamento imobiliário. Caso a cobrança siga vigente por dois anos, ao final de 24 meses, a diferença nas prestações chegará a 100 reais.
No sistema SAC, as parcelas caem de valor pouco a pouco ao longo dos anos do financiamento, até que, na última prestação prevista em contrato, o mutuário pague apenas o principal, sem o acréscimo de juros e outras taxas. Por essa razão, qualquer acréscimo representa, de certa forma, um atraso na evolução do pagamento.
Olhando para o nível das prestações no exemplo mencionado, é como se o mutuário voltasse oito meses para trás. Ou seja: o valor da prestação com a TR no mês 24 é praticamente o mesmo valor da prestação sem a TR no mês 16.
Veja abaixo:
O exemplo acima é apenas ilustrativo. Para entender quanto, de fato, cada mutuário deverá pagar a mais em razão da volta da TR, é preciso acompanhar mensalmente o seu valor e somar esse adicional de juros ao valor da parcela e do saldo devedor.
Vale lembrar que, por causa do modelo dos juros compostos, quanto mais longe o devedor estiver do fim do contrato, maior tende a ser o impacto da volta da TR.
À primeira vista, um acréscimo mensal nos juros na casa dos décimos, como acontece com a TR, pode parecer insignificante. No entanto, como o financiamento da casa própria costuma envolver milhares de reais, qualquer décimo pode representar uma diferença importante para o bolso do consumidor, especialmente na soma total.
Vamos voltar ao mesmo exemplo de um financiamento recém-contratado de 500.000 reais, com pagamento em 20 anos e com juros de 8% ao ano. Se a TR ficar próxima do atual patamar ao longo dos próximos 24 meses, ao final desse período, o mutuário terá um acréscimo de cerca de 9.000 reais ao seu saldo devedor.
Rocha, do Insper, explica que mesmo que a TR volte a ser zero em um futuro próximo, esse aumento da dívida seguirá o mutuário até o fim do contrato, e a diferença não poderá ser amortizada com desconto antecipadamente, porque não é tratada como juros.
Veja abaixo a simulação do impacto da TR no saldo devedor de um financiamento imobiliário:
Criada durante o governo de Fernando Collor, em 1991, a Taxa Referencial foi formulada para ser um índice de correção sem relação com a inflação. O objetivo era desindexar o crédito e tentar evitar que a correção de preços, que àquela altura estava fora de controle, contaminasse as prestações futuras.
Embora o Brasil tenha deixado esse passado hiperinflacionário para trás, a TR continua vigente e, em razão do histórico de juros altos do país, vez ou outra volta a pesar no bolso. Além de representar um custo extra, essa taxa preocupa os mutuários, pois não é possível calcular o seu valor futuro.
"Explicando de maneira simples, a TR nada mais é do que o rendimento das LTN (como são chamados os títulos prefixados do Tesouro Direto) ponderado por um deflator estabelecido pelo Banco Central. Aqui são duas variáveis difíceis de prever, pois, primeiro, o desempenho da LTN depende dos juros futuros; e, segundo, o valor do deflator é estabelecido pelo Banco Central", pondera Rocha, do Insper.
Ele diz que a única certeza guardada para os brasileiros que possuem dívidas corrigidas pela TR é que, enquanto a Selic estiver acima de 8,5%, a prestação vai continuar subindo.