Marketing

Lei argentina mobiliza produtoras de filmes publicitários

Protecionismo do país vizinho sobre a veiculação de comerciais gera preocupação no Brasil

Cachorro-Peixe, comercial da Volkswagen: pós-produção da argentina Bitt (Reprodução)

Cachorro-Peixe, comercial da Volkswagen: pós-produção da argentina Bitt (Reprodução)

DR

Da Redação

Publicado em 30 de novembro de 2010 às 10h43.

São Paulo - Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial...Ops, para tudo! Há cerca de três semanas, entrou um ingrediente bem complicado dentro de um megaprojeto de comunicação publicitária para o McDonald’s, que estava sendo desenvolvido em São Paulo pela agência Taterka para veiculação em toda a América Latina, inclusive na Argentina.

Orçado em pelo menos cinco produtoras diferentes, entre elas a Conspiração, a Cine, a Produtora Associados, Vettor e Tribo, o trabalho apresenta um novo conceito para a rede de fast-food. Traz filmes institucionais e de produto, envolvendo animação e outras técnicas de computação gráfica. Alguns chegaram a ser finalizados, outros foram abortados no meio do caminho. Todos porém estão sofrendo com o mesmo ingrediente: a nova lei de mídia da Argentina, que entre dezenas de decisões sobre a comunicação audiovisual, decreta que os filmes publicitários, para serem veiculados no país, precisam ter pelo menos 60% de participação de profissionais argentinos e registro feito por produtora local.

A nova “Ley de los medios” ou Lei 26.522 foi sancionada em 10 de outubro de 2009 e entrou em vigor no último dia 10 de outubro. Protecionista à 18ª potência, ela tem um conteúdo tipo “salvador da pátria” e, em alguns de seus artigos, como o que regulamenta a produção e veiculação de trabalhos publicitários, propõe restrições consideradas incoerentes com as estratégias de globalização e com os protocolos de unificação de mercados como o Mercosul.

Apesar de o Brasil ser um mercado imensamente maior e ser considerado o principal hub da região latino-americana, do ponto de vista prático, a nova lei assusta e preocupa o mercado de produtoras de audiovisual do Brasil. Também acende uma luz de alerta para as agências de publicidade. As entidades que representam esses segmentos estão unidas com a Ancine (Agência Nacional do Cinema), ligada ao Ministério da Cultura, reguladora do setor, em uma série de articulações de conteúdo jurídico, econômico e diplomático, para tentar uma saída a fim de reverter a decisão argentina ou dar um troco à altura.

A mobilização do mercado publicitário diante da lei argentina está sendo organizada pela Apro (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais), entidade presidida por Leyla Fernandes, da Produtora Associados. Até a última sexta-feira (26), os grupos de advogados convocados para a situação não tinham definido um “parecer jurídico” sobre os caminhos que a publicidade brasileira tem para combater o protecionismo argentino. Uma decisão deve ser tomada nos próximos dias.

De acordo com a apuração feita, as entidades pretendem sugerir que a taxa Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica) seja maior para os filmes argentinos. Atualmente está em torno de R$ 70 mil.

A Apro começou a se mobilizar no episódio do McDonald’s, que terminou com a decisão do anunciante de transferir a produção dos principais filmes da nova campanha para produtoras argentinas, com sede em Buenos Aires. A Apro conta com apoio da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade), da Aprosom (Associação das Produtoras de Fonogramas Publicitários) e de sindicatos do setor publicitário.

Uma das maiores preocupações da Abap é que a Lei da Mídia permite que as produtoras argentinas exerçam o papel de agência de publicidade. “Elas poderão fazer intermediação de mídia, além de criar e produzir”, resume um jurista ouvido pelo propmark, que pediu para não ser identificado.

“A gente vinha acompanhando a história da lei há cerca de um ano, mas nos últimos dois meses, as informações ficaram mais complicadas e quando a gente soube, já estava nesse nível de um anunciante transferir o negócio para a Argentina”, relata Leyla Fernandes. Segundo ela, depois do McDonald’s, a Apro tomou conhecimento de vários casos, inclusive de pós-produção, em um “efeito cascata”.

O mercado brasileiro trabalha a possibilidade de parcerias de coprodução para viabilizar veiculação na Argentina. A Cine, por exemplo, está com planos de abrir ainda neste ano uma estrutura em Buenos Aires. A Lua Nova também anunciou, semana passada, uma parceria estratégica com uma produtora de som portenha.

