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Tempo de experimentar

Sem um líder definido após a morte do empresário José Nelson Schincariol, a terceira maior cervejaria do país aposta o futuro numa mudança do negócio

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h55.

Há cerca de dois meses, a Schincariol, uma das maiores fabricantes de bebidas do país, com faturamento de 1 bilhão de reais no ano passado, vem sofrendo o impacto de fortes mudanças. Uma parte delas foi planejada. É uma transformação impulsionada pelo lançamento da Nova Schin, cerveja que chegou ao mercado em setembro, apoiada por um maciço investimento em publicidade. Com ela, a Schincariol, uma empresa que nos seus 64 anos de existência manteve essencialmente uma cultura voltada para a produção, aposta pela primeira vez na construção de uma marca.

A outra mudança, dramática e imprevista, trará conseqüências que só o tempo revelará. Trata-se de um vazio no comando, causado pela morte do empresário paulista José Nelson Schincariol, até então o presidente da empresa, assassinado duas semanas antes do lançamento da Nova Schin. Ainda sob o choque da tragédia, enquanto as notícias sobre a investigação do crime eram destaque na imprensa, os executivos da empresa se viram diante da necessidade de se reorganizar e tocar o plano de marketing da nova cerveja.

Até agora a Schincariol, com seis fábricas espalhadas pelo país e 6 200 funcionários, não tem presidente. A gestão está provisoriamente a cargo de um colegiado, constituído pelos dez diretores que se reportavam a Nelson. Entre eles estão seus filhos, Alexandre e Adriano, seu irmão, Gilberto, e seus sobrinhos Gilberto Júnior e José Augusto. "É como um time que perdeu o melhor jogador", diz Adriano, de 26 anos, diretor de marketing da Schincariol, cotado como possível sucessor do pai. "Os demais membros da equipe têm de ajudar um ao outro e cobrir a ausência dele."

Nos escritórios centrais e na fábrica da Schincariol em Itu, no interior paulista, a atividade é intensa para atender à demanda criada pelo lançamento. De quando em quando, é inevitável deparar com sinais da presença de Nelson, durante quase cinco décadas na empresa. Ele começou a trabalhar aos 13 anos limpando rótulos de garrafa para o pai, o imigrante italiano Primo Schincariol, e morreu aos 60 anos. Na Toca do Tatu, uma espécie de refúgio implantado no meio da área de produção, onde gostava de passar horas tomando cerveja e petiscando com amigos e convidados, é possível ver uma das raras fotos de Nelson, tirada numa comemoração interna. (Ele não dava entrevistas e evitava se expor publicamente.) Na sala de reuniões da diretoria, ocupava sempre o mesmo lugar na cabeceira da mesa. "Até agora a gente não acredita no que aconteceu", diz o diretor comercial Francisco Flora Neto, de 61 anos de idade, há 34 na Schincariol. "Parece que o Nelson está viajando e a qualquer hora vai voltar e se sentar ali naquela cadeira."

Os acontecimentos recentes serão determinantes para os rumos futuros da Schincariol. Como ficará a gestão? "Ainda não decidimos se será contratado um executivo de fora para a presidência ou se alguém daqui assumi r", diz Adriano. "O certo é que o controle continuará com a família." A Schincariol não conta sequer com um conselho de administração. Mesmo com o crescimento dos últimos anos, quando foram investidos 680 milhões de reais para construir cinco fábricas e quase triplicar o faturamento (veja quadro acima), a gestão permaneceu centralizada. Somente há dois anos foram criadas diretorias regionais.

Nelson mal havia começado a preparar a sucessão. Ele não tinha formação superior, mas seus filhos estudaram administração de empresas. Adriano fez o curso à noite, numa faculdade de Itu, e trabalhava durante o dia na Schincariol. "Da mesma forma que meu pai, achei que a melhor escola seria a da vida", diz ele. "Mas procuramos estar sempre ligados e de vez em quando a gente faz um curso fora." Adriano já freqüentou aulas no Institute for Management Development (IMD), na Suíça. Começou no departamento de compras, aos 17 anos, e passou por estágios em todas as áreas. Assumiu no início deste ano a diretoria de marketing, cargo que até então não existia na Schincariol. Adriano não segue em tudo o exemplo do pai. Nelson costumava aparecer na fábrica nos fins de semana e nunca tirava férias. "A vida dele era só a empresa. Eu acho essencial tirar férias", diz. "A gente concordava em algumas coisas, em outras não."

No desenvolvimento do negócio, Adriano afirma que não há o que retocar em relação ao que o pai deixou estabelecido. O planejamento de marketing, feito pela primeira vez na Schincariol, tem ações previstas até dezembro de 2004. "Até lá a empresa está no trilho", diz Adriano. "Não há nada de importante que precise ser decidido." O objetivo é ampliar as vendas de cerveja em 50% nos próximos três anos. Mas a ambição principal, porém, é a mudança de categoria de mercado. A antiga Schincariol era uma cerveja com preço máximo no varejo de 1,30 real a garrafa de 600 mililitros. Já a Nova Schin sai por até 2,20. "É uma faixa mais rentável, embora você gaste mais em marketing", diz Adriano. A Schincariol reservou 120 milhões de reais para investimento em publicidade e promoção neste ano, quase o dobro da verba de 2002. "A tentativa é construir uma marca de fato", diz Adalberto Viviani, presidente da Concept, consultoria especializada nos setores de alimentos e bebidas. "Sem isso, a Schincariol não conseguiria aumentar o preço."

Com a mudança, a Schincariol quer ganhar novos consumidores. Após uma escalada nos primeiros dez anos em que disputou o mercado de cerveja, desde 2000 sua participação estagnou pouco abaixo de 10% do volume total vendido no país. No estrato em que estava focada, o do consumidor que compra apenas pelo preço, sua cerveja bateu num limite. "Já havíamos ocupado dois terços dessa faixa e precisávamos romper a barreira", afirma José Domingos Francischinelli, diretor financeiro e de planejamento.

A Schincariol passa a desafiar diretamente as marcas que somam quase 80% do mercado: a trinca Skol, Brahma e Antarctica, da AmBev, e a Kaiser, comprada no ano passado pelo grupo canadense Molson. Os executivos da Schincariol não escondem que o primeiro passo seria superar a número 2 do mercado, a Kaiser. "Hoje temos apenas um grande concorrente, a AmBev", diz o canadense Robert Coallier, presidente da Kaiser. "Pode ser que venhamos a ter outro, mas é cedo para dizer. O risco de subir de faixa de preço é alto."

A Schincariol também havia começado a sofrer pressão vinda de baixo, de novos fabricantes que brotaram com uma estratégia guerrilheira igual à sua -- oferecer produto barato e atacar nas regiões de periferia e no pequeno varejo. "A Schincariol abriu o caminho para si mesma, mas abriu também para outras que vieram na sua esteira", diz o publicitário Eduardo Fischer, presidente da agência Fischer América, dona da conta da empresa. "Ela passou a perder mercado para cervejarias menores em algumas regiões."

A estratégia para mudar de patamar começou a ser traçada por Nelson há cerca de dois anos. Quando, seis meses atrás, ele fechou contrato com a Fischer América, já estava com a nova cerveja em fase final de desenvolvimento. "O Nelson me chamou e disse: fizemos tudo o que podíamos ter feito do portão para dentro", afirma Fischer. "Agora nos ajude a fazer do portão para fora."

Do portão para dentro, parte do trabalho foi criar um produto mais atraente que a antiga Schincariol, tachada de sem-gosto por muitos bebedores de cerveja. "Fizemos pesquisas de mercado para elaborar uma fórmula de acordo com o que o consumidor gosta", diz o gaúcho Ruben Froemming, de 53 anos, mestre-cervejeiro formado na Universidade de Munique, na Alemanha, e ex-funcionário da AmBev. "A Nova Schin é a coroação da minha carreira profissional." Gerente industrial da Schincariol há quatro anos, Froemming era um dos companheiros habituais de Nelson na Toca do Tatu. Segundo ele, toda sexta-feira, no final do expediente, Nelson costumava enfiar-se na Toca para relaxar. "A gente ficava até os passarinhos cantarem", diz.

Na sexta-feira 15 de agosto, Nelson chegou mais cedo. Por volta das 11 horas já estava na Toca do Tatu. Queria mostrar a Manezinho, dono do bar carioca Petisco da Vila, a nova cerveja que estava preparando. Nelson levou o convidado até a torneira de um dos tanques da cervejaria, encheu um copo e pediu a ele que experimentasse. Um pouco constrangido, Manezinho não conseguiu esconder que estava decepcionado. Nelson, então, deu a Manezinho um copo de cerveja tirada de outro tanque. "Aí a expressão dele mudou e ficamos umas 2 horas bebendo", diz Froemming. O primeiro tanque estava carregado com a antiga Schincariol. O outro continha uma prova da Nova Schin.

Nelson não pôde acompanhar o lançamento. Três dias depois, na noite da segunda-feira, foi assassinado ao entrar com seu Audi A-6 na garagem de casa, em Itu. Nos dias que se seguiram ao crime, os executivos e funcionários da Schincariol, mesmo abalados, seguiram com os preparativos para colocar no mercado a Nova Schin e tentar iniciar uma nova fase da empresa.

Fundada como uma fábrica de refrigerantes, durante décadas a Schincariol dependeu basicamente de sua tubaína. Em 1989, começou a produzir cerveja aproveitando uma oportunidade: os fabricantes tradicionais não davam conta de atender à demanda no verão. O crescimento rápido, conseguido praticamente sem divulgação, chamou a atenção. Concorrentes ajudaram a alimentar a suspeita de que a cerve ja Schincariol era mais barata devido à sonegação de impostos. Investigações do Fisco correram e autos de infração foram lavrados, mas nada foi provado contra a empresa. "Somos fiscalizados a todo momento e não temos nenhum problema", afirma Adriano. "Se houvesse alguma pendência fiscal, não teríamos financiamentos do BNDES nem incentivos para a construção de nossas fábricas em cinco estados."

A sonegação de impostos no mercado de cerveja ultrapassou os 700 milhões de reais em 2002, de acordo com Sindicerv, o sindicato das indústrias do setor, do qual a Schincariol não é associada. Para inibir a sonegação, há poucos dias a Receita Federal aprovou a implantação nas fábricas de medidores eletrônicos de vazão, ligados online aos seus computadores. As cervejarias têm prazo de seis meses para adotar o sistema.

Seja como for, o tempo de concorrer no mercado apenas com base no preço ficou para trás. "A Schincariol deixou de ser uma cervejaria regional e está querendo se posicionar de maneira diferente", diz Iuri Aguiar, presidente da Confenar, confederação dos revendedores das marcas Antarctica, Brahma e Skol. "Não estamos preocupados, desde que a competição se dê em igualdade de condições. Com a Nova Schin, esperamos que eles também venham a ser mais profissionais."

A Schincariol nunca havia feito uma convenção com todos os seus 350 revendedores. Para o lançamento da Nova Schin, promoveu uma festa, reunindo mais de 1 000 pessoas durante dois dias no Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro. O programa foi aberto com um show da cantora Maria Rita e teve participação da turma do Casseta & Planeta para animar a platéia. Custou 2 milhões de reais. A empresa também entrou na briga pelo patrocínio de eventos populares. A Nova Schin será a cerveja oficial do Carnaval do Rio de Janeiro e de Salvador no ano que vem. Para se aproximar do público jovem, patrocinará no final deste mês o campeonato mundial de surfe, na praia da Joaquina, em Florianópolis.

Ainda é cedo para saber se a Nova Schin levará a Schincariol aos objetivos almejados. No primeiro mês de venda, houve uma explosão causada pelo sucesso -- esse, sim, já comprovado -- da publicidade do novo produto. Com apenas quatro dias de veiculação martelando o bordão "Experimenta" em revistas, jornais, outdoors e na TV, a campanha conseguiu fazer da marca Nova Schin a mais lembrada pelos consumidores, à frente de comerciais que estavam no ar havia meses, segundo pesquisa do instituto Datafolha. O faturamento da Schincariol em setembro superou em 15% o do mês anterior. "O ano foi sacrificado até agosto", diz Francischinelli. "Com a Nova Schin, podemos conseguir uma recuperação até dezembro." A expectativa é fechar o ano com receita superior a 1,3 bilhão de reais e equilibrar o resultado após três anos seguidos de prejuízo.

Os consumidores que estão experimentando vão continuar comprando? "O risco maior é o consumidor procurar a Nova Schin e não conseguir encontrar", diz Fischer. "Agora a empresa terá de trabalhar muito com a distribuição e o atendimento." O produto da Schincariol ainda não chega a pontos importantes. Em alguns bares de Brasília, consumidores estimulados pela propaganda ficaram frustrados ao não encontrar a cerveja. O Distrito Federal é uma das áreas em que a Schincariol tem a menor participação de mercado: apenas 3,9%, ante 84% da AmBev. Na região metropolitana do Rio de Janeiro a distribuição é desigual. Chega bem às favelas e à Baixada Fluminense. "Agora a Schincariol precisa entrar na zona sul", afirma Fischer.

Francischinelli admite que há falhas de atendimento. "Estamos nos esforçando para cobrir as lacunas", diz ele. "Vamos ampliar a entrega por terceiros e com os nossos centros de distribuição." A montagem de centros próprios foi uma solução que a empresa começou a adotar há um ano para acelerar a melhoria da distribuição. Com investimento de 75 milhões de reais, 25 centros foram abertos em áreas ainda não cobertas por revendedores. Na Grande São Paulo, outra região em que a marca tem participação fraca -- de 5,8% na medição mais recente --, foram implantados dois CDs. Um terceiro será montado no ABC paulista.

EMPILHANDO OS CANECOS
Em sete anos, a Schincariol investiu na
construção de cinco fábricas fora de São Paulo... (em milhões de reais)
82
97
98
33
99
117
00
40
01
32
02
256
03
120*
...e quase triplicou o faturamento... (em milhões de reais)
97
495
98
611
99
654
00
690
01
666
02
955
03
1 342*
*Previsão
...mas vem operando com prejuízo há três anos (resultado
em milhões de reais)
97
10
98
21
99
31
00
-14
01
-11
02
-59
Fonte: empresa
NA BOCA DA GARRAFA
A Schincariol é a terceira maior cervejaria
do país... (em % do volume total de vendas*)
AmBev
69,4
Kaiser
12,5
Schincariol
9,9
Outras
8,2
*Dados de junho-julho de 2003
...mas na disputa por marcas está em quinto
lugar (em % das vendas*)
Skol+Carlsberg
33,6
Brahma+Miller
21,8
Antarctica
14
Kaiser+ Heineken
10,1
Schincariol +Primus
9,9
Outras
5,8
Bavaria
2,4
Petrópolis
2,4
Fonte: empresas
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