Jogo do Brasileirão: expectativa de que a regulamentação leve a uma redução no número de empresas em atuação no país (Wagner Meier/Getty Images)
Professor e colunista
Publicado em 9 de outubro de 2024 às 20h42.
Última atualização em 9 de outubro de 2024 às 20h46.
No cenário atual brasileiro, um tema vem ganhando destaque e gerando debates acalorados: a regulamentação das empresas de apostas online, conhecidas como bets. Este assunto não apenas levanta questões sobre a legalidade e ética do negócio em si, mas também traz à tona uma discussão crucial sobre como a publicidade dessas empresas deve ser tratada.
À primeira vista, pode-se traçar um paralelo com a indústria do tabaco. Houve uma época em que os cigarros eram promovidos livremente, com estratégias de marketing agressivas e propagandas sem restrições. No entanto, conforme os estudos científicos revelaram os malefícios do fumo e sua natureza viciante, a publicidade do tabaco passou a ser severamente restringida por determinações do STF (Supremo Tribunal Federal), Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e diretrizes do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária).
Os números relacionados às bets são alarmantes e sugerem a necessidade de uma regulamentação rigorosa. Pesquisas recentes indicam um gasto expressivo da população brasileira em apostas online. Particularmente preocupante é o dado de que cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família já gastaram aproximadamente R$ 3 bilhões em apostas online somente em 2024. O Banco Central estima que 15% dos brasileiros despendem parte de sua renda em bets, sinalizando um possível comprometimento financeiro e indícios de dependência patológica.
Contudo, ao analisarmos o aspecto publicitário, percebemos que a questão é complexa e merece uma abordagem multifacetada. A publicidade no Brasil lida com uma ampla gama de produtos e serviços, alguns dos quais exigem um olhar mais atento e regulamentação específica. Neste contexto, entidades como Conar desempenham papéis fundamentais, inclusive no seu diálogo com outros órgãos importantes como o Cenp (Fórum da Autorregulação do Mercado Publicitário), a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), a Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), entre outras.
O caso das bets apresenta desafios únicos. Por ser um setor relativamente novo no Brasil, ainda carece de uma regulamentação mais consistente. O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou recentemente que cerca de 600 sites de apostas devem ser retirados do ar a partir desta próxima quinta-feira, 10, muitos deles operados por pequenas empresas internacionais sem credibilidade e que frequentemente fazem uso de propaganda enganosa nas redes sociais para aliciar jogadores.
Do outro lado, empresas com grande poder financeiro estão em processo de legalização. Dentre elas a Esportes da Sorte, que recentemente fechou um contrato de patrocínio de R$ 309 milhões de reais com o Corinthians. Um valor histórico. Tanto Esportes da Sorte, quanto a VaideBet, outra empresa em processo de legalização, ambas estão sob investigação por suspeitas de jogo ilegal e lavagem de dinheiro, envolvendo celebridades como a influencer Deolane Bezerra e o cantor Gusttavo Lima.
Diante desse cenário complexo, que envolve quantias astronômicas e intenso lobby nos bastidores, é imperativo que o governo adote uma postura séria e vigilante em relação às empresas de jogos de azar. Além disso, é necessário fomentar mais estudos para compreender e evidenciar os potenciais malefícios dos jogos de azar na população brasileira.
No que tange à publicidade, é crucial ampliar o diálogo entre os diversos setores envolvidos. O Conar, em particular, deve ter autonomia para elaborar diretrizes que sejam coerentes com o negócio das bets, mas que também protejam os interesses da sociedade.
O conselho já delimitou as principais diretrizes ainda em 2020, no Anexo "X" do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, em que, entre outras orientações, estão a obrigatoriedade de indicar o anunciante e sua autorização de funcionamento, o aviso da proibição para menores de 18 anos e a proibição de associar as apostas com ganhos certos, fáceis ou elevados ou sugerir como uma alternativa ao emprego. Também não devem promover o exagero do jogo de apostas e devem incluir uma mensagem de alerta como "Apostar pode causar dependência" ou "Jogue com responsabilidade". Essas diretrizes precisam ser respeitadas tanto pelo mercado quanto pelos consumidores que possuem o papel essencial de denunciar irregularidades.
Em suma, a regulamentação da publicidade das bets no Brasil é um desafio que demanda uma abordagem equilibrada e multidisciplinar. Embora as diretrizes principais já estejam definidas, é preciso uma nova discussão e revisão à luz dos recentes indícios de dependência e vícios. É preciso encontrar um meio-termo entre permitir que as empresas legalizadas possam se comunicar com seu público-alvo e proteger os consumidores de práticas predatórias ou enganosas. Somente por meio de um debate amplo e inclusivo, envolvendo todos os stakeholders, poderemos chegar a uma solução que beneficie a sociedade como um todo, sem sufocar um setor econômico emergente. É hora de apostar em uma regulamentação responsável e ética.