Mas, independentemente das possibilidades de coprodução, uma das principais preocupações da Apro é com a “infraestrutura” do mercado de produção brasileiro no que se refere a equipamentos de luz, som, captação e finalização de imagens. “Essa área pode ser a mais atingida”, analisa Leyla. Há também sérios riscos de redução de trabalho para profissionais da área técnica. A presidente da Apro também alerta que, em médio prazo, as agências podem perder o controle dos projetos de criação para os argentinos. “Há um risco de um efeito dominó”.

Uma fonte ligada à diretoria da Abap  também teme que a lei afete as agências: “O anunciante vai preferir criar e produzir na Argentina”, disse. Segundo a fonte, o Brasil tem de ter uma resposta a esse protecionismo argentino. “É assunto para falar com a presidente da República”, sintetizou.

Em estimativas feitas por profissionais do mercado de produção, há casos em que até 50% dos filmes publicitários de uma mesma produtora são aprovados para veiculação na América Latina e até então com planos de mídia incluindo a Argentina. Gigantes multinacionais como Procter & Gamble, Unilever e Nivea concentram a maior parte da produção de seus filmes publicitários no Brasil.

Uma outra fonte lembra que, nos últimos anos, o Brasil tem perdido vários orçamentos de filme para a Argentina pela questão de custo e pela força da indústria cinematográfica portenha, que tem tido maior repercussão do que a brasileira na maioria das competições internacionais. “Muitos dos nossos criativos já adoravam filmar na Argentina. Com essa lei, esperamos que essas estratégias sejam revistas”.

Coincidentemente, a Apro e o projeto FilmBrazil estão apoiando um festival publicitário, que acontece em Buenos Aires, nesta semana, entre os dias 2 e 3. É o Cíclope, que vai avaliar técnicas de produção. Um comunicado de posicionamento do mercado brasileiro sobre a nova lei está sendo considerado pelas entidades brasileiras para ser divulgado durante o festival. De acordo com Paulo Henrique Miranda, gerente executivo da FilmBrazil, a ideia é comunicar a “insatisfação” com a nova lei. Na opinião dele, durante o festival, outras entidades que reúnem produtoras de do Reino Unido e dos Estados Unidos, por exemplo, vão tomar conhecimento e definir posicionamento sobre o protecionismo argentino.

Solange Cruz, diretora executiva da Casablanca, uma das maiores finalizadoras do mercado brasileiro, diz que nas últimas semanas a empresa passou a enfrentar “maior concorrência” de uma finalizadora argentina, a Bitt, a que fez a pós-produção de filmes famosos produzidos na Argentina e veiculados no Brasil, como “Cachorro-Peixe” e “Pipoca”, ambos da Volkswagen. Solange acredita que ainda há muitas informações desencontradas sobre a nova lei. Segundo ela, na última sexta-feira, havia um pedido de finalização de um filme da Reckitt Benckiser com plano de veiculação na Argentina.

O diretor de criação Erh Ray, sócio e presidente da Borghierh/Lowe, multinacional com clientes globais como Unilever, defende que o Brasil tem de ter uma lei de reciprocidade e fazer o mercado argentino arcar com a mesma moeda. “A Argentina tem muito mais a perder do que o Brasil, eles produzem muita coisa para o Brasil e o mercado deles é menor”, argumenta. A Borghierh/Lowe ganhou Leão de prata neste ano em Cannes e prêmio no El Ojo semana passada, com o comercial “Branco e Preto”, criado para o detergente em pó Skip. O anunciante é a Unilever Argentina e a produção foi da brasileira Dínamo. O filme não foi veiculado no Brasil.

A Embaixada da Argentina no Brasil foi procurada para comentar a Lei 26.522, mas não houve retorno do contato até o fechamento desta edição.

*Colaboraram Kelly Dores e Paulo Macedo

Acompanhe tudo sobre:América LatinaArgentinaDados de Brasilestrategias-de-marketingPublicidade

Mais de Marketing

Burger King e Mari Maria lançam glosses com aromas inspirados em itens do cardápio

Casa da Asics em São Paulo já realizou mais de 20 mil encontros com corredores

Caravana de Natal da Coca-Cola Femsa Brasil percorre 85 cidades e tem até IA; veja locais

Spaten: como uma marca de 600 anos continua de pé e 'lutando' pelo consumidor?