Pedestres passam por uma loja da Nike, em Xangai, China. (SOPA Images / Colaborador/Getty Images)
Vanessa Barbosa
Publicado em 18 de outubro de 2019 às 07h35.
São Paulo – No mundo em rede, o rumo dos negócios pode mudar da noite para o dia com apenas um post nas mídias sociais. Ainda mais na China. Prova disso é o atrito que se instalou entre a segunda maior economia do mundo e a Associação Nacional de Basquete dos Estados Unidos (NBA, na sigla em inglês) após um tuíte de um dirigente da equipe profissional norte-americana de basquetebol Houston Rockets. E a Nike está no meio do fogo cruzado.
Na semana passada, Daryl Morey, gerente geral do Houston Rockets, manifestou no Twitter seu apoio aos protestos antigovernamentais e pró-democracia em Hong Kong, afirmando "Lute pela liberdade, fique com Hong Kong". O posicionamento ficou pouco tempo no ar — Morey apagou a mensagem e se desculpou. Afirmou ainda que o comentário anterior era uma opinião dele e não representava a equipe Rockets ou a NBA.
Mas isso não aliviou as tensões. Em retaliação à atitude do executivo esportivo, a televisão estatal chinesa suspendeu a transmissão dos jogos de pré-temporada da NBA disputados no país na semana passada. Estima-se que o esporte mobilize um mercado com cerca de 500 milhões de fãs na China. Além disso, a gigante tecnológica chinesa Tencent, que detém os direitos digitais dos jogos da NBA na China, deixou de exibir as partidas do Rockets e notícias relacionadas à equipe. A empresa é parceira de mídia digital da NBA desde 2009 e recentemente uma extensão de seu acordo para a temporada 2024-2025 da ordem de US$ 1,5 bilhão.
Mas e a Nike com isso? A maior fabricante de artigos esportivos do mundo é a fornecedora exclusiva dos uniformes em quadra da NBA. Assinou o contrato de oito anos na temporada 2017-2018, substituindo a Adidas. A China é uma região de grande crescimento para a Nike, pois o país representa mais de 300 milhões de jogadores de basquete e cerca de 500 milhões de fãs da NBA. Na esteira das tensões entre a NBA e Pequim, as lojas da Nike na China retiraram discretamente suas mercadorias do Houston Rockets das prateleiras na semana passada, de acordo com agência de notícias Reuters.
Para a Nike, a China é a "principal fonte de crescimento da receita, à medida que outras regiões desaceleram", escreve a Reuters. Presente no país há mais de três décadas, onde também produz cerca de 25% de seus produtos, a empresa parece pisar em ovos no país. Em junho deste ano, a Nike também deu um passo atrás e recolheu de todos os seus varejistas no país um tênis lançado em colaboração com a marca de streetwear japonesa Undercover.
O motivo? Assim como o dirigente esportivo norte-americano, o designer da nova linha de sapatos compartilhara um post de cunho político no Instagram em apoio às manifestações pró-democracia que têm varrido Hong Kong. A postagem, feita na página da marca japonesa, gerou controvérsia nas mídias sociais e atraiu reações dos consumidores chineses, o que obrigou o estúdio a apagar o post, chamando-o de “opinião individual”.
Claramente, a Nike está preocupada em não agitar os humores na China. Mas alguns veem a reatividade às sensibilidades do país como uma jogada hipócrita da marca. Explica-se. No ano passado, a marca apoiou o jogador de futebol americano Colin Kaepernick em seu protesto contra a opressão racial nos EUA. Comparado a um herói da justiça social, o jogador foi o rosto da campanha dos 30 anos do slogan “Just do it”.
A ação consistia numa imagem em preto e branco do rosto do atleta com a mensagem “Acredite em algo. Mesmo que isso signifique sacrificar tudo”. Durante a pré-temporada de 2016 da Liga de Futebol Americano dos Estados Unidos (NFL), Kaepernick ajoelhou-se ao longo do hino nacional dos EUA como uma maneira de pedir ao país que proteja e defenda os direitos de seu povo, em resposta à violência e brutalidade da polícia contra pessoas negras.
Em um mundo voraz por transparência e coerência, associar a força de uma marca com causas sociais é um movimento que, cada vez mais, reflete positivamente aos olhos dos consumidores em todo o mundo, segundo estudo da agência global de relações públicas Edelman. Mas eles estão atentos e cobrarão coerência no que a marca diz e faz. No Twitter, um usuário alterou o mote da campanha da Nike para ironizar a atitude da empresa no mercado chinês: “Acredite em algo. A menos que isso irrite a China”.