Gabriela Prioli em campanha para marca de cosméticos (@gabrielaprioli/Instagram/Reprodução)
É raro encontrar alguém que não tenha sido, de nenhuma forma, afetado pela pandemia da covid-19. Com as marcas e influenciadores não foi diferente: o combate ao coronavírus trouxe a necessidade de informar a população e estimular a quarentena para aqueles que pudessem ficar em casa, além de abordar uma série de outros temas, de questões financeiras a saúde mental.
Esta noção de responsabilidade acelerou uma transformação que já estava em curso no mercado do marketing de influência. Cada vez mais, empresas desejam associar suas imagens a influenciadores capazes de criar conteúdo relevante, ligados a uma causa, e não simplesmente vender produtos.
Um dos casos mais marcantes sobre esta transformação foi o do “cancelamento” — jargão usado nas redes para designar um boicote — da influenciadora Gabriela Pugliesi. Uma das principais vozes do segmento de bem-estar, ela foi uma das primeiras celebridades a contrair covid-19. Tempos depois de curada, postou fotos de uma reunião com amigos em meio à pandemia.
A publicação, no entanto, saiu caro. Criticada em massa até por seguidores famosos, Pugliesi perdeu diversos contratos publicitários, gerando um prejuízo estimado em 3 milhões de reais. Assídua no Instagram, ela desativou sua conta no fim de abril e, até agora, não voltou à rede social.
Ao mesmo tempo, é crescente a frequência de campanhas publicitárias com influenciadores que defendem alguma causa ou que fomentam debates mais relevantes. Um exemplo é uma outra Gabriela, a Prioli, que fez trabalhos para marcas como Quem disse, Berenice? e Addera, das áreas de cosméticos e farmacêutica.
Professora de Direito, ela ganhou destaque com seu trabalho na CNN Brasil e mantém um canal no YouTube, onde faz análises da política brasileira e aborda temas do universo jurídico.
Prioli é um exemplo do movimento que vem ganhando força. “Influenciadores que focam em vender produtos tiveram demanda reduzida na pandemia. Aqueles que são mais de causa, que têm senso crítico e emitem opinião ganharam espaço e visibilidade que não tinham antes”, diz Ana Paula Passarelli, fundadora da agência Brunch, voltada para o marketing de influência.
Segundo Passarelli, parte desta mudança pode ser justificada pela postura do público em relação a produtos. Com preocupações maiores e finanças fragilizadas, o consumo perdeu espaço — e as empresas que investiram nesse tipo de marketing não viram o reflexo nas taxas de conversão.
Assim, o foco virou comunicar o propósito da marca e seu território de atuação. “O modelo de parceria também mudou”, diz Passarelli. “Em vez dos projetos ‘1 post + 3 stories’, as marcas começaram a fazer contratos de longo prazo com influenciadores que criassem bom conteúdo.”
De sua carta de criadores, Passarelli destaca, por exemplo, Nathaly Dias. Conhecida como Blogueira de Baixa Renda, ela fez parcerias com empresas como Itaú, Heinz, Drogasil, Marisa e Spotify. Em uma linha parecida, Nathália Rodrigues (a Nath Finanças) alavancou seus contratos em colaborações com Natura, Cielo, Avon e Tim, entre outras.
“Ambas têm discursos coerentes”, diz a fundadora da Brunch. “O território financeiro é tão importante quanto o de consumo essencial: a partir do momento que o seguidor aprende a lidar com o dinheiro, passar pela pandemia pode ser mais fácil.”
Com um público fiel e engajado, o influenciador é quem passa a dar as cartas na publicidade. Passarelli conta que, muitas vezes, as marcas não passam um briefing para o criador de conteúdo — é ele quem define como criar algo para a sua comunidade.
Um exemplo é Mariana Lima, a MariMoon, uma das pioneiras do mercado de influência no Brasil, com presença nas redes desde o início dos anos 2000. Em uma parceria com a marca de cerveja japonesa Kirin Ichiban, ela, afeita à cultura nipônica, planejou a ação.
“Este tipo de relação só rende ganhos às marcas”, diz Passarelli. “Um criador de conteúdo não deve ser usado como leitor de roteiro. A ideia é entender o quanto o conteúdo pode agregar à comunidade que segue o influenciador, e não definir o que o influenciador pode ou não fazer, dizer ou usar.”
Como tudo na pandemia, este impacto no marketing de influência tem duração incerta. “Gostaria de ser mais otimista e dizer que estamos aprendendo a ter um consumo mais consciente, mas acho que vamos ver um comportamento de revanche, de sair da quarentena querendo consumir mais”, diz Passarelli.
Para ela, os próximos meses serão de observação do público, das marcas e dos próprios influenciadores. No entanto, mesmo se as compras voltarem ao patamar de antigamente, o consumo desenfreado não deve refletir no conteúdo dos criadores. “Vai pegar mal. Ninguém quer ter a imagem arranhada – nem as marcas, nem os influenciadores.”