Sandra Chayo, sócia do Grupo HOPE (HOPE/Divulgação)
Repórter
Publicado em 31 de agosto de 2024 às 14h15.
Depois de faturar R$ 3 bilhões em 2023, o que Cimed ambiciona? “Faturar R$ 4 bilhões neste ano e R$ 5 bilhões em 2025”, responde o CEO da farmacêutica, João Adibe Marques, sem pestanejar. Parte considerável do sucesso da empresa, a quarta maior do setor no Brasil, está associado a algo que ele faz, diariamente, com o próprio smartphone: alimentar sua conta pessoal no Instagram, onde é seguido por 3,6 milhões de pessoas — no TikTok já são mais de 480 mil seguidores.
Nas redes sociais, ele não se nega a exibir parte de sua rotina luxuosa, mas o que faz com mais frequência é promover a farmacêutica, fundada pelo pai dele, João de Castro Marques (1948-2022), em 1977. “Não me limito a mostrar o que tenho”, diz ele. “Mostro o que faço para ter o que tenho, o que é muito diferente”. Diz que não se restringe a postar só sobre a rotina profissional e a Cimed por questões estratégicas. “Se fizesse só isso, eu ia ter bem menos seguidores”, acredita.
É a mesma estratégia adotada pela vice-presidente da Cimed, Karla Marques Felmanas. Irmã dele, ela tem 1,3 milhão de seguidores no Instagram e mais de 840 mil no TikTok. Outro que segue a mesma cartilha é Adibe Marques, um dos cinco filhos do CEO. Apontado como sucessor do pai, o rapaz de 26 anos é responsável por mais de 1.500 vendedores da farmacêutica. No Instagram, ele tem 395 mil seguidores; na rede social chinesa, 53 mil.
“Transmitimos muito mais verdade ao divulgar a Cimed”, acredita João. “Poderíamos contratar influenciadores para isso. Mas nada impede que eles, daqui certo tempo, estejam a serviço dos nossos concorrentes”.
De tanto propagar a companhia, revela, muita gente passou a chamá-lo de João Cimed. “Levo numa boa, porque é exatamente o que eu sou”, afirma ele, que hoje se divide entre a empresa e a Seleção Brasileira, de cuja delegação virou chefe neste ano — a farmacêutica é patrocinadora oficial do time.
Se já era famoso na internet, ele ficou ainda mais conhecido no ano passado, quando estreou em uma novela. Foi em “Fuzuê”, da TV Globo, durante uma ação de marketing da Cimed. O CEO interpretou ele mesmo, que gosta de se apresentar como um vendedor, ao lado dos personagens interpretados por Edson Celulari e Noemia Oliveira. O objetivo da iniciativa era promover a marca de vitaminas Lavitan.
Hoje com 52 anos, ele tinha 15 quando debutou na empresa, então um pequeno laboratório com cerca de quinze funcionários. Começou na área de expedição, separando pedidos, e ajudou a transformá-la em um negócio bilionário. Como ela seria se o CEO, o filho e a irmã se mantivessem afastados dos holofotes? Impossível dizer, mas certamente bem menos conhecida e, talvez, bem menos valiosa.
Influenciadores que alcançaram o olimpo da internet e se converteram em empresários em seguida existem aos montes. É o caso de Bianca Andrade, mais conhecida como Boca Rosa, que despontou com tutoriais de maquiagem. Com 19,9 milhões de seguidores no Instagram, ela acaba de lançar sua marca de beleza, a Boca Rosa Beauty. No ano passado, ela encerrou uma parceria milionária com a Payot.
Fora do país, exemplos não faltam. Em 2021, as irmãs Charli e Dixie D'Amelio lançaram a marca Social Tourist em parceria com a Abercrombie & Fitch Co. Em conjunto, a dupla soma 210 milhões de seguidores no TikTok, 64 milhões no Instagram e 15 milhões de inscritos no YouTube. Catapultada à fama pela série “Stranger Things”, da Netflix, a atriz britânica Millie Bobby Brown arrematou o controle da marca vegana de cosméticos Florence by Mills em 2020.
Empresários bem-sucedidos que se transformaram em influenciadores são mais raros. Morto em 2011, Steve Jobs, sempre de New Balance, calça jeans e camisa preta, não chegou a reinar no mundo das redes sociais, apesar de ter contribuído muito com a popularidade delas. Se estivesse vivo, porém, certamente seria um dos empresários com mais seguidores no Instagram ou em qualquer outra rede. “Quase todo mundo que tem um produto da Apple sabe que o Steve Jobs tem a ver com ela”, acredita Sandra Chayo, diretora institucional e uma das donas da Hope.
O impacto da popularidade do americano, que virou um dos empresários mais conhecidos do mundo, na trajetória meteórica da Apple serviu de incentivo para a brasileira vencer a própria timidez e dar as caras na internet. “Não faltam cases de empresas que passaram a ter resultados melhores depois que os acionistas ficaram conhecidos”, diz Sandra.
É o caso da Hope. Com a morte do fundador, Nissim Hara (1936-2020), pai de Sandra, ela se viu obrigada a sair do anonimato. “Era preciso dizer para os franqueados, que considero como sócios, que meu pai não estava mais aqui, mas que eu e minhas duas irmãs, sim”, recorda a diretora institucional. Quando veio a pandemia, logo em seguida, ela passou a participar de lives semanais da marca de moda íntima. “Novamente, era preciso mostrar para todo mundo que continuávamos na empresa e que havíamos montado um comitê de crise”.
Registre-se que, das três filhas de Hara, só Sandra se dispôs a entrar nos holofotes. “Assumi o papel ‘de aparecer’”, resume ela, que está com 116 mil seguidores no Instagram. Um dos reflexos dessa decisão foi o convite para ocupar uma das poltronas do “Shark Tank Brasil” — ela participou da sétima temporada do programa, que foi ao ar em 2022. Bem mais à vontade diante das câmeras, ela lançou o próprio videocast no YouTube, o Papo Íntimo, no ano passado. E convenceu as irmãs, Daniela Hara Chammah e Karen Hara, a participar de um dos episódios.
E o reflexo disso tudo para a Hope? “Não tenho dúvida de que ajuda a aumentar as vendas, porque os consumidores costumam dar preferência para as marcas cujos nomes por trás são conhecidos”, afirma.
“Já contratei até a Gisele Bündchen para vender a minha marca. Mas, apesar de todas as minhas imperfeições, ninguém vende a Hope como eu.”
Depois conta que a exposição pessoal tem ajudado a marca a vender muito mais franquias. “Sempre fiz questão de conhecer todos os franqueados”, conta. “Agora, porém, muitos costumam me dizer: ‘estou aqui por sua causa, porque me identifico com seus valores’”. Judia, ela tem se posicionado no Instagram contra a onda de antissemitismo deflagrada pela guerra em curso de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza. “Não perdi seguidores, nem vendi menos produtos por causa disso”, afirma ela, que diz ter sofrido ameaças antissemitas.
Quando estreou no “Shark Tank Brasil”, Sandra ouviu o seguinte de um de seus pares no programa: “Agora, as pessoas vão começar a enxergar os produtos da Hope como produtos da Sandra”. A frase foi dita por Caito Maia, o fundador da Chili Beans. A participação dele no reality show indica o quanto a exposição pessoal pode favorecer os negócios. Ao longo dos seis anos em que ele ocupou uma das poltronas do programa, o market share da Chili Beans aumentou 30%.
Maia jura que não entrou no “Shark Tank Brasil” com o intuito de melhorar a performance de sua marca de óculos. “No segundo ano, passei a enxergar a participação, sim, como uma estratégia de marketing”, admite. “Muitos empresários, hoje em dia, querem entrar no programa por causa disso”. Maia ficou tão ou mais famoso que a Chili Beans. No Instagram, ele tem 1,2 milhão de seguidores; a marca, 1,5 milhão.
“Canso de receber mensagens de pessoas dizendo que viraram clientes da Chili Beans por minha causa”, gaba-se ele, que diz não ter nenhum hater para chamar de seu.
A maioria dos conteúdos postados por ele registra sua rotina profissional ou promove a Chili Beans. Vez ou outra também há espaço para registros de sua vida pessoal — nos quais os filhos jamais aparecem, por razões óbvias — e, com grande comedimento, para alguns luxos a que Maia têm acesso. “Tudo que não quero é ostentar carros, helicópteros, relógios e coisas do tipo”, resume. “Acho isso uma idiotice. Meu propósito é fomentar o empreendedorismo”.
Eleita como a segunda melhor influenciadora de empreendedorismo do país pela plataforma Influency.me, a carioca Zica Assis só começou a alimentar sua própria conta no Instagram de uns três anos para cá. Com mais de 80 mil seguidores, ela dá dicas para quem quer começar a empreender ou não sabe como colocar o próprio negócio nos trilhos e, principalmente, fala sobre cabelos crespos, cacheados e ondulados. “Acredito que influencio muitas mulheres a darem adeus ao alisamento”, diz a fundadora do Instituto Beleza Natural.
Trata-se de uma rede de salões de beleza especializados em cabelos do tipo. Já são 35 unidades (28 próprias e 7 franquias) espalhadas por cinco estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia. A rede oferece mais de 20 serviços e atende cerca de 100 mil pessoas por mês. Os produtos utilizados saem de uma fábrica própria situada em Bonsucesso, bairro na Zona Norte carioca — ela fabrica cerca de 380 toneladas por mês e quase 90 SKUs.
O primeiro salão foi montado há quase 31 anos na Tijuca, na mesma região. O investimento inicial foi de R$ 4.200 — parte do dinheiro veio da venda de um fusca do marido de Assis. “Logo no início, cerca de 100 pessoas faziam fila na porta e a partir das 9 horas”, recorda a empresária, com orgulho.
De origem pobre, ela foi levada para trabalhar como babá em uma mansão quando tinha nove anos de idade e cabelos bem volumosos — a mãe dela lavava roupas na mesma residência. “Com esse cabelo, não”, ouviu a menina, que se viu obrigada a cortá-los e a alisá-los para conseguir a vaga. “Demorei para entender que o nome daquilo era racismo”, diz Assis.
Sempre com os cabelos alisados, a contragosto, ela ganhou a vida como faxineira e empregada doméstica até os 21 anos de idade. Foi quando decidiu cortá-los bem curtos e se converter em cabeleireira. Com um objetivo bem claro: ajudar mulheres como ela a se orgulharem dos próprios fios. “Minha história ajuda muitas clientes a serem quem elas realmente são”, resume a empresária, acrescentando que, para o negócio, isso é ótimo.