Marketing

Uma vitrine de três polegadas

Com mais de 500 milhões de smartphones no mundo, um número cada vez maior de empresas investe em aplicativos de celular para divulgar suas marcas - difícil é saber qual a melhor forma de fazer isso

iphone-2-jpg.jpg

iphone-2-jpg.jpg

DR

Da Redação

Publicado em 17 de maio de 2010 às 16h20.

De uns tempos para cá, publicitários de todo o mundo começaram a pensar pequeno. As grandes campanhas continuam a ser forjadas e as estratégias de marketing ficam cada dia mais sofisticadas diante do aumento da competição e de um consumidor que se renova. O pensar pequeno, portanto, não está no mundo dos conteúdos, mas no das formas. O avanço dos smartphones, com suas telas de pouco mais de 3 polegadas, tem obrigado publicitários e marqueteiros a descobrir a melhor forma de usar essa pequena - e poderosa - vitrine. Hoje, estão em operação em todo o mundo 500 milhões desses supercelulares, a maior parte deles nos Estados Unidos e na China. Trata-se de um mundo novo e ainda desconhecido para boa parte das empresas, mas que já despertou mudanças nas políticas de comunicação de companhias como Nestlé, Starbucks e Kraft. Além de consolidar a marca num mercado nascente, elas tentam hoje associar sua imagem à da sexy Apple (a Apple Store vende 80% de todos os aplicativos comercializados no mundo). No mercado de luxo, a pioneira dos aplicativos foi a Chanel. Em meados de 2008, a empresa lançou um programa que traz vídeos dos desfiles de alta-costura e ajuda a traçar uma rota para o ponto de venda de seus produtos mais próximo, de qualquer lugar dos Estados Unidos ou da Europa. A Gucci só conseguiu fazer o mesmo um ano mais tarde - e, mesmo assim, em caráter experimental. "Com mais de 3 bilhões de downloads de aplicativos feitos em todo o mundo em pouco mais de um ano e meio, as empresas chegaram a um ponto em que não ter um programa parece simplesmente ridículo", diz Tiago Ritter, da W3 Haus, agência gaúcha especializada em publicidade digital.

A julgar pelos casos de maior sucesso entre aplicativos patrocinados por grandes marcas, pode-se dizer que o sucesso de um programinha desse tipo é resultado direto da quantidade de serviços que ele oferece - ou do quão útil ele é para o usuário. "De nada adianta criar um produto lindo, com layout incrível, se ele não passa de brincadeira", diz Lucas Mello, sócio da agência de publicidade LiveAd. "No máximo, o aplicativo será citado numa conversa de bar. Daí para o ostracismo é um pulo." Uma rápida comparação entre duas concorrentes dá uma ideia do que isso significa. No segundo semestre de 2009, as fabricantes de alimentos para animais Purina, da Nestlé, e Pedigree, da Mars, lançaram nos Estados Unidos aplicativos para celular voltados para donos de bichos de estimação. O da Pedigree permitia gravar o latido do animal e reproduzi-lo com um simples chacoalhar do aparelho. A Purina, por sua vez, lançou um sofisticado serviço de localização de hotéis, pet shops, veterinários e abrigos para cães e gatos abandonados em qualquer ponto do país. Adivinhe qual foi o campeão de downloads? Embora as empresas não divulguem os números, há um termômetro inequívoco da liderança da Purina. Seu aplicativo está na lista dos 100 mais baixados da Apple Store - o da concorrente nunca apareceu no ranking. 


Mais do que uma nova vitrine tecnológica da marca, alguns aplicativos tornaram-se uma alternativa à forma de fechar negócios. A fabricante de tintas americana Benjamin Moore, por exemplo, sempre foi considerada uma das melhores companhias de seu setor, mas sua influência restringia-se a um grupo de arquitetos e decoradores. O lançamento do aplicativo Ben Color Cap ture, em maio de 2009, mudou esse quadro. O programa, que permite identificar numa paleta de 3 300 cores o tom exato de qualquer objeto fotografado - flores, bichos e até o tapete do vizinho -, virou febre entre os americanos. Estima-se que as vendas da empresa tenham aumentado 20% nos primeiros três meses após o lançamento, o que fez com que concorrentes como a Sherwin Williams lançassem algo semelhante poucos meses depois. Pelo menos no que diz respeito à imagem de inovação da marca, já era tarde demais.

A chance de um aplicativo ser bem-sucedido aumenta quando ele é resultado de um desejo legítimo do consumidor - e não apenas de um insight supostamente inspirado de algum publicitário. Trata-se de um mandamento fundamental dos negócios, algo óbvio, mas frequentemente esquecido na ânsia de seguir a manada. Quando aplicado com excelência, o mandamento da utilidade não falha. Em 2008, a Starbucks, maior rede de cafeterias do mundo, estava diante de um quadro sombrio: os clientes haviam desaparecido das lojas e o lucro caíra pela primeira vez desde a abertura de capital, em 1992. Numa tentativa desesperada de resgate, o fundador da Starbucks, Howard Schultz, afastado dos negócios desde 2000, retomou o comando da companhia e colocou em prática um amplo programa de relacionamento com clientes. Uma de suas medidas foi o lançamento de um site dedicado a coletar críticas e sugestões de consumidores - das 80 000 ideias enviadas, 50 foram aproveitadas nas lojas. O passo seguinte foi expandir a iniciativa. A rede passou a mapear os desejos e as necessidades de seus clientes, criando promoções específicas para cada público. Em setembro do ano passado, essas informações deram origem a dois aplicativos: um localizador de lojas (capaz de traçar rotas) e uma espécie de cartão de fidelidade, em que o usuário é recompensado com refis de café e acesso livre à internet (em algumas lojas, é possível pagar a conta com o celular). Juntos, os dois aplicativos já foram baixados por mais de 1 milhão de celulares, e são apontados por analistas de mercado como um dos responsáveis pelo aumento de 4% nas vendas da Starbucks em 2009, em comparação ao ano anterior.


Num mercado em constante disputa pela atenção do consumidor - estimase que sejam lançados no mundo mais de 100 aplicativos por dia -, fazer com que o cliente continue usando o software é quase tão importante quanto articular um lançamento bombástico. É isso o que vem tentando fazer a americana Kraft Foods, maior empresa de alimentos do mundo. Embalada pela popularidade do iFood Assistant, que reúne mais de 7 000 receitas no estilo passo a passo, a Kraft resolveu destinar a um grupo de 4 500 funcionários uma verba individual de 100 dólares mensais para a aquisição de aplicativos e iPhones. A ideia é fazer um levantamento entre esses usuários de quais são os softwares mais populares, que serviços eles oferecem e, principalmente, como algumas das 20 marcas da empresa poderiam se beneficiar de um novo aplicativo. Com isso, a companhia espera perpetuar o sucesso alcançado pelo iFood, que, desde seu lançamento, em 2008, está na lista dos 20 programas mais baixados da Apple na categoria estilo de vida (a empresa não divulga a quantidade de downloads). "As pessoas estão dispostas a pagar 99 centavos para entrar em contato com uma marca", diz Fernando Camargo, da agência de marketing Mobile Man, especializada em ações para celular. "Se isso não é o sonho de todo marquetei ro, então nada mais é."

Desenvolver um aplicativo que seja descolado e útil ao mesmo tempo tem lá seus desafios. Em primeiro lugar, é fundamental que o programa esteja 100% livre de bugs - não estar significa ser execrado, juntamente com a marca que pretende promover, pelos usuários em redes sociais, como Twitter e Facebook. (Se esse não é o pesadelo de todo marqueteiro, então nada mais é.) Os aplicativos mais bem-sucedidos até agora passaram por uma bateria de testes ao longo de quase um ano, tanto com técnicos quanto com consumidores na vida real. "Se o aplicativo falhar, ninguém vai culpar o aparelho de telefone, e sim o dono do programa", diz Mello, da LiveAd. O segundo cuidado é não confundir bom humor e informalidade, elementos que têm tudo a ver com o universo digital, com desrespeito - um "pecado" cometido pela Pepsico. Para promover o energético AMP, a empresa lançou em outubro um aplicativo com dicas para conquistar 24 tipos de mulher, como a tigresa, a esportista e a intelectual. O programa foi tão criticado na internet e na mídia tradicional que a Pepsico decidiu suspendê-lo dois meses depois. Finalmente, é preciso garantir que o serviço prestado seja diferente do que já está disponível por aí. Sim, mais uma vez é preciso chegar primeiro. Chegar atrasado, como aconteceu com a montadora alemã BMW, é como não chegar. Em agosto de 2009, a empresa uniu-se à seguradora americana Allstate para lançar um aplicativo para o Mini Cooper, um de seus modelos de maior sucesso nos últimos tempos. Entre outras coisas, o programa oferecia links para sites de oficinas próximas em caso de problemas com o carro. Seria uma ótima sacada - se os usuários não achas sem mais fácil e rápido encontrar socorro pe lo já conhecido Google Maps, que inclusive traça a melhor rota a ser percorrida. O Mini Roadside Assistance, como foi batizado, jamais decolou (o número de downloads realizados não é divulgado) e, embora tenha sido uma das primeiras montadoras a desbravar esse universo, a BMW teve de recuar. Prova de que mais difícil do que entrar nesse universo é conseguir ser relevante nele.


Acompanhe tudo sobre:AlimentaçãoBebidasCafeteriasCelularesEmpresasEmpresas americanasEmpresas suíçasFast foodIndústria eletroeletrônicaKraft HeinzMarcasNestléStarbucks

Mais de Marketing

Caravana de Natal da Coca-Cola Femsa Brasil percorre 85 cidades e tem até IA; veja locais

Spaten: como uma marca de 600 anos continua de pé e 'lutando' pelo consumidor?

Creamy, marca de skincare, expande portfólio e entra no mercado de perfumes

O que é preciso para ser um CMO nos dias de hoje? Philip Kotler responde à EXAME