Amy Webb apresenta cenários sobre o impacto da inteligência artificial e reforça que o fator humano segue essencial em criatividade, ética e empatia ( Ken Chu/Expressão Studio/Divulgação)
Redação Exame
Publicado em 15 de março de 2025 às 15h57.
*Por Ronaldo Martins
O South by Southwest (SXSW) nunca foi um evento de consenso. Ele é, por natureza, um espaço de colisão entre ideias, tendências emergentes e dilemas que estamos aprendendo a navegar. Talvez, por isso, saia tanta gente de Austin, nos Texas (EUA) com opiniões diferentes sobre o evento, e isso não é ruim.
Se há um fio condutor em 2025, é o fato de que tecnologia, sociedade e cultura nunca estiveram tão interligadas. Mas, ao contrário da sensação de desencanto que alguns relatam, vi por aqui discussões que não apenas reconhecem os desafios, mas apontam caminhos concretos para o que vem por aí.
A inteligência artificial pode estar avançando a passos largos, mas as palestras de Amy Webb e Meredith Whittaker trouxeram um recado claro: o futuro ainda é moldado pelas nossas escolhas. E a boa notícia? Nunca tivemos tanto acesso à informação e ferramentas para tomar decisões melhores.
Webb apresentou cenários provocativos sobre o impacto da IA na sociedade, alertando para o “superciclo tecnológico” que estamos vivendo.
“Cada avanço que fazemos nos aproxima de um ponto sem volta, mas isso não significa que não possamos guiá-lo”, provocou. O fator humano segue sendo insubstituível em criatividade, ética e empatia.
E se estamos “sozinhos, apesar de conectados”, talvez o problema não esteja na tecnologia, mas na forma como a usamos. Kasley Killam, cientista social e pesquisadora de conexões humanas, trouxe um dado preocupante: 20% dos adultos nos EUA se sentem cronicamente sozinhos. A solidão, segundo ela, impacta nossa saúde tanto quanto fumar 15 cigarros por dia. Esse isolamento não é só físico; é emocional. E é aí que entra a IA.
Os sistemas de inteligência artificial estão prontos para interagir conosco como nunca antes. Mas queremos que nossa principal fonte de conexão no futuro seja um chatbot hiperinteligente? Ou queremos construir relações reais, sustentadas por empatia, propósito e presença? Essa foi a provocação deixada em diversos painéis. A tecnologia pode facilitar encontros, mas não pode substituir a experiência humana de se sentir visto, ouvido e compreendido.
Por que paramos de ouvir as pessoas? Por que estamos culpando as máquinas pelo afastamento das pessoas se isso é algo sobre o qual temos 100% de controle? Seria uma forma de escapar da nossa realidade egoísta onde ouvir os outros parece perda de tempo?
Em tempos de incertezas políticas, é natural esperar posicionamentos mais firmes. Mas, se os grandes players evitaram confrontos diretos, isso não significa que o evento tenha sido um palco de conformismo.
Afinal, Tim Berners-Lee, inventor da World Wide Web, não hesitou em defender a regulação da internet para evitar que o futuro digital se torne um monopólio de algumas poucas empresas.
Meredith Whittaker, presidente do Signal, foi ainda mais enfática ao afirmar que a criptografia forte é uma necessidade absoluta para a liberdade individual em um mundo cada vez mais vigiado.
E quando falamos de resistência, não podemos esquecer Tom Morello, que subiu ao palco do SXSW para discutir o papel da música e da cultura na luta por direitos. “A arte sempre foi um megafone para quem não tem voz”, declarou. A discussão não foi sobre algoritmos ou blockchain, mas sobre algo muito mais profundo: o que resta quando tudo vira dado, mercado e otimização?
O clima nos EUA está carregado, mas isso não quer dizer que Austin perdeu sua relevância como espaço de debate. Pelo contrário: talvez seja justamente por estar no olho do furacão que o evento continue sendo tão essencial.
A creator economy pode estar em uma fase de amadurecimento, mas os números provam que ainda há um oceano de possibilidades.
O SXSW trouxe cases de criadores que estão transformando sua audiência em marcas sustentáveis—e, mais do que nunca, a autenticidade segue sendo o maior diferencial.
Um dado interessante: 78% dos criadores já sentem os impactos do burnout digital. Isso quer dizer que o modelo precisa mudar, e rápido.
Os debates trouxeram caminhos alternativos, desde a valorização de comunidades engajadas até a transição para modelos de monetização mais sustentáveis, longe da corrida frenética pelo alcance.
Joshua Fields Millburn, do projeto The Minimalists, foi direto ao ponto: “Nenhuma quantidade de seguidores vai preencher o vazio se você não souber o que realmente importa para você”.
O SXSW nunca foi sobre trazer conclusões definitivas. Ele é sobre provocar, desafiar e ampliar horizontes. Se a edição de 2025 trouxe incômodo, talvez isso seja justamente um sinal de que estamos no caminho certo.
E para quem acredita que o frescor se perdeu, uma pergunta: será que os visionários que desafiaram o status quo no passado deixaram de existir? Ou será que o desafio agora é outro e cabe a nós reconhecermos as novas vozes que estão surgindo